UM ACIDENTE, UMA VIDA,UM VEÍCULO, DOIS OLHARES DIFERENTES, TRÊS BOAS LIÇÕES

Por Evanio Araujo | 19/01/2009 | Crônicas

Numa noite quente de dezembro de 2008, eu estava com a minha família "pegando uma fresca", fora de casa, enquanto sentados falavamos sobre as experiências da vida. Quando de repente ouvimos um barulho, como que fosse de um carro atropelando alguém. Curioso, corri abri o portão menor, e vi ali na esquina, um menino aparentando ter 14 anos, caido ao chão e do seu lado estava uma bicicleta. Logo em seguida vi um sujeito jovem, alto, forte e percebi que era morador das proximidades da minha casa. Ele desceu do veículo e num gesto de ira, começou a xingar o menino, dizendo ser ele o causador e culpado pelo ocorrido. Não teve a mínima compaixão daquela criança que estava estirada ao chão, não perguntou sequer se o mesmo havia fraturado a perna o braço ou arranhado algum membro do corpo. Passou a cobra-lo pelos danos causados ao veículo, xingava-o como se fosse um animal ou um ser inanimado que estivesse ali deitado e mostrava os estragos no veículo. Fiquei atônito, confesso, não sabia o que fazer, tive medo de ir até lá e ser agredido por aquele cidadão. O menino era negro, franzino, ficou ali imóvel sentou-se na calçada e começou a chorar. Vi quando o sujeito furiosamente pegou a bicicleta e atirou-a junto dele, funcionou o veículo e saiu em direção à sua casa que ficava a uns 60 metros do ocorrido.

Passado aquele vento de ira e agressão verbal, me aproximei do menino e procurei ver como ele estava, percebi que o mesmo não machucara muito, mas a bicicleta ficou totalmente estragada, pra ser mais preciso, em forma de arco. Logo após foram chegando mais pessoas, algumas eram testemunhas oculares e outras foram atraidas pelo barulho. Em primeiro momento acionamos a policia e ficamos aguardando a sua chegada.
Não demorou muito tempo, chegaram ali alguns jovens e começaram indagar sobre o ocorido e logo sairam. Minutos depois voltaram e junto estava o individuo que causou o acidente. Num gesto de grosseria, apoiado pelos colegas, mais uma vez ele se exaltou, xingou e culpou o menino sobre o ocorrido e só não o espancou porque estavamos por perto. Depois que ele desabafou toda a sua ira, comecei então a falar com eles. Parecia que ele e os demais do grupo estavam cegos, viam apenas os estragos causados no veiculo, não conseguiam ver a vida daquele menino. Quando os interrompi e comecei a lhes falar que ali havia um ser humano e este merecia respeito e que houve injustiça na forma como tratara a vítima, foi como se aquele sujeito levasse um soco. Percebi que houve um impacto, ele passou temer a justiça pois a policia estava prestes a chegar. Então começou a pedir acordo propondo pagar os prejuizos para que não fosse feito a ocorrência. Havia ali dois grupos, de um lado estava um grupo de populares presente pedindo que fosse feito justiça e que ele pagasse pelo agravo contra a vida do menino e do outro lado um grupo de jovens, que não presenciaram o fato, mas culpavam a vítima e defendiam os danos causados ao veiculo. Todos ali sabiam que ele era o errado, pois havia entrado na esquina em alta velocidade sem dar sinal de alerta e não esperou o ciclista passar. Ele ficou zangado, pertubado, fez ameaças e além de tudo evadiu-se do local sem prestar socorro à vitima. Havia uma tensão muito grande, dois gupos, dois olhares diferentes, um defendia a vida e outro o poder aquisitivo. Estava nas nossas mãos entrega-lo, ou livra-lo da justiça. A vítima trabalhava durante o dia em um bairro distante de onde ocorreu o acidente e saia do trabalho direto para a escola. Naquele horário ele vinha da aula, exausto e com fome - depois de termos resolvido o problema ele nos contou. Devido ao cançaso e a demora da polícia me disse que queria fazer um acordo com aquele jovem. Chamei os dois e juntamente com os populares, ficou então concordado entre as partes que ele levaria a bicicleta do menino à uma oficina e mandaria reforma-la.
Imediatamente, sem reclamar ele pegou a bicicleta e levou-a para sua casa. E todos os presentes foram saindo cada qual à sua morada.

Mais ou menos duas horas depois os policiais chegaram ao local, dissemos à eles que as partes fizeram um acordo e já haviam ido embora. Alguns populares ficaram insatisfeitos, não queriam que aquilo terminasse ali daquela forma, queriam que fosse resolvido judicialmente e que o rapaz pagasse pelo agravo e desrespeito a vida, de acordo com a lei. Sei que poderiamos fazer isso, mas a parte agravada foi quem pediu para fazer o acordo, eu também não queria que terminasse assim, mas sei que o susto que aquele sujeito levou o fez durmir pensando minuciosamente nas suas ações. E com  certeza naquela noite ele aprendeu três boas lições; a primeira, o valor da vida, a segunda, o valor do perdão e a terceira, dirigir com mais atenção.