Eu tinha cerca de 12 anos. Passava as férias escolares na casa de meus avós maternos em Maués, Amazonas. Uma das comidas rotineiras de lá era o peixe. Tanto no almoço como no jantar não podia faltar o jaraqui, o pacu e muitos outros peixes de água doce, feitos com sabor e esmero pela minha saudosa vovó Clarice e suas dedicadas ajudantes. Certa vez, era noite e eu me engasguei com umas espinhas que suponho agora serem de pacu. Comecei a me agoniar, chorar e gritar! – Come uma banana! – disse um. Comi. Mas nada! O incomodo na garganta continuava. – Come um pouco de farinha e toma um copo de água! – falava agoniado outro. Comia, mas a dor não passava. Era véspera de meu aniversário! Não sei quem deu a ideia, mas alguém sentenciou: – Vamos levar o Calito – era assim que me chamavam – na Mariazinha! E saímos em direção da casa da Mariazinha. Eu bem que tentava controlar o choro mas não aquentava...Fui chorando até a casa da Mariazinha. Lá chegando, minha tia Ceminha foi dizendo: – Ele está engasgado com umas espinhas dum peixe que comeu agora no jantar, Mariazinha! Eu, seguro no colo dela. A Mariazinha se aproximou. Silêncio total no ambiente. Eu, talvez, apavorado com um cenário até então pra mim completamente desconhecido, engoli o choro. A Mariazinha aproximou-se calada e quando estava bem perto começou à orar e a fazer gestos e sinais em direção do meu pescoço. O silencio só foi quebrado pelas palavras balbuciadas pela Mariazinha. Alguns instantes adiante fez-se a luz! Eu não senti mais nenhuma espinha de peixe me furando a garganta! Todos aliviados! Depois de agradecer a graça de Mariazinha, voltamos sorridentes e alegres pra casa da vovó, agora já pensando no dia seguinte, o meu aniversário!

Muitas décadas depois deste fato, estava eu de férias com dois de meus filhos, o Renato e o Henrique no Marajó, mais precisamente em Soure. Chegamos, deixamos nossas bagagens no Hotel Soure e rumamos alegres e felizes para a praia de Pesqueiro. Lá chegando, passei o meu beabá de pai de primeira viagem: – Não comprem nada na praia, especialmente os “deliciosos” e atraentes chops! E me sentei numa mesa na areia para apreciar a linda paisagem saboreando uma cerveja gelada, afinal eram as primeiras férias lá passadas! Os dois tinham ido tomar banho. A maré tava baixa e eles caminharam bastante até a água. E eu distraído na barraca. Certo tempo depois, talvez, uma hora depois, os dois vem de volta. Cada um com um chop na mão e suas bocas meladas… Aproximaram-se e eu não disse nada pra não estragar o dia... Continuamos nosso lazer. Retornamos final da tarde para o hotel. Depois do jantar, porém, o Renato se queixou: – Papai, estou quente! – Passei a mão espalmada em seu rosto e percebi um calor acima do normal. Tava febril. Busquei informação onde era o hospital e pra lá fomos. Ele foi medicado, tomou um soro e logo que terminou voltamos para o hotel. A febre tinha passado. Dormimos. No dia seguinte, tínhamos combinado de irmos até Cachoeira do Arari para que eles conhecessem O Museu D’O Marajó. Acordamos cedo, tomamos nossos cafés, arrumamos as coisas e nos mandamos para pegar a balsa Soure – Salvaterra, atravessar o rio Paracauari e depois seguir pela estrada PA-154 em direção à Cachoeira do Arari. Aproximadamente uma hora depois chegamos à beira do rio Camará. Outra travessia, agora de Salvaterra para Cachoeira do Arari. Quando estávamos já embarcados, novamente o Renato se aproximou e disse: – Papai, acho que estou com febre de novo. Toquei-lhe o pescoço e confirmei. – Bom, vamos seguir adiante e lá em Cachoeira te levarei ao médico. Chegando em Cachoeira, fomos direto até o Museu d’O Marajó e falei com o Giovanni Gallo que eu queria dar um banho frio no Renato. Uma forma de baixar a febre. Prontamente ele atendeu e fomos até o banheiro da Fazendola. Só que a água do chuveiro tava tão fraca que apenas pingava... Não teve condição de banhar. Daí, resolvi ir ao hospital da cidade para o médico examinar o Renato. Chegando lá, contei para o médico que estava sentado em sua cadeira de frente para a mesa o que tinha se passado. Ele, sem ao menos medir a temperatura ou examinar o Renato, pegou a caneta e um bloco de papel e receitou a medicação. Sem nenhum comentário. Me levantei, agradeci e sai. Lá fora fui ler a receita e vi que ele tinha receitado um antibiótico! Decidi não comprar nem medicar o Renato com o tal do remédio. Voltei pro Museu, contei o ocorrido pro Gallo e veio aquela luz! Lembrei-me de um episódio registrado por ele no seu livro Marajó: Ditadura das Águas, onde ele conta a história de uma benzedeira da cidade! Não titubeei e perguntei-lhe: – Gallo! Onde é a casa da benzendeira? Ele me apontou a direção da casa da dita. Era bem perto de sua casa. Fomos lá. Falei para ela o que estava acontecendo e ela rapidamente começou sua oração e gestos macios sobre o corpo do Renato. Falei pro Gallo: – Gallo! O Renato melhorando, voltaremos ainda hoje pra Soure. A última balsa de Camará – Salvaterra será às 18 horas e não poderemos perdê-la. Certamente em Soure terei mais condição de cuidar do Renato. O Gallo, dentro de sua sabedoria quase infinita concordou comigo e assim fizemos. Depois dos “passes” da benzedeira a febre do Renato passou e embarcamos no carro e rumamos de volta pra Soure. Que “remédio” infalível!

Mais uma prova do poder das benzedeiras hoje esquecidas da Amazônia!