Tudo muda, tudo passa...

Moravam longe de tudo. Longe da vida, das pessoas. Viviam longe da intriga, do ciúme, da inveja, do diz que diz que, da cobiça. Ela e seus filhos. Ninguém mais.
Encontraram uma casinha bem longe da cidade e por ali ficaram. Há muito tempo... Nos arredores da casa, muitas árvores frutíferas. Bananeira, laranjeira, abacateiro e tantas outras mais. Na "horta," uns matinhos muito gostosos. Se queriam mais coisas para comer, saíam mato a fora. Alguma coisa sempre encontravam. Prá que mais?A água era pega em uma bica bem perto. Gostosa, fresquinha.
Se eram pobres? Desconheciam o significado da palavra. Tinham esquecido há muito tempo... Se eram felizes? Pode ser. Do jeito deles.
Mal começava a escurecer, iam deitar e ficavam conversando até o sono chegar. A mãe contava histórias. Era "inventadeira". Mal clareava o dia, já estavam todos acordados. Mais tempo para fazer nada? Não. Brincavam de amarelinha, de casinha, de pega- pega, subiam nas árvores... Criança é criança em qualquer lugar. A mãe tinha ensinado as brincadeiras.
Vez por outra, ela ia até a cidade mais próxima, que era bem longe, e ganhava alguma coisa para trazer para casa. Pedir ela não pedia. Mas ganhava. Era essa sua conexão com o mundo.
Mas, como tudo na vida, essa boa vida acabou. E foi assim:
Não se sabe como, mas ficaram sabendo deles. Será que seguiram a mãe na volta prá casa, quando de sua ida à cidade? Até então eles não eram visíveis a ninguém, não existiam. Sabe-se lá como aconteceu...
Quando os homens vieram, não gostaram da casa de taipa, apesar de muito limpinha. Disseram que as crianças estavam mal nutridas, em idade escolar, etc e tal e que todos deveriam acompanhá-los. E lá foram eles, submissos e muito assustados, deixando tudo para trás.
Foram levados a vários lugares, examinados, alimentados, ouviram muitas pessoas falando ao mesmo tempo, foram ouvidos, sentiram olhares de piedade, de curiosidade, até que resolveram arrumar um lugar para eles morarem. Não perguntaram se eles queriam.
Com o passar do tempo, sentimentos que eles não conheciam, passaram a perturbá-los. Começaram a desejar coisas alheias e não sabiam como lidar com isso. Sentiam ciúmes quando um dos de casa arrumava um emprego melhor. Falavam uns dos outros com a mãe, que não sabia o que fazer. Esses sentimentos chegaram sem pedir licença. A mãe não tinha mais tempo para ser a "inventadeira" de sempre. Todos sentiam falta da vida de outrora, mas sabiam que a interdependência entre eles ficou no passado. Não podiam permanecer na ignorância. Eles agora eram outros e nunca mais voltariam a ser o que foram. Tudo ficou na lembrança, ficou no passado que não volta mais.

Heloisa 21/março/2011