UM CEGO SORRIDENTE                           

Belo Horizonte, 15-01-1977

 

Um homem atravessava a rua,

Embora esta estivesse triste

Ele sorria. Sorria? Sim. Ele sorria. Coitado!

O que vira ele de tão engraçado,

Para andar sorrindo?

Se ainda fosse uma criança

Que não tem o que fazer, senão sorrir,

Quando também não chora...

Seria um general ou um débil mental?

Seria sua boca, assim mesmo?

Ele não achava lógico o homem ficar zangado.

Será que ele não vê que uma mulher grávida

Acaba de ser atropelada,

Por falta de sinalização?

Será que ele é cego? E cego dá risada?

Será que ele não vê a mulher estraçalhada,

Pelos pneus de um carro de passeio?

Será que ele não vê um homem mendigando,

Sem que os transeuntes o percebam?

Será que ele não vê

Um andaime estalar,

E um operário cair

Do décimo quarto andar,

E se rebentar no chão

Como se fosse um saco

Transbordante de angústia?

Será que ele não vê

Nas manchetes dos jornais,

O Nordeste sendo arrasado

Pela falta de açudes?

Será que ele é cego?

Será que ele não vê?