Antes das possibilidades de identificação de chamadas fazer trote por telefone era um divertimento garantido, apesar do sadismo de tal prática. Quem não tinha telefone em casa, fazia isso até do trabalho, longe, evidentemente, dos chefes. Imagino o quanto isso devia deixar as pessoas possessas. Há casos de trotes que levaram casais à separação, pois muitas vezes as brincadeiras tinham o tom de assunto sério, o que deixava maridos e esposas com a pulga atrás da orelha. A maioria dos trotes eram inocentes, como ligar para a padaria e perguntar se tinha pão amanhecido. O padeiro respondia: “temos sim”. Do outro lado da linha, um engraçadinho ou engraçadinha: “Bem feito, quem mandou fazer demais”. Outro era se havia um carro gelo parado na porta, cuja resposta é previsível.

O problema se torna sério quando ligam para o Corpo de Bombeiros, Polícia Militar ou Pronto Socorro, fazendo com que haja deslocamentos inúteis e deixando de atender situações reais. Mesmo com a identificação de chamadas, esses trotes são feitos de telefones públicos, o que deixa os trocistas impunes.

Comparando com os tempos atuais, esses trotes se parecem com as fake News, quando se inventam mentiras para prejudicar outras pessoas ou adversários políticos. O anonimato dava uma certa segurança para os infratores, coisa que ainda acontece nas redes sociais.

Quando adolescente, tive um amigo metido a engraçadinho, que vivia com os bolsos cheios dos velhos cruzeiros.  Numa noite, após irmos ao cinema, convidou-me para ir até a loja de calçados do seu pai na Vila Gerty. Chegando lá, começou a ligar para várias pessoas, fazendo pegadinhas. Quando o dono da casa atendia, ele dizia: “Daria para o senhor verificar se eu esqueci minha cueca em seu quarto?” Quando o sujeito começava a gritar ele desligava, não sem antes me passar o telefone para que eu pudesse ouvir os xingamentos. Em geral, ele ligava para políticos da cidade, podendo ser o prefeito, vereadores ou candidatos. Sobrou também para um professor do colégio, mas felizmente ninguém atendeu.

Ao chegar em casa, tive uma surpresa desagradável. Sentado na sala de visitas conversando com meu pai, lá estava um dos políticos que o meu colega havia ligado. Era o Giro Striani, político que se candidatou várias vezes a prefeito da cidade sem nunca ter vencido. O susto foi grande, pois a primeira coisa que me veio à cabeça foi que meu colega havia sido descoberto e me denunciou como cúmplice. Estava pronto para confessar que a iniciativa fora toda do meu colega e que estava apenas fazendo companhia, mas não precisou chegar a tanto.

Como estava visivelmente pálido, meu pai até ficou preocupado e perguntou se havia acontecido alguma coisa na rua. Após dizer que estava tudo bem, ele me apresentou ao político. Senti um grande alívio e ainda me senti na obrigação de fazer sala para a nossa visita. Fiquei um bom tempo ouvindo, sem nenhum interesse, a conversa sobre problemas da política local até que ele se despediu, contando com o apoio da nossa família para a próxima eleição. Meu pai que era ligado a outro político, procurou ser gentil, como era com todos.

Depois do susto, nunca mais acompanhei o meu colega nas suas travessuras. Com o tempo perdi o contato com ele e não sei que fim levou. Alguns anos depois, passando por lá, vi que a sapataria havia fechado e me lembrei dos trotes que ele deve ter continuado a fazer, pois parecia quase um vício de um gordinho alegre e brincalhão que nunca mais vi.