*Autor Sebastião Vieira Maia Filho 

“Eu acredito é na rapaziada

Que segue em frente e segura o rojão

Eu ponho fé é na fé da moçada

Que não foge da fera, enfrenta o leão

Eu vou à luta com essa juventude

Que não corre da raia a troco de nada

Eu vou no bloco dessa mocidade

Que não tá na saudade e constrói

A manhã desejada”.

(Gonzaguinha)

 

 

RESUMO 

Falo aqui da juventude contemporânea. Não trato das várias realidades que a cerca, procuro, apenas, atualizá-la frente a necessidade que esta possui de ter liberdade de expressão e direito à participação ativa nos destinos das comunidades existenciais onde ela vive. Por acreditar que toda sociedade possui sua rota de fuga, embora esta não seja percebida facilmente ou esteja correndo risco de ser reprimida pelos movimentos usurpadores do momento, penso que é chegado o momento de se quebrar paradigmas e estabelecer novas formas de vida e de valores. O Brasil atravessa nesse instante uma crise profunda. Hoje, mais do que nunca, nós brasileiros precisamos inaugurar um tempo para mudanças. Vejo nesse momento a necessidade de fazermos um aceno à nossa juventude, para que ela ocupe o papel de protagonista que lhe cabe dentro do processo de transformação da nação brasileira que está sendo usurpada. Chegou a hora de defendermos a ideia de um país mais igual para todos, de um projeto de nação mais humana, mais ética e mais justa.

 

INTRODUÇÃO

Vivemos hoje o tempo das novidades, o que é considerado “novo” dispõe, ordena e altera tudo o que nos envolve. Ele se une, se associa com o “moderno” e com tudo que se diz ser moda. Se é bom, então, é tido como pós-moderno. Contudo, não quero falar aqui sobre as realidades que dizem respeito a esse novo, tendo de recorrer a clichês que tanto prejudicam o exercício ativo do pensamento, principalmente, por estar falando neste artigo sobre questões que envolvem a juventude contemporânea.

Ainda que a pós-modernidade esteja aí para impulsionar as máquinas de desejo, lançando a juventude ao consumo doentio, penso que ainda é possível mudar de rota e transformar esse cenário sombrio em algo mais iluminado. Acredito que toda e qualquer sociedade possui suas rotas de fuga, mesmo que estas não sejam facilmente percebidas ou estejam correndo perigo de serem reprimidas pelos movimentos usurpadores que nos pressionam e nos submetem nesses dias de crise.

Não podemos negar que esse mecanismo repressor existe, e que é perverso, mas, o que não pode de modo algum ocorrer, é compreender isto, que se sabe sobre o atual estado de coisas, e usá-la como justificativa para conformismos e resignações. Não podemos aceitar esse fatalismo.

Não podemos nos deixar subjugar, curvar-se diante dos poderes instituídos e aceitar todo tipo de sujeição. Isto, ao meu ver, é uma atitude característica dos fracos de espírito, dos que se encontram profundamente enfermos para reagir e tentar modificar esse estágio deplorável de nossas vidas, que se encontram ameaçadas de destruição por forças reacionárias que atentaram e continuam atentando contra a nossa jovem democracia, para se tomar de assalto o poder constituído.

Penso que é chegada a hora de fazermos uma conversão na direção de construirmos caminhos diferentes, uma nova perspectiva, um novo paradigma de sociedade, daí a necessidade de fazermos um aceno de esperança à nossa juventude, para que esta ocupe o papel de protagonista do processo de transformação social, política e econômica do nosso país, o Brasil, que passa por um processo de completa destruição de suas instituições democráticas.

Espero firmemente que a juventude brasileira, mais do que nunca, precisa se mostrar como vanguarda na luta pela resistência democrática. Penso que os nossos jovens precisam descontruir urgentemente a ideia massificada pelos meios de comunicação de que eles são uma massa de manobra alienada, vítimas de uma compulsão consumista doentia, que não se preocupam com os destinos do seu país. A juventude precisa desconstruir a ideia de ela é, apenas, “uma banda numa propaganda de refrigerante”, como diz a letra da canção da banda Engenheiros do Havaí. 

A JUVENTUDE, O NOVO E A PÓS-MODERNIDADE 

Quem estuda esse fenômeno do “novo” dentro de uma visão crítica de pós-modernidade é David Harvey, que no seu livro Condição Pós-moderna, publicado na França, em 1989, diz que: “Será que chegou a hora de olhar para além do capitalismo, em direção a uma nova ordem social que nos permita viver num sistema responsável, justo e humano? ”.

O mundo hoje atravessa um tempo de mudanças, de crise, de morte ao tradicional, de abandono do que é velho e ultrapassado. Por conta disto, as sociedades mundiais buscam, ansiosamente, abraçar esse “novo”, para quebrar paradigmas e estabelecer novas formas de vida e de valores. Vivemos sim um tempo propício a sermos diferentes, de inventarmos diferenças e conviver, pacificamente, com elas.

Nos dias de hoje, onde se critica ferozmente os que pensam e vivem de forma diferente dos que se dizem ser “normais”, daqueles de visão uniforme, todos nós precisamos migrar urgentemente do “ser do contra”, para a realidade de “amar o contrário”, sob pena de continuarmos cometendo os mesmos erros, por insistirmos em caminhar pelos mesmos caminhos equivocados. Contudo, hoje, ao invés de nos lançarmos nessa aventura transformadora de consciências, nós insistimos na burrice de sermos “neutros diante das diferenças”.

Não é fácil estabelecermos uma definição plausível diante desse processo de transformação sociocultural que urge. Devemos, no entanto, termos em mente a verdade presente de que o desenvolvimento econômico e tecnológico ocasionou uma transformação social e a formação de uma nova mentalidade acelerada. É bem verdade que a modernidade nos lançou num esquecimento da tradição e do passado.

Contudo, isto não é novidade, pois, desde o século XVI e XVII temos passado por um processo de aniquilamento de qualquer vínculo com a tradição. Isto, por sua vez, fez com que nós fossemos perdendo pouco-a-pouco os vínculos relacionais, os nossos referenciais mais significativos, até mesmo os mais vitais para a manutenção da nossa existência.

Alguns acontecimentos do século XVI e XVII foram decisivos para mudarem, definitivamente, o modo de pensar e agir humano. Um exemplo disto foi no campo educativo, onde as transformações contribuíram com a expansão das escolas e, consequentemente, a ampliação do número de alunos da instrução pública, o que exigiu, por sua parte, uma nova organização, meios, instrumentos e métodos de ensino.

No campo das Artes, no período da Arte Renascentista, Leonardo Da Vinci, em seus estudos de Anatomia, anunciou uma verdadeira revolução no pensamento científico. Essa descoberta revolucionária levou às várias modificações na estrutura lógica espaço-temporal, a qual abriu o caminho para a fundamentação de uma nova e consistente ética, onde o homem reinaria absoluto: a ética antropocêntrica de base mecanicista.

O fruto dessa descoberta revolucionária foi a perspectiva, que antecipou o Cogito Cartesiano, uma descoberta do domínio ontológico do pensamento, a qual foi usada pela primeira vez, de forma intencional por Leonardo Da Vinci, em um de seus trabalhos artísticos. Essa descoberta revolucionária provocou uma revolução na forma ver e compreender o mundo do homem daquela época.

Isto, por sua vez, fez com que a visão qualitativa da vida, concebida pelo o filósofo Aristóteles, passasse a ser vista de forma quantitativa por René Descartes. O que se vê nesse exemplo é uma visão antiga suplantada por uma mais nova. Vemos aqui o surgimento de uma nova cultura, uma outra visão de mundo. Nesse período, compreendido entre a transitoriedade da Baixa Idade Média e início da Moderna – séculos XVI e XVII – surge o “Humanismo”.

O Renascimento e a Revolução Científica que sugiram nesse período mudaram o mundo para sempre, desenvolvendo uma nova mentalidade, crítica, racional e ativa diante da passividade e tradicionalismo remanescentes do medievalismo. A partir desse momento, as transformações no mundo começariam a se acelerar e as estruturas político-sociais a sofrer forte abalo. 

OUTROS TEXTOS, NOVOS CONTEXTOS 

A cientista social Regina Novaes, graduada em Ciências Sociais pela UFRJ (1973), mestre em Antropologia Social pela UFRJ (1979) e doutorada em Ciências Humanas (Antropologia Social) pela USP (1989), entende que a cultura é o lócus de constante invenção e reinvenção de formas e canais de comunicação entre diferentes gerações e instituições sociais.

Para essa autora as conquistas tecnológicas modificam a comunicação, a socialização, a “visão do tamanho do mundo” entre gerações. Contudo, ela não acredita que a visão da cultura antiga suplantada por uma mais nova, se coadunando e se conjugando com o “moderno”, como moda, faça do novo melhor, superior ao antigo.

Na verdade, Regina Novaes entende que a juventude, o novo que surge como moto contínuo das culturas, só se tornará um novo de fato, se este se fizer um ator social engajado, cuja presença venha a fazer diferença na cena pública, quando essa presença significar uma mudança efetiva nos destinos da sociedade na qual vivem e na vida da população.

Para essa teórica do social, o novo, capitaneado pela juventude, surge como uma nova cultura, quando sua força política potencial resultar na criação de um novo paradigma – fazendo com que ela pense sobre suas vulnerabilidades e potencialidades – que encontre ressonância perante a opinião pública nacional, os governos e o Estado. Nas usas palavras: 

“Em que pesem os esforços de muitos, há um longo caminho a percorrer para a efetivação dos “direitos da juventude”. Na sociedade e nos governos, ainda são vigentes muitos (pré)conceitos e projeções sobre “a juventude” que dificultam o (re)conhecimento das atuais vulnerabilidades e potencialidades dos jovens”. (Le Monde: Diplomatic Brasil - https://www.diplomatique.org.br/print.php?tipo=ar&id=1285) 

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