Um Diálogo com Carlos Rodrigues Brandão

Esse texto foi baseado na entrevista com Carlos Rodrigues Brandão, realizadas por Valéria Oliveira de Vasconcelos e Renata Evangelista Oliveira, sobre a relação entre a Educação Popular com os saberes tradicionais e populares, com o campo e o rural, e sobre os múltiplos desafios dos dias atuais. Apresentaremos um resumo com alguns recortes referente ao diálogo, entre os envolvidos, levando consideração a atual conjuntura política, econômica e social em que se encontra nosso país.
Ao responder o que significa ser um/a educador/a insubmisso/a, Brandão responde que a construção do saber se constrói solitária e individualmente, mas há, simultaneamente, aquele saber construído coletivamente, partilhado por aqueles e aquelas que, juntos/as, aprendem. Essa educação talvez possa ser chamada de insubmissa, já que não se subordina a um pacote pronto e resolvido, mas sim construindo.
Seguindo com as perguntas, ao responder, sobre sua dinâmica nesse contexto imposto pela Pandemia de Covid 19, Brandão diz, estava vivendo com muito pesar, tristeza e preocupação essa pandemia. Mas por outro lado, está sendo interessante, tem aproveitado de forma virtualmente para socializar com os amigos e também gosta de escrever artigo.
Ao ser questionado que o fato de ler e escrever, fazer o que quer, já é insubmissão e se ele considera um educador insubmisso, o mesmo, respondeu que se considera insubmisso em tudo, desde da sua infância onde foi expulso do colégio, considerado péssimo aluno na época. Relata que o amigo e professor Régis de Moraes escreveu um livro chamado Sala de aula, que espaço é esse? ele me pediu um artigo, perguntei se pudesse contar a minha vida de vagabundo, o mesmo, aceitou e então, escrevi um artigo chamado “A turma de trás”. Ao escrever esse artigo fui entrevistado pelo Estadão que publicou uma matéria, e depois fizeram um quadro no Fantástico em que eles saíram procurando e encontraram pessoas que se destacaram nas artes e na ciência e que foram vagabundos também. E me contaram que foi uma enorme dificuldade porque eles sabiam de vários, mas quase ninguém teve a minha honestidade.
Quando cursava psicologia, se especializou em dinâmica de grupos. Leu bastante livros, inclusive os mimeógrafos da pedagogia do oprimido. Destacamos aqui que já apontava Paulo Freire, em seu “Pedagogia da Autonomia”, que “o educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a   capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão” (FREIRE, 1996, p. 13,  grifos nossos). Ou seja, a insubmissão é certamente, signo de resistência. 
Valéria faz a seguinte complementação: Tem uma frase, acho que do Rubem Alves, que diz: “Às vezes a recusa do aprender é a melhor forma de expressar inteligência...”.  E Brandão responde que assina em baixo, e se recorda de suas memorias do “Eu, professor”, cita o segundo capítulo, brincar de aprender, faz a antropologia de todas as brincadeiras, desde da infância até a juventude que nos ensinavam muito mais que os preceitos nas escolas, inclusive os caretíssimos preceitos nas escolas religiosas. Porque foi de duas escolas católicas, três escolas leigas e uma militar. 
A educação popular tem de práxis insubmissa? Entende que o mesmo se caracteriza pelas lutas para superar as mais diversas formas de injustiça, fortalecendo a criticidade de homens e mulheres que tomam a realidade opressora como substrato para sua insurgência. A Educação Popular é contra hegemônica, é dialógica, é democrática, é insubmissa. 
Ao ser abordado a questão dos saberes tradicionais, o campo e o rural, a educação popular, Brandão tem uma trajetória profundamente atrelada aos modos de viver, à cultura de populações rurais, pesquisa sobre distintas manifestações religiosas populares, sobre populações tradicionais, quilombolas, sertanejas, ribeirinhas, caiçaras, indígenas, entre outras. Nesses percursos de Educação Popular, Pesquisa Participante e Educação Ambiental, forjados na vida, foi tecendo uma estreita relação com o campo e com os espaços neo rurais.
Ao responder sobre o que a sua trajetória e esse seu desejo de estar sempre em contato com a natureza ajudou a formar esse seu perfil neo rural?  O mesmo respondeu que acredita que sim, inclusive escreveu sobre isso. Relata que primeiro nasceu em Copacabana, depois foi morar na Gávea em uma rua que era encravada na pedra da gávea, então morava no Rio de Janeiro e na floresta, e a rua ficava inteiramente dentro da mata, onde conviveu desde menino. 
Renata, fez a seguinte complementação, você acha que aí que entrou o rural na sua vida? E o mesmo respondeu que não, o rural entrou depois. Primeiro na minha vida por volta dos quatorze anos, o que entrou foi o campo, separo o campo do rural, o campo era onde estava como escoteiro e depois excursionista ia, no geral, todo o final de semana.
Importante enfatizar que o olhar para o campo e para o rural, mesmo na experiência desse antropólogo com visão diferenciada, não se deu “naturalmente”. Faz-se necessária uma educação dos sentidos, que ocorre no cotidiano, na história, na vida.   
Renata, fez a seguinte complementação, Você está falando e eu estou aqui viajando nessa sua trajetória o quanto a Educação Popular, o campesinato e a agroecologia estão aí presentes o tempo todo. E o mesmo responde, que nos tempos de militância, de ação católica, e de movimentos estudantis, os estudantes universitários se preocupavam com a questão estudantil e a questão agrária que era a nossa luta ligada aos camponeses. O que importa agora é a revolução socialista e, resolvido o dilema do capitalismo, no socialismo, não haveriam esses problemas. Complementa que já estava na UNICAMP quando na primeira vez quando leu livros sobre questão ambiental, a questão feminista, a questão indígena e a questão do negro. E é interessante porque quando você pega Paulo Freire tem muito pouco disso nele, tem só de passagem, de raspão, porque ele já está velhinho nisso aí. 
Valéria pergunta se ele lembra de algum marco?  E o mesmo respondeu que sim, a conferência de educação de adultos com Paulo Freire, realizada em Buenos Aires e que pela primeira vez gente do Caribe vai falar da questão do negro, vai associar campesinato com a questão ambiental. Se você pegar a bibliografia dos primeiros livros que escrevi você verá: “Pensar a prática”, “Lutar com a palavra”, e depois livros centrados em Educação Popular mais abertos, e depois educação para paz, Educação Ambiental. [...] Pouca gente sabe, mas o MST é um dos movimentos mais agroecológicos do Brasil. Hoje, a partir do momento que o pessoal do MST começou a conquistar e consolidar territórios nas ocupações e começou a produzir, descobriu que ou produzia agro ecologicamente ou não tinha futuro. [...] o MST hoje em dia virou um exemplo de produção ecológica, fora as lutas hoje em dia na Amazônia. 
Renata complementa com a pergunta, Brandão, quando você estava contando essa transição da Educação Popular, quando ela começa a dialogar com essas outras pautas você falou a palavra “dilemas”, que começaram a aparecer novos “dilemas”. E o mesmo responde que a questão feminista, a questão ambiental, educação em direitos humanos, a questão do negro, a questão das minorias, tudo isso que a gente colocava em baixo do saco da “revolução socialista” que só tinha operariado e campesinato e que, de repente, aparecem como dilemas e como dilemas dignos de serem anotados, inclusive autores marxistas começam a atentar com essas questões e aí é incorporado. Hoje em dia a gente fala de Educação Ambiental Popular.
Valéria complementa, Brandão, nos ajude a pensar nessa questão da virtualidade, porque você que tem mais de 60 lives nesses últimos tempos de pandemia. E o mesmo responde que essas coisas eletrônicas, vê com muita naturalidade e estranhamento, tem a impressão que nas suas tropelias, a experiência e a sabedoria da humanidade são muito maiores do que a gente imagina. 
Valéria complementa o dialogo com a seguinte pergunta, se Brandão, vê, então, possibilidades de insubmissão mesmo dentro de um ambiente tão moderno e capitalista?  E o mesmo responde, dando exemplo, essas “lives, para mim é a coisa mais contraditória, porque do ponto de vista pessoal eu acho horrível. É uma coisa muito curiosa, agora nesse momento eu estou falando para vocês sem me ver, então eu não sei como estou, mas sei como vocês estão.  
Seguindo com as perguntas Valéria pergunta, quais alternativas você vislumbra?  E o mesmo responde que a “live” cria alternativas: agora estamos conversando a três, ontem tinha cento e poucas pessoas, outro dia tinham quatrocentas e poucas, e além disso elas são gravadas, então qualquer um pode acessar. Então tem esse dado de multiplicação, porque durante anos isso fica aberto, então tem grandes vantagens e desvantagens. Complementa que a sabedoria do mundo vai ser lidar com o equilíbrio. [...] Desde a nossa vida sexual e erótica até no mundo científico, hoje em dia é incrível que você produz um artigo e, de repente, no dia seguinte ele pode estar diante de quatro mil pessoas, dependendo dessas redes. Então são coisas que vem para o bem e para o mal, assim como tudo na vida.  
Valéria pergunta, que é necessário ter em mente quando se fala em educação a distância?  E o mesmo responde que as pessoas quando falam em “ensino a distância”, do Japão ao Brasil estão tocando na mesma tecla, mercantilização, pragmatismo, o apressamento das relações, o produtivíssimo. Até sobre contabilidade, eu estava nessa live com o pessoal do Centro Paulo Freire contando uma historinha, uma das minhas aulas me ensinou a entrar no Google Escola, uma vez eu entrei e constatei que eu tinha treze mil e tantos acessos, de pessoas que acessaram coisas minha, fiquei em uma vaidade, aí me veio a curiosidade e cliquei em Paulo Freire, tinham quatrocentos e sessenta e poucos mil.   
Diante do questionamento de como o ensinar-e-aprender no espaço escolar pode dialogar com a ep e com os saberes tradicionais? Brandão responde: E é importante ressaltar que não é somente esse formato circular de aula que vai caracterizar a insubmissão: é a busca pela sombra de uma mangueira (como fazia Freire), a proximidade com a natureza, a dialogicidade e horizontalidade nas relações, o processo de aprender-e-ensinar em círculos de cultura, a construção de conhecimentos partilhados, na escola e fora dela. 
Entre algumas das principais qualidades desse pesquisador e poeta estão a generosidade, a insubmissão e sua profunda esperança num “outro mundo possível”. E isso também passa pela ética, pela estética e pelo riso, como ilustra esse último recorte: Brandão: ele termina dizendo “não esqueçam que o riso é uma arma de resistência”.
Vale ressaltar, que   a ousadia é uma das marcas de Carlos Brandão, que se expressa no fato de não acorrentar a educação em blocos de razão instrumental. Segundo suas palavras, a educação comporta “uma missão de partilha na criação de pessoas humanas críticas, criativas e participativas na construção de seus mundos” e que hoje “mais do que nunca, humanizar – criar, conviver e partilhar a construção solidária de um mundo justo e feliz – é educar”. Entre suas insubmissões afirma que “Formar pessoas livres através da educação é um momento essencial de todo o acontecimento da humanização”. E suas convicções foram construídas na certeza deque o ato de educar-se ocorre em todas as instâncias da vida cotidiana. 

REFERÊNCIAS  
Valéria Oliveira de Vasconcelos 
Renata Evangelista Oliveira
BRANDÃO, C.R. A comunidade tradicional. In: Udry, C.; Eidt, J. S. (Eds). Conhecimento Tradicional: Conceitos e Marco Legal. Brasília, EMBRAPA, p. 21-102, 2015. 
BRANDÃO, C. R. (s.d.) Sete lembranças e divagações a respeito da Educação Popular.  Disponível em: https://apartilhadavida.com.br/ Acesso em: 30 de maio de 2021. 
BRANDÃO, C. R.; BORGES, M. C. O lugar da vida: Comunidade e Comunidade Tradicional.  Campo-território: Revista de geografia agrária, Ed. Especial, p. 1-23, 2014. 
GEAN KARLA DIAS PIMENTEL
GRACIELE CASTRO SILVA
RENATA RODRIGUES DE ARRUDA