Um “remédio” infalível
Publicado em 17 de janeiro de 2022 por Carlos José Esteves Gondim
Eu tinha cerca de 12 anos. Passava as férias escolares na casa de meus avós maternos em Maués, Amazonas. Uma das comidas rotineiras de lá era o peixe. Tanto no almoço como no jantar não podia faltar o jaraqui, o pacu e muitos outros peixes de água doce, feitos com sabor e esmero pela minha saudosa vovó Clarice e suas dedicadas ajudantes. Certa vez, era noite e eu me engasguei com umas espinhas que suponho agora serem de pacu. Comecei a me agoniar, chorar e gritar! – Come uma banana! – disse um. Comi. Mas nada! O incomodo na garganta continuava. – Come um pouco de farinha e toma um copo de água! – falava agoniado outro. Comia, mas a dor não passava. Era véspera de meu aniversário! Não sei quem deu a ideia, mas alguém sentenciou: – Vamos levar o Calito – era assim que me chamavam – na Mariazinha! E saímos em direção da casa da Mariazinha. Eu bem que tentava controlar o choro mas não aquentava...Fui chorando até a casa da Mariazinha. Lá chegando, minha tia Ceminha foi dizendo: – Ele está engasgado com umas espinhas dum peixe que comeu agora no jantar, Mariazinha! Eu, seguro no colo dela. A Mariazinha se aproximou. Silêncio total no ambiente. Eu, talvez, apavorado com um cenário até então pra mim completamente desconhecido, engoli o choro. A Mariazinha aproximou-se calada e quando estava bem perto começou à orar e a fazer gestos e sinais em direção do meu pescoço. O silencio só foi quebrado pelas palavras balbuciadas pela Mariazinha. Alguns instantes adiante fez-se a luz! Eu não senti mais nenhuma espinha de peixe me furando a garganta! Todos aliviados! Depois de agradecer a graça de Mariazinha, voltamos sorridentes e alegres pra casa da vovó, agora já pensando no dia seguinte, o meu aniversário!
Muitas décadas depois deste fato, estava eu de férias com dois de meus filhos, o Renato e o Henrique no Marajó, mais precisamente em Soure. Chegamos, deixamos nossas bagagens no Hotel Soure e rumamos alegres e felizes para a praia de Pesqueiro. Lá chegando, passei o meu beabá de pai de primeira viagem: – Não comprem nada na praia, especialmente os “deliciosos” e atraentes chops! E me sentei numa mesa na areia para apreciar a linda paisagem saboreando uma cerveja gelada, afinal eram as primeiras férias lá passadas! Os dois tinham ido tomar banho. A maré tava baixa e eles caminharam bastante até a água. E eu distraído na barraca. Certo tempo depois, talvez, uma hora depois, os dois vem de volta. Cada um com um chop na mão e suas bocas meladas… Aproximaram-se e eu não disse nada pra não estragar o dia... Continuamos nosso lazer. Retornamos final da tarde para o hotel. Depois do jantar, porém, o Renato se queixou: – Papai, estou quente! – Passei a mão espalmada em seu rosto e percebi um calor acima do normal. Tava febril. Busquei informação onde era o hospital e pra lá fomos. Ele foi medicado, tomou um soro e logo que terminou voltamos para o hotel. A febre tinha passado. Dormimos. No dia seguinte, tínhamos combinado de irmos até Cachoeira do Arari para que eles conhecessem O Museu D’O Marajó. Acordamos cedo, tomamos nossos cafés, arrumamos as coisas e nos mandamos para pegar a balsa Soure – Salvaterra, atravessar o rio Paracauari e depois seguir pela estrada PA-154 em direção à Cachoeira do Arari. Aproximadamente uma hora depois chegamos à beira do rio Camará. Outra travessia, agora de Salvaterra para Cachoeira do Arari. Quando estávamos já embarcados, novamente o Renato se aproximou e disse: – Papai, acho que estou com febre de novo. Toquei-lhe o pescoço e confirmei. – Bom, vamos seguir adiante e lá em Cachoeira te levarei ao médico. Chegando em Cachoeira, fomos direto até o Museu d’O Marajó e falei com o Giovanni Gallo que eu queria dar um banho frio no Renato. Uma forma de baixar a febre. Prontamente ele atendeu e fomos até o banheiro da Fazendola. Só que a água do chuveiro tava tão fraca que apenas pingava... Não teve condição de banhar. Daí, resolvi ir ao hospital da cidade para o médico examinar o Renato. Chegando lá, contei para o médico que estava sentado em sua cadeira de frente para a mesa o que tinha se passado. Ele, sem ao menos medir a temperatura ou examinar o Renato, pegou a caneta e um bloco de papel e receitou a medicação. Sem nenhum comentário. Me levantei, agradeci e sai. Lá fora fui ler a receita e vi que ele tinha receitado um antibiótico! Decidi não comprar nem medicar o Renato com o tal do remédio. Voltei pro Museu, contei o ocorrido pro Gallo e veio aquela luz! Lembrei-me de um episódio registrado por ele no seu livro Marajó: Ditadura das Águas, onde ele conta a história de uma benzedeira da cidade! Não titubeei e perguntei-lhe: – Gallo! Onde é a casa da benzendeira? Ele me apontou a direção da casa da dita. Era bem perto de sua casa. Fomos lá. Falei para ela o que estava acontecendo e ela rapidamente começou sua oração e gestos macios sobre o corpo do Renato. Falei pro Gallo: – Gallo! O Renato melhorando, voltaremos ainda hoje pra Soure. A última balsa de Camará – Salvaterra será às 18 horas e não poderemos perdê-la. Certamente em Soure terei mais condição de cuidar do Renato. O Gallo, dentro de sua sabedoria quase infinita concordou comigo e assim fizemos. Depois dos “passes” da benzedeira a febre do Renato passou e embarcamos no carro e rumamos de volta pra Soure. Que “remédio” infalível!
Mais uma prova do poder das benzedeiras hoje esquecidas da Amazônia!