Um Cristianismo paulino Indiscutivelmente Paulo foi um grande apóstolo. Essa afirmação fica mais evidente quando observamos o volume de escritos paulinos, no conjunto dos escritos bíblicos. Vejamos como isso se manifesta. Sabemos que a bíblia (a versão católica) é um conjunto formado por diversos textos os quais formam uma biblioteca com mais de 70 livros. Todos tratando dos preceitos divinos, com a finalidade de orientar a caminhada do povo de Deus e direcionar a vida da Igreja. Essa biblioteca é formada por 43 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento. A bíbliabiblioteca pode ser representada na forma de uma estante, como a ilustração seguinte, que pode ser encontrada em vários sites e livros de introdução à sagrada escritura, como o livreto: “ABC da bíblia” publicado pela Paulus. Aqui, para nosso propósito, estamos usando a ilustração retirada de: http://www.santaluziagardenia.org.br/artigos/mes-da-biblia-introducao-as-sagradas-escrituras (acesso em 10/02/2019) Por sua vez, o Novo Testamento é resultado das atividades e ensinamentos de Jesus de Nazaré narradas, comentadas e interpretadas pelos apóstolos e outros discípulos. Sua vida pode ser dividida em dois períodos: um período oculto, sobre o qual quase nada sabemos; um período público de intensa movimentação e convívio com o povo e os discípulos. Esse período termina com o grande evento da Páscoa e os momentos iniciais da organização da Igreja. Nesse período, cerca de 20 anos depois da Paixão, começam a se formar os conjuntos de escritos originantes do Novo Testamento. Se observarmos a ilustração anterior notaremos que a parte da estante do Novo Testamento é formada por 27 livros, dos quais 13 cartas formam o Corpus Paulinum ou os Escritos Paulinos. Os demais escritos totalizam 14 livros que são: os Evangelhos, Atos dos Apóstolos, Cartas Católicas e Apocalipse. E se analisarmos melhor essa parte da estante notamos que praticamente a metade do Novo Testamento está relacionado a Paulo: são as Cartas Paulinas. Os especialistas afirmam que das 13 cartas, associadas a Paulo, apenas sete teriam nascido sob os cuidados diretos do apóstolo. As outras seis nasceram do que podemos chamar de circulo paulino, ou seja, foram redigidas a partir dos ensinamentos de Paulo, mas por algum discípulo do apóstolo, como era comum naquela época. Um ou vérios discípulos de Paulo, conhecendo os ensinamentos do apóstolo, reproduziram seu estilo e teologia nos demais escritos paulinos. As cartas consideradas como autenticamente Paulinas são: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Galatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon. As cartas produzidas pelo circulo paulino são: 2 Tessalonicenses, Colossenses, Efésios, 1 e 2 Timóteo, Tito. Mantêm a teologia paulina: a mesma cristologia (profunda paixão por Jesus Ressuscitado), a mesma eclesiologia (salvação oferecida aos gentios), mas apresentam novas nuances de questões que foram surgindo e sendo resolvidas no transcorrer dos anos. Além disso, tradicionalmente foi associada ao círculo Paulino, também a carta aos Hebreus. Este, muito mais um tratado teológico do que uma carta, mas que, de alguma forma também é um escrito que pode ter sido produzido no universo dos comunidades paulinas. Ainda sob influência paulina podemos acrescentar os dois escritos lucanos: o evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. Sendo Lucas o autor destes dois escritos e sabendo que Paulo o menciona como companheiro de viagem, então é natural admitirmos que a teologia de Lucas é tributária dos ensinamentos de Paulo. Podemos dizer, portanto, que mais da metade dos escritos do Novo Testamento, nasceram sob influência de Paulo: as 13 cartas paulinas (diretamente ligadas a Paulo ou do circulo paulino), a carta aos hebreus,o evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos. Um total, portanto, de 16 escritos. Isso posto, podemos admitir a seguinte conclusão: o cristianismo, na realidade, somente se estruturou, disseminou-se e sobreviveu aos 2000 anos de história tendo como uma de suas principais bases os escritos paulino. Embora tardiamente Paulo viu em Jesus o Messias esperado e, ao se convencer disso tirou as “escamas dos olhos” e passou a pregar o Cristo Ressuscitado com tanta paixão que era impossível aos seus ouvintes não aderirem à sua mensagem. Graças a isso o cristianismo ultrapassou as fronteiras do judaísmo e se universalizou. Esta proposta universalizadora não nasceu dos demais discípulos e apóstolos, mas da iniciativa paulina. Comprovando essa afirmação temos o chamado “concílio de Jerusalém” (At 15), do qual participaram os apóstolos e Paulo. Nessa assembleia “Ouviram Barnabé e Paulo contar todos os sinais e prodígios que Deus havia realizado, por meio deles, entre os pagãos.” (At 15,12). Em consonância com isso uma das conclusões foi a decisão de que Paulo deveria continuar dedicando-se à pregação entre os gentios. A decisão mencionada em At 15, é comentada por Paulo na carta aos Gálatas (Gl 2,7-9). O apóstolo compara sua missão à de Pedro. Enquanto Pedro continuaria atendendo aos Judeus, Paulo deveria dirigir-se aos pagãos. Diz o apóstolo que os de Jerusalém: “viram que a evangelização dos pagãos fora confiada a mim, como a Pedro tinha sido confiada a dos judeus. De fato, o mesmo que tinha preparado Pedro para o apostolado entre os judeus, preparou também a mim para o apostolado entre os pagãos. Reconhecendo a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, considerados as colunas da Igreja, deram-nos a mão, a mim e a Barnabé, como sinal de nossa comunhão recíproca. Assim ficou confirmado que nós iríamos aos pagãos, e eles, aos judeus.” Isso tudo confirma que o cristianismo, nasceu das pregações de Jesus, sim. Mas só alcançou os “confins do mundo” a partir da ação paulina, avançado para além do judaísmo, instalando-se no mundo pagão. Prof. Ms. Neri P. Carneiro Rolim de Moura - RO