Um conta moedas enquanto outro segura a sacola de tomates verdes. Alguns reclamam do preço alto, enquanto outros conversam sobre a chuva que está por vir – o calor está infernal, ainda lembra alguém. Aquele vende ovos, este comprou algodão doce para o menino chorão e ganhou uma bexiga que estourou ao se chocar com uma banca de abacaxi, e o menino chora ainda mais, agora por uma perda airada. Aquela mulher, barriga de sete meses empurra um carrinho dormitório de um bebê com um ano incompleto, enquanto espera se completarem outros nove meses. Um toma café, outro como pastel, dois chupam picolé. Tem dois, sentados no meio fio negociando um sítio com plantação de café produzindo no terceiro ano de planta – uma beleza!, ainda diz, ao interessado. Alface e rabanete se misturam com cebola, chuchu, calcinhas, meias, fitas k7 mais alguns CDs e badulaques importados. As beatas, livros de reza e terço na mão, dirigem-se à Igreja. O zunzum de músicas e oferta de carne, lingüiça, couve, laranja, vassoura de cipó se misturam com a loira falsificada de lábios carnudos pintados de prata, prontos para o beijo e peito de silicone, enfeiando o que era belo. A bengala, na mão trôpega do velhinho, choca-se com o rabo do cachorro que está de perna levantada regando a árvore plantada no centro do canteiro pelos impostos impingidos à população descontente. Aquele, embriagado com o pó cheirado na madrugada, quer comprar a rapadura pela metade do preço. A morena deixa, escandalosamente, escapar um beijo de dentro do seu sorriso, mas ela passa e só me lança um olhar como se um convite fosse: não fui, fiquei. Aquele, mais atrevido, braço pousado sobre o ombro da ruiva, deixa a mão repousar sobre o saltitante seio farto, flácido... e ambos, languidamente, caminham como se nada procurassem. Inesperadamente o menino, distraído com o brinquedo de outra banca, tropeça e deixa a meleca da dúzia de ovos escorrer sobre a rede artesanal do nordestino, estendida sobre o asfalto. Um corre-corre na ponta da rua: um garoto arrasta atrás de si um português que o chama de ladrão: confusão!!! Daquele lado tem uma rodinha comentando que o açougue vendeu carne de cavalo: já fazia tempo que eu desconfiava, fala a mulher, cara de nojo e indignação. O fiscal pede a credencial dum velhinho aposentado que vende apito artesanal, para complementar o orçamento da aposentadoria inglória, cara deslavada do sistema que explora e não dá medalha pelo mérito de anos de produção: dá humilhação! Balbúrdia de povo no compra e vende, frenético, falas desencontradas em um domingo de feira.

 

Neri de Paula Carneiro

Filósofo, Teólogo, Historiador

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