Filipe Miguel Mário Cahungo[1]

RESUMO

O tema ou seja o titulo do artigo, em primeira vista poderá ser ou parecer como um absurdo ao amado leitor, mas o maior desafio é acima de tudo tentar desmascarar o grande “monstro individualismo” que corroeu e degrada a pessoa ou o homem angolano, despindo-lhe de toda capacidade de cooperar para o aperfeiçoamento da Polis, a qual está destinado, neste caso, o espaço do qual me refiro e que estamos destinado chama-se Angola. Em seguida, propor um modelo de concepção de pessoa ligado ao homem bantu, ou a pessoa, mas com isso, não significa uma ruptura com a humanidade, é um exercício conciliador em descobrir o que há de mais nobre e valioso na cultura bantu, para em seguida usá-lo para uma possível catalogação com o contexto em que nos encontramos. Assim, entendemos que dos povos bantu podemos tirar, para além dos numerosos valores reais e humanizantes achamos imprescindível tirar da antropologia bantu o conceito e família, que se articula com o conceito de pessoa, que está intrinsecamente associado ao de Deus. Outrossim, veementemente, viver para o bantu é estar ligado ao outro, esse outro não alguém que me vira as costas, é acima de tudo um outro que está ligado ao meu mundo, a minha vida e a minha realidade, é o mesmo homem que proviemos do mesmo proto antepassado, do qual dirigimos as mesmas súplicas e os mesmos agradecimentos.

 Palavras – Chave: Angola, crise, individualismo, bantu.

ABSTRACT


The theme of the title of the article, at first sight may seem like an absurd to the beloved reader, but the biggest challenge is above all try to unmask the great "monster individualism" that corrode and degrade the person or the Angolan man, Too much of the capacity of cooperating for the vision of the Polis, to the east is destined, in this case, the space of which I refer and that we are destined is called Angola. Then propose a model of conception of the person connected with the bantu man, or the person, but with this, it does not mean a rupture with humanity, it is a conciliatory exercise in discovering the most noble and valuable in Bantu culture, for then use it for a possible cataloging with the context in that our find. Thus, we hearthos of the bantu people we can draw, beyond the numerous real and humanizing values ​​we find it imperative to draw from bantu anthropology the concept and family, that articulated with the concept of person, that is intrinsically associated with that of God. Also, vehemently, to live for the bantu is to be connected to the other, this other not someone who turns my back on me, is above all another that is linked to my world, my life and my reality, is the same man that we of the same proto ancestor, from whom we have the same pleas and the same thanks.
 

Key words: Angola, crisis, individualism, Bantu.

Antes de começarmos a dissertar sobre o assunto, acho ser importante fazer uma incursão à história; a Nação que hoje chama-se Angola, era formada por reinos antes da chegada dos portugueses. Penso que esse pequeno esboço histórico seja suficiente para ilustrar ao caro leitor, agora deixemos a história a quem é de direito. Depois, dessa viagem ao passado, me atrevo em dizer que cá (Angola) infelizmente ainda existem pessoas com baixo nível de conhecimento do percurso histórico do país, tanto é assim que como consequência temos uma sociedade como essa, porque falta-nos o sentimento de interesse pelas coisas da pátria e o seu passado, logo perde-se o norte, «a construção de uma sociedade autêntica também depende daquilo que sabemos sobre nós mesmos» (DA CRUZ, 2008, p. 20). Fazendo, um comentário a afirmação de Domingos, nós carecemos é de uma consciência histórica, isto permite-nos que tenhamos uma sociedade degradação vertiginosa dos valores morais no país, fenómeno isto que decima a carga axiológica de cada falta.

 Ainda na linha de comentário a titulo de resposta à pergunta da obra cuja o titulo é “Para onde vai Angola?”, respondendo Angola vai para onde nós queremos que ela vá, ou seja, ela será o que semeamos e realisticamente colheremos aquilo que semeamos, dentro da perspectiva aristotélica, nada que venha a acto sem antes ter estado em potencia, ou seja, para maior compreensão partamos para o seguinte exemplo:

 A maça, é potencialmente uma macieira ou vice-versa, não se deve esperar que numa macieira dê uma manga, porque ela de per si está orientada a dar maça.

 Tanto, é que para o futuro não podemos esperar viver bem, enquanto o nosso ser e estar actual é nocivo, é o presente que diz o que seremos e presentemente vivemos a sacrificar o bem comum em nome do bem pessoal, não que defendamos um comunismo, ate porque reconhecemos a dimensão individual da pessoa, mas somos contra a todo tipo de tentativa de suprimento do bem comum do qual estamos chamados em função do bem pessoal.

A pergunta do nosso autor é bastante retórica, mas é acima de tudo filosófica, que se destaca na dimensão cosmológica, querendo saber o lugar, e a resposta não poderá ser dada através da razão especulativa, sim pela razão prática, Angola vai para onde queremos que ela vá, ela é fruto da nossa acção, escolhemos e pensamos nós o que ela será. Estou consciente que este trabalho será alvo de várias críticas vinda de toda parte, ante daqueles que nunca fazem nada para o bem de Angola e a felicidade dos mesmos angolanos, pois como afirma Aristóteles a felicidade é o fim último de toda pessoa, no caso particular de Angola do cidadão.

 A cultura do individualismo, degola a pessoa, arrancando-lhe aquilo que é de mais essencial, que é a comunidade política, onde está chamado a se realizar, é lá onde nascemos e queremos que seja aquilo que gostaríamos que ela fosse, a comunidade política é uma vocação, tanto é assim que quando não respondemos a essa missão acabamos por degradar a pessoa, e um dos aspectos que mais degrada o homem angolana é o individualismo, com a sua filha amada do relativismo.

É frequente notar por parte de muitos cidadãos a existência de uma ansiedade em exigir aquilo que é o dever, esquecendo-se de responder com o direito, que é uma categoria que exista fora do sujeito, é a terceira pessoa, essa absolutização do direito, leva-nos ao individualismo, ate me é permitido inventar uma nova palavra, atendendo o contexto, há a sede do egovernamentalismo, ou seja, o eu que governa o mundo e o fim de todo agir, esquece-se neste caso a dimensão do outro, o outro é diluído no emaranhado do eu, a preocupação pelo que é do outro é menor «a sociedade dos individualistas não tem paciência com problemas alheios. A fome é um problema alheio, os moradores de rua, os pedintes, os desempregados, tudo isso é problema alheio» (CHALITA, 2009, p.12).

Ora, é esse tipo de cultura que se vive em Angola, instrumentaliza-se a pessoa para fins pessoais, o individualismo, nega o desenvolvimento integral da pessoa, porque não permite ao homem transcender-se a si mesmo, para ir ao encontro do outro que é o seu destino, fecha-se em mesmo, enchendo-se de si e apagando a imagem do outro, a pessoa individualista ou o egoísta, nós preferimos chamar de individualista, parece ser mais esclarecedor ao leitor.

O apegamento pelas coisas matérias e como consequência desse modus vivendi chega-se a valorizar a pessoa não pelo que é honestamente, mas pelo que tem, embora o ter é uma dimensão imprescindível para o homem mas é visto num ângulo bastante exagerado, a inversão da pirâmide, o ter fica no topo da pirâmide sacrificando o ser, passando para a ultima escala. Neste caso com essa viragem perde-se o horizonte ético, caindo assim numa extrema confusão, a cultura do qual o homem angolano está submerso é má, viciada, por isso não esperemos que as nossas acções aja um pouco de bondade, ate as famílias que «é o núcleo base e essencial de toda vida social» (NUNES, 1991, p. 132), estam infectadas com esses problemas, já não se promove valores que incentivam a criança a participar na construção da Polis.

 Entendo que, a família como núcleo da sociedade, deve ser o ponto catalisador de todo agir humano, é nela onde as crianças são iniciadas a se preocupar pelo bem de todos, ou se preferirmos chamar de Bem Comum, pois o todo que é a polis ou a sociedade, está composta por partes, essas partes que são as famílias, esqueceram-se das suas obrigações. Somos tratados como cada um quer ou entende, alguns inclusive são sacrificados em nome dos interesses de um homem que absoluta o seu ego; a ajuda que seria um dever agora passou para a categoria de um favoritismo, não se ajuda para que a pessoa ganhe a sua autonomia, saindo assim da condição desumanizada em que se encontra, sim para estar ao serviço de L ou de X

O individualismo, instrumentaliza e escraviza a pessoa, negando-lhe o seu desenvolvimento, este não é um problema somente de Angola, trata-se de uma crise conjectural e global, que se manifesta no nosso contexto; porque mesmo não dissermos do contexto-global[2], a crise do homem é o espelho da crise da cultura «a crise da cultura implica, necessariamente, a crise do homem e vice-versa, e tudo isto no quadro da crise da cultura moderna que assola toda a humanidade» (IMBAMBA, 2010, p. 116), assim que, vejamos a cultura como um factor determinante para o desenvolvimento da pessoa, nada que o homem faça que esteja fora da sua cultura, logo é um caminho que estamos a percorrer para salvar o homem angolano que está submerso na cultura do individualismo, uma consequência lógica seria, se vivemos numa cultura corrompida pelo individualismo a conclusão seria que o nosso estado actual é corrupto, porque os bons estados se fazem com pessoas boas, e fazemos nós com o nosso modo de viver.

Mas não que sejamos optimistas nem, pessimistas, somos simplesmente realistas e conscientes da possibilidade que está escondida nesse profundo fosso existencial. É preciso perceber, que para chegarmos ao estádio a que nos propusemos chegar, é urgente e necessário dar à cultura o seu real sentido, nascendo, no entanto, um diálogo entre a ética e a cultura, porque, o fim último de cada cultura pensamos ser o encontro integral com a verdade:

Faz-se, portanto, necessário confrontar a cultura com os parâmetros oferecidos pela ética. Trata-se de analisar a maneira particular como as relações humanas são estabelecidas à luz de valores advindos do nascedouro da ética. A cultura, entendida como a totalidade da vida de um povo, deve receber valores que estão para além dela mesma (…). A ética tem uma fonte referencial imutável: a verdade, que ninguém possui plenamente (AZEVEDO, 2012, p. 50-51).

É notável, que o individualismo, está a despersonalizar o homem angolano, o cidadão, tirando-lhe o aspecto participativo da vida politica, o cidadão deixou de ser visto como um ser que vive na cidade para ser visto na perspectiva do individuo, nesse sentido a ética deixou de ser a ética da polis passando à ética do individuo, a questão que se coloca é como o individuo vive em sua casa, a ética deixa de ser pública para passar a uma ética privada; no contexto actual o individuo entende que a politica é para os políticos, despindo-se de toda responsabilidade política, a polis deixou de ser a casa comum de todo cidadão: 

Política não envolve apenas a organização de grupos em partidos, as eleições, a divisão do poder conforme as regras do país, do estado, da cidade. Política envolve a vida em sociedade, o modo como os seres humanos vivem juntos e dividem um determinado espaço, um determinado tempo, as riquezas que a sociedade produz, a cultura que dá um rosto para as mais variadas comunidades de que fazemos parte (CHALITA, 2009, pág. 50).

Em consonância com o autor, entendo que devemos é nos engajar no projecto político da nação, uma posição apática da realidade política não engrandece nem aumenta em nada, pelo contrário prejudicaria e paupérrima, chegando mesmo ao aniquilamento do homem. O homem é chamado a viver com os outros, quando isto não acontece não se desenvolve, fica atrofiado todas as suas potencialidades, nesta regra não fugi o homem angolano, por isso, é que nas ruas nos deparamos com pessoas desresponsabilizadas com o bem comum.

 Seguimos o seguinte exemplo para melhor ilustrar o caro leitor: As nossas vias terciárias ou seja, o lixo nos bairros, os cidadãos não se preocupam em fazer o depósito correcto o lixo no contentor e quantos as vias terciárias, os moradores não colaboram para a manutenção das vias, esperando que o Estado faça tudo, pois entende-se que o Estado é o dono de todo, o conceito de Estado aqui usado por nós é equivalente ao de Governo.

Tudo isso, são consequências daquilo que foram as nossas opções feitas no passado, optamos nos primeiros anos da nossa independência aquele sistema que parecia ser fiel e que poderia resolver as nossas necessidades, onde o Governo via no comunismo a realização de todas as aspirações, passou assim a desempenhar um sistema de governação paternalista; fomos afastado da vida activa, ou da vida publica, deixamos de intervir nos problemas da polis, ensinaram-nos que não poderíamos fazer nada, pois o governo faria por nós.

Diante dessa cadeia de ideias, temos o Estado que temos porque sempre fomos tidos como os incapacitados, que dependeríamos de quase tudo, pois o Governo daria tudo de mãos beijadas, nunca nos ensinaram a sermos autónomos, sempre fomos alimentados como parasitas, que esbanjavam o resto da elite comunista aquilo que achava ser importante para o povo, a prioridade para a massa. No entanto, no sistema comunista o homem não existe como parte constituinte do todo, é um mero número, é mais uma partícula de átomo perdido na grande ou na imensidão da máquina do destino.

 A inversão do qual me refiro é semelhante aquela que Nietzsche profetizou na sua obra, com o seguinte título: Assim falou Zaratustra, com as seguintes palavras «é melhor não ter Deus, é melhor que cada um cuide de seu próprio Deus» (NIETZSCHE, 2012, p. 256), neste caso a nossa questão é diferente a de Nietzsche, pois, ele se referi ao problema de Deus, mas que no fundo da questão está é preocupado com o problema moral, assim sendo nos encarregamos em analisar a realidade angolana neste sentido. Com esta inversão de valores, ou seja, essa perca de valores morais, os quais há uma necessidade de os recuperar.

Mas sobre esta temática do resgate tencionou dizer o seguinte, não serão todos a resgatar, pois, a geração actual tem os seus valores e os valores que se pretendem resgatar são aqueles dessa geração de velhos libertadores, mas que nunca nos transmitiram, agora pergunto a cada um que valores a resgatar e porque? E os actuais valores não são suficientes? Ou queremos perpetuarmo-nos no passado?

A essa falsa iniciativa digo que seriam esses velhos libertadores que poderiam primeiro transmiti-los, através da educação que só terá efeito se tiver como o ponto de partida a família, que em conjunto com a sociedade ajudarão na educação dos jovens, caso contrário, jamais se conseguirá alcançar tais objectivos. Penso que primeiro se deve educar as famílias, falando em primeiro educar as famílias, é preciso reestrutura-las, porque assim como estam não ajuda em nada para uma harmonia convivência social, ou mesmo, porque não dar a família aquilo que lhe foi renegada? É ela que forma a sociedade, não o individuo insulado.

A educação que me refiro deve ser aquela que seja capaz de propulsionar aos angolanos a capacidade crítica do seu contexto existencial, sabendo discernir os valores que tornam o homem mais humano, ou seja, aqueles valores que tornarão o homem angolano cada vez mais pessoa e não os vírus que o despersonaliza, assim como esses que nos circundam, como diz Domingos Cruz, «não basta que os cidadãos de um país tenham acesso a educação, é necessário que esta educação seja de qualidade (…)» (DA CRUZ, 2008, p. 145).

Infelizmente diante de todo esse movimento as consequências de uma educação degenerada são para todos, mas a camada mais inferiorizada, a marginalizada, como Papa Francisco preferi chamar os que foram jogados no esquecimentos ou os da periferias são elas que se enfrentam com tais situações, onde são obrigados a ceder aos caprichos dos funcionários públicos, que para atenderem alguém têm que receber uns valores de quando em vez, por cá é vulgarmente conhecido por saldo, é o que acontece infelizmente! Alguns cheios de si.

Este processo de degeneração institucional está gradualmente se alastrando, porque aos poucos já se nota nos estabelecimentos privados, claro que não se poderia esperar uma outra coisa senão essa, porque é o homem angolano que está degradado, por isso ser urgente que se faça um tratamento, enquanto as coisas não estam tão grave como muitos gostam de pensar. Os problemas que o homem angolano enfrenta são nocivos ao desenvolvimento saudável e qualitativo, que nos catapultara a uma harmonia.

Um outro problema que gostaria de mencionar aqui é a despersonalização das Academias, que de per si, ou a sua vocação é a promoção da pesquisa, eram centros de pesquisas, transformara-se em laboratórios de certificados não certificados pelos nossos actos, acabou por se quebrar o Telos da Academia; por hoje, pensa-se que o nível académico é o nível do salário, é preciso voltarmo-nos as origens para compreendermos o seu verdadeiro sentido, pois a Academia, surge para responder as necessidades e prestar serviço ao espaço ou a um determinado contexto como no dizer de Dom Azevedo «toda academia nasce sob signo de um serviço a ser prestado, atendendo a demandas e exigências da cultura, da sociedade e da formação integral (…) Esse serviço terá sempre o compromisso da promoção da dignidade transcendente da pessoa» (AZEVEDO, 2012, p. 11).

Assim sendo, com este argumento, queremos demonstrar claramente que deixemos de transformar as academias em centros de obtenção de certificados para o enriquecimento, prefiro chamar mesmo assim ao modelo de academia que está a nascer neste contexto, aqui chamamos atenção aqueles que lhes cabe a responsabilidade de conduzir os destinos da Nação, é por terem negado a educação aos seus governantes, pois como consequência é o que vivemos, a condenação ao analfabetismo, atenção quando digo analfabetismo não é simplesmente aos que não sabem ler que me refiro, senão mesmo todos aqueles que mesmo estiverem a frequentarei o ensino Superior mas que pensam numa miniatura de sociedade, que teem voltado os interesses dos seus estudos só ao ventre, ou seja, o processo de ventre- educação, é o modo, que o povo encontrou para poder fazer face ao quadro desenhado por estes, é a redução à matéria, onde os cidadãos não têm tempo para reflectir, simplesmente o único tempo que lhe resta é para sobrevivência, esqueceu o que é reflectir, caindo num activismo puro, que chega a representar o nível mais baixo de qualquer civilização e diante desta situação de extrema materialização, de coisificação, o conceito de cidadão desaparece, para dar origem naquilo que no dizer de Hannah Arend, um “átomo”.

Ainda nessa senda, é urgente a despolitização das academias angolanas, que estam a mercê do partido, ou se preferimos chamar refém do partido e consequentemente dar-lhe o seu devido respeito, preocupando-se em dar respostas aos problemas existências, ou dar e respondendo as perguntas vitais que lhe serão colocadas, ainda entendo que as nossas academias são monologas, nunca dialogaram e nem dialogam com a sociedade. Todos esses aspectos mencionados aqui e os não mencionados têm um único pano de fundo que é a crise do homem e da mulher angolana, que confluem à crise antropológica. Tal como o filósofo Imbamba convidou os académicos que interviessem na resolução dessa desastrosa epidemia cultural que aflige o homem angolano, é o mesmo apelo que faço a todos os intelectuais, pois é esse o Kairos para intervierem, redefinindo assim o conceito de homem do qual está assente a concepção de homem angolano. É preciso dar ao homem o que lhe é devido, porque a cultura que respiramos é cheio de falsos valores, ilusórios, é uma cultura que está construída de anti-valores, o nepotismo, excesso de zelo, etc.

Todos estes falsos valores, precisam ser revistos, para chegarmos perscrutando assim aos valores perenes. É urgente e essencialmente preciso uma reelaboração ou redefinição do conceito de pessoa do qual o homem e a mulher angolana estão mergulhados, voltando a aquilo que lhe é essencial «por conseguinte, uma vez adquirida a verdade sobre o homem, estamos em condições de projectar a cultura que lhe cabe. A cultura que deve ajudá-lo a elevar-se, cada vez mais, a níveis condizentes à sua autêntica e inequívoca dignidade» (IMBAMBA, 2010, p. 219). Não que sejamos angopessimistas, mas que, somos realistas em dizer que o ambiente onde vivemos não favorece esse tipo de agir, o que é vicio por cá é estimável, por assim em diante, outrossim, não obstante a crise do homem angolano, temos que restabelecer as finalidades, fundamentando-as no ideal ético, tanto é assim que esse ideal nos propulsionará com o surgimento de pessoas sãs, capazes em dizer um sim e um não sincero:

A ética não cria indivíduos massificados, que simplesmente respondam às normas sociais, aos costumes da maioria, às pressões por ser dessa ou de outra maneira. A ética exige simultaneamente a liberdade de pensamento de cada cidadão e uma sociedade regida de pensamento de cada cidadão e uma sociedade regida pelos mais altos da justiça, tolerância à diversidade e a verdade (CHALITA, 2009, p. 93).

Assim sendo, o foco dessa desastrosa crise é antropológica, que se desemboca na esfera ético, político, económico, jurídico etc, tanto é assim que entendemos, que se deve recuperar a ruptura que ocorreu entre a politica e a ética, porque é inconcebível um homem vivendo numa polis que não entra em relação com os outros, ate porque é por esta razão que se chama polis, onde o homem se relaciona com os outros e as suas actividades; isto só é possível por uma ética. Todo homem é chamo a ser ético e fazer da politica sua morada, ou seja, em outras palavras podemos dizer que a ética é a pele do homem e a politica é a estrutura de tudo seu ser, isso porque viver é ser ético e constantemente ser politico, renunciar de fazer politica é jogar-se ao vazio, todavia, todo homem traz consigo o fio umbilical da politica, fazê-lo secar é sucumbir-se:

Bastar-se a si mesma é uma meta a que tende toda produção da natureza e é também o mais perfeito Estado. É, portanto, evidente que toda Cidade está na natureza e que o homem é naturalmente feito para a sociedade politica. Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem nenhuma pátria seria um individuo detestável, muito acima ou muito abaixo do homem[…]Aquele que fosse assim por natureza só respeitaria a guerra, não sendo detido por nenhum freio e, como[…]ave de rapina, estaria sempre pronto para cair sobre os outros(ARISTOTELES, 1991, p. 4) apud (DOS SANTOS, 2011, p. 11-12).

 Na lógica de uma sociedade controlada, ou seja, mesmo domesticada por princípios de uma ética relativista, é frequente ouvir falar de cada um por si e deus pra todos, mas pessoalmente, desde o pensamento ocidental, que é o anunciador dessa cultura, ou desse modo de ser e falar, que tenha começado com Nietzsche, que anunciou a morte de Deus ate aos nossos dias, é normal dizer que cada um por si deus pra ninguém, porque dizer cada um por si e deus pra todos é reconhecer a sua existência; mas com o processo da globalização existem sociedades que se tornaram simplesmente consumidoras desse processo; a estas sociedades chamo-as de sociedades famintas, complexadas pela inferioridade, são as tais sociedades da periferia, onde os vírus da cultura ocidental matam mais que as sociedades de origem.

As sociedades africanas de modo geral e especificamente os grupos etnolinguísticos de Angola, são guiados pelo princípio da solidariedade, que poderá servir de antídoto eficaz para travar os vírus[3] do individualismo, com a sua filha o egoísmo, outro princípio ou concepção que achamos pertinente valorizarmos é o conceito de família que pensamos ser o ponto de partida de qualquer tentativa de mudança de qualquer sociedade.

 

 

A concepção antropológica bantu face ao individualismo

 

As sociedades africanas, fundamentam todo o seu agir em volta da família, seja ela limitada ao modelo ocidental e a largada ao modelo próprio das sociedades africanas. No entanto, nós poderemos nos servir desse princípio familiar, que se estende ate ao que não faz parte do seu nosso seio, assim sendo, nas sociedades bantu não existe estrangeiro, que é uma concepção antropológica de uma sociedade degenerada, a antropologia bantu é conduzida pelos princípios de relação, participação, solidariedade, uma união, ou seja, essa forma resume-se no conceito do Ubuntu, «nós somos porque tu és». Que segundo Desmond Tutu[4] «’Ubuntu é a essência de ser uma pessoa, significa que somos pessoas através de outras pessoas’, ‘que não podemos ser plenamente humanos sozinhos’, ‘que somos feitos para a interdependência’» DESMOND TUTU (2004) apud DO NASCIMENTO (2014, p. 2).

 

Entendemos que viver o Ubuntu:

É estar aberto e disponível aos outros» e «ter consciência de que faz parte de algo maior e que é tão diminuída quanto seus semelhantes que são diminuídos ou humilhados, torturados ou oprimidos» (ibidem). Assim «a pessoa ou instituição que pratica Ubuntu reconhece que existe por que outras pessoas existem. Reconhece, portanto, que existem formas singulares de expressão de humanidade, e que as singularidades, como tais, têm igual valor (DO NASCIMENTO, 2014, p. 2).

 

O Ubuntu, encara a existência encerrada à existência do outro, é um eu que lança os seus braços pronto para acolher o outro, ou melhor o seu co-irmão, é co-irmão porque a sua existência está associada a existência dele:

 

A ética Ubuntu oferece uma perspectiva interessante e, do nosso ponto de vista, adequada para uma definição desse constituir-se coletivamente. Neste sentido, me parece importante, pelo ativismo político que se propõe a organizar a luta por e o trabalho na democracia, desde os pontos de vista dos que vivem apenas das suas atividades e nelas querem ser reconhecidos, a aposta e o investimento num devir Ubuntu dos espaços (a serem) tornados comuns (DO NASCIMENTO, 2014, p. 3-4).

A lógica de relação das sociedades bantu estam muito ligada ao conceito de homem em Aristóteles, como um ser social, que sem os outros é semelhante a um deus ou ao lobo, a concepção bantu de homem, é o mesmo, o homem é mais homem quanto estiver unido aos outros, ou seja, a sua comunidade, porque existir como homem é estar ligado a uma historia, uma geografia, uma cultura, etc, nunca como um auto-suficiente, como pensam aqueles que estam embraiados no vicio do individualismo e do egoísmo degenerado. A relação do bantu, se estende com os mortos, ate aos vivos e aqueles que poderão vir à nascer, não existe um indivíduo jogado, como um átomo, que flutua sem destino:

os bantu vêem no homem, a força viva; a força ou ser que possui a vida verdadeira, cheia e elevada. O homem é uma força suprema, a mais poderosa entre os outros seres criados. Domina os animais, as plantas e os minerais. Esses seres inferiores existem, apenas por predestinação divina, para a assistência do ser criado superior, o homem (TEMPELS, 2013, p. 82).

Com Tempels[5] acabamos de constatar que nas sociedades bantu, a pessoa ocupa o lugar ou é o ápice de toda criatura. Nunca é sacrificado o homem, em nome de algum interesse pessoal, que é a manifestação mais visível do egoísmo. O homem, na concepção antropológica bantu é o de mais sagrado e responsável pelas outras criaturas, mas isso, conseguimos constatar através do princípio vital, onde todos estamos interligados e ligados por uma força, que chamamos de força vital. Somos em crer que para os bantu, o homem não é o causador de tudo, sim Deus, o homem pode julgar, mas que o seu julgamento tem margens de erros, só a Deus cabe o juízo certeiro:

Contra a decisão e o acto do poder humano supremo, ele é sempre um face à potencia transcendente, de quem o homem recebeu o seu poder de justiceiro sob a condição de justificar. Assim que o primogénito, o patriarca e o soba tomam uma decisão, os Bantu dizem, como o dizem os Baluba: “I aye mwine”. “Ele próprio o quer, Ele sabe porque quer. É o problema dele e o seu direito”. No entanto, se estiverem perfeitamente convencidos do seu direito, se estiverem seguros da injustiça da sentença humana, eles deixar-se-iam sem dúvida levar, mas reclamando o recurso perante o Criador, mestre de todos os humanos. Deixam-se levar, ele gritará: “Faça o que quiser; tem o poder de me matar; mas eu sou “muntu” de Deus”. “Ne muntu wa Vidye (Kiluba). É ele que nos julgará aos dois; não vos é permitido, homem poderoso, julgar arbitrariamente um homem que não é tão vosso homem como o é Deus; porque, não é você quem tem o direito, você é apenas delegado e mandatário (TEMPELS, 2013, p. 95).

Ainda, nessa ordem de ideias queremos acrescentar dizendo que encontramos essa concepção da vida comunitária em todos os grupos étnicos-linguisticos bantu, manifesto muitas das vezes nas suas línguas, através de provérbios, contos, fábulas, etc, encontramos assim por exemplo no grupo étnico-linguistico de Angola os Ovimbundu[6]a expressão da dimensão comunitária ou a sua sociabilidade, nunca demonstrando assim o aspecto individual de uma pessoa, assim sendo:

A vida comunitária ou a sociabilidade é um imperativo para o homem da cultura tradicional umbundu. Pois viver é relacionar-se de modo afectivo e efectivo com os outros, onde cada homem é um ser com os outros e para os outros […], o indivíduo não se dilui na massa, mas, sim, conserva a sua personalidade, sua integridade; tem algo a dar e muito a receber da comunidade (Pe. TCHIKALE, 2011, p. 168).

A concepção antropológica bantu, seria um modelo que serviria como antídoto para fazer frente à uma concepção antropológica degenerada. O bantu encontra a sua máxima realização no contacto com o outro, o seu próximo, que muitas das vezes é um próximo, seu familiar, seu vizinho, que pertence a mesma tribo, o mesmo clã, isso soa-nos um pouco de exclusão daqueles que não são da mesma tribo. Somos em crer que o sentimento de proximidade num primeiro instante é direccionado simplesmente para os próximos, mas que depois se estende a toda qualquer pessoa.

O facto de estarmos aqui a dizer que o bantu é fundamentalmente um homem de proximidade com o outro, que nunca vira as costas ao outro, não significa que ele não possa existir na sua singularidade, e diversidade, sim pode, mas essa singularidade é para o fortalecimento da comunidade e do próximo, tudo isso notamos na estrutura da relação vital ou da força vital chamado por muitos; nunca encontramos nos povos bantu a concepção de posse pessoal, ou seja, o sujeito nunca basta-se assim mesmo, ele pois, é fruto de uma herança que o acompanha.

            O muntu, preferimos agora trata-lo no singular para exprimirmos a sua verdadeira singularidade, está aberto a alteridade, em sinal de respeito de uma existência subjectiva, é um homem que está de braços abertos, semelhante a parábola do filho pródigo, onde o pai, embora do mau comportamento do seu filho sempre esperou-o, logo que o viu a vir não esperou tomou a iniciativa para recebe-lo, assim acontece para com o muntu.

No entanto, a concepção bantu de homem, poderia ser um elemento determinante para fazer face a essa nova realidade, que degenera o homem angolano, deixando-lhe sem nenhuma segurança para enfrentar a humanidade, como não bastasse esse desafio não dever ser simplesmente esforço dos angolanos em particular, seria no nosso entender um apelo a humanidade; uma abertura aos outros modelos de pensamento para retirarmos dela os conceitos fundamentais que possam tornar um mundo mais humano.

Outrossim, o nosso apelo se traduz na perspectiva de uma sociedade inclusiva, ou mesmo pluralista, onde todos, apesar das divergências e regiões existenciais são capazes de olhar para o rosto humano, sem temer. Este cumprimento ético, encontra em clara incidência na língua Kimbundu[7] quanto a concepção da solidariedade «Kudibunda Kumuxi, ou ainda Kudiahula Kua atu um ngongo» (MAIA, 1964, p. 129). Que traduzindo ao português significa gastar com os outros, ou seja, uma tradução mais extensa significa pensar sempre no outro, viver com o outro, e quando se trata do outro não é só do próximo, mas senão mesmo de toda qualquer pessoa que precisa da sua assistência, por isso pensa em dizer que o bantu é acima de tudo um assistente.

Aquele que está sempre em plena disposição para assistir qualquer um que seja. Esse modo de pensar; aqui queremos chamar atenção que esse modo de ser não é simplesmente modo de pensar senão um modo de ser e fazer, torna-se visível e demonstrável na chave de ouro do ubuntuismo: Eu sou porque tu és, ou seja, na medida que eu existo, a minha existência é acompanhada pela existência do outro; onde o meu olhar e a minha fisiognomonia está indicada; o ubuntuismo é uma espécie de humanismo integral, pois valoriza a existência humana em direcção ou vocacionada à Deus.

 Assim sendo, a filosofia Bantu, é uma filosofia voltada pela existência objectiva e subjectividade humana, onde o olhar da reflexão está voltada pelo aspecto exterior, o sujeito que conhece não o faz com o objectivo de o instrumentaliza, tal como em outros lados se procede, mas o modo de ser, estar tem como o telos o rosto do outro, onde os nossos olhares se voltam, isso podemos verificar num esforço fenomenológico da existência humana. O rosto do ser humano não está voltado para o interior do sujeito que aprecia a existência, senão é um olhar que se estende para o outro lado.

NOTA

 

[1]Licenciado em Filosofia, pela Universidade Católica de Angola (UCAN) - Instituto Superior Dom Bosco (ISDB) no ano de 2017. Com a seguinte tese: Filosofia Africana como um Projecto para o Futuro na Perspectiva de Severino Ngoenha. [email protected]

 

2 Quando me refiro ao contexto-global, quero com isso dizer que é um fenómeno ou problema que tem a sua génesis num ponto particular que se desemboca e tem efeitos ao geral.

3 Por vírus aqui nos referimos ao relativismo, ao egoísmo, como sintomas de uma cultura que se encontra no estado de putrefacção.

4A maior tribo do Centro de Angola, de acordo ao Pe. Basílio Tchikale (Sabedoria Popular dos Ovimbundu, 630 Provérbios em Umbundu, Luanda: Kilombelombe, 2011, p. 16). A comunidade histórica Umbundu, pertence ao conjunto das comunidades étnicas que efectuaram movimentos migratórios desde o sul do Sahara, os Bantu, constitui a raça parte da população de Angola. Etimologicamente, U-mbundu significa: «este é nevoeiro», «tenebroso, negro, poeira…»; Mundu, na antroponímia Umbundu, é um nome feminino. É curioso o facto do termo cimbundu, que originariamente significa «homem da comunidade étnica Umbundu», servir também para designar «o homem negro» em geral como oposto ao cindele, «homem branco».

5Placide Tempels (1906 – 1977) padre e missionário belga. Escreveu o livro A Filosofia Bantu (1945), neste livro procurou caracterizar os traços essenciais do pensamento dos povos de língua bantu da África Central e do Sul. Tempels afirmou que o pensamento Bantu tinha como princípio fundamental a noção de força vital.

6Língua falada pelo grupo etnolinguístico bantu de Angola, Ambundu, que ocupa o norte do país, de modo especifico nas províncias do Bengo, Malanje, Kwanza Norte, uma parte da região do Kwanza Sul e Luanda.

4Prémio Nobel da Paz, bispo anglicano sul-africano.

 

BIBLIOGRAFIA

                                                                                     

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