UM PROGRESSO QUE CUSTA CARO
Publicado em 03 de dezembro de 2012 por Francisco Antônio Saraiva de Farias
UM PROGRESSO QUE CUSTA CARO
Mafaldo era um jovem tímido, mergulhado em sua mudez tristonha. Olhos sem brilho, dando a vaga impressão de que a vida já havia abandonado aquele corpo desnutrido de rapaz pobre massacrado pela dureza da vida... Assim o encontrei!
- Cadê a tua mãe, perguntei calmamente.
- E teu pai; e teus irmãos, continuei perguntando insistente.
- Morreram!... Gritou bruscamente em meio a uma estranha revolta e incontroláveis soluços.
- Morreram? De quê, perguntei firmemente.
Desencanto! Respondeu num brado o rapaz.
Desencanto?
Sim! Um mal terrível que atormentava e atacava selvagemente os pequenos lavradores da região onde morávamos, disse-me enxugando as lágrimas que teimosamente escorriam pelo rosto. Passou a mão na barriga, endireitou o corpo no degrau da escada e como que encarnado por misteriosa força começou a falar tranquilamente, com os olhos perdidos num ponto vago do horizonte...
Tudo começou no dia em que eles chegaram a terra... Terra bendita, destinada a todos e que de repente a tornaram valiosa, maldita. Ficando provado mais uma vez que pobre só é igual o rico na hora de morrer, porque a morte não faz distinção... A terra, que a cada um de nós deveria caber nesse latifúndio, só não é dos afogados...
A minha história é igual à de muitos outros que cumpriram sofrida sina. Audazes e heróicos abridores de fronteiras, massacrados e humilhados pela força do capital e largados e esquecidos pela pátria que lhes servira de berço!
Colonos, enxotados pelo beribéri, resolvemos encostar as falhas à beira de um desconhecido e inexplorado rio para cuidar da saúde de minha irmã caçula que andava oscilante...
Encostamos o barco Ãatá em um barranco verdejante e durante uma semana fizemos vistoria das riquezas naturais daquele lugar encravado numa floresta densa, até então livre das pegadas de pés humanos. Papai gostou do lugar. Sadio, farto e solo fértil. Ergueu a cabeça e sorriu para os céus, em forma de agradecimento, decidido a fazer moradia naquele lugar distante da civilização.
Em pouco tempo já se podia visualizar os frutos do difícil e árduo trabalho de colonização. Para eles não tinha domingos e nem feriados, todo dia era dia de lida, de muita luta. Uma bonita choupana. Ampla barraca de torrar farinha. Vastas plantações. Pequena defumadora de leite da seringueira e diversas criações sobressaíam-se no terreiro limpo, dando um colorido todo especial aquele lugarejo.
Vivíamos felizes.
Numa bela tarde de setembro, quando os últimos raios de sol já se escondiam por detrás das copas verdes e frondosas das castanheiras, a primavera tornou-se bruscamente em um verão causticante... Eles chegaram! Pessoas estranhas ao seio da mata virgem! Homens barbudos, sujos e mal-encarados, mais parecidos com as características famosas do malvado malpinguarí...
Carregando pequenas máquinas eles se identificaram como topógrafos que estavam ali para medir a terra.
- E quem mandou medir estas terras, perguntou o papai que vinha chegando com o jamaxi às costas. O dono do lugar, seu besta velho, respondeu um zarolho barbudo, demonstrando ser o chefe do bando daqueles homens mal-encarados.
- Mas como dono do lugar, se ninguém sabia da existência deste pedaço de chão, meu Deus! Exclamou meu velho pai apavorado.
- Vamos com calma, velho besta! Vocês têm quarenta e oito horas para desocupar este lugar. Esgotado esse prazo nós voltaremos aqui para lhe trazer o pagamento... Concluiu ameaçadoramente o zarolho.
Dias depois eles voltaram, semeando pânico e uma miséria devastadora e nos expulsaram das nossas terras.
Desse dia em diante meu pai se tornou um homem acabrunhado... Tudo tem têm sido desolação e flagelo, pois a única coisa que aprendeu e gostava de fazer era cortar seringa e lavrar a terra, cuidar dos animais.
Com muita dificuldade e sofrimento conseguimos chegar à cidade, donde, dias depois, conseguimos levantar uma barraca num terreno de invasão. Meu pai começou a fazer bicos, limpando quintal e ajudando o senhor Ari Osvaldo a cavar poços semi-artesianos. Minha mãe e as minhas irmãs começaram a trabalhar em casa de família e eu de auxiliar de pedreiro. Meses depois o meu pai perdeu completamente o ânimo pela vida! Nunca se acostumou com a forma de vida na cidade, parece que ele se sentia preso, enjaulado... Apesar dos pedidos da minha mãe, meu e das minhas irmãs meu pai entregou os pontos... Tornou-se um alcoólatra. Passou a falar sozinho, repetindo sempre que àquela terra era dele... Até à tarde do dia em que o encontramos pendurado pelo pescoço na corda donde costumava amarrar a rede num dos galhos da jaqueira.
Depois disso o rapaz silenciou e eu decidi não lhes fazer mais perguntas...