Leio no jornal que um chinês de 85 anos escreveu em pedaços de papel que queria ser adotado por alguma família. Para isso colou-os no ponto de ônibus, no armazém e outros locais do bairro.   Han Zicheng não queria morrer sozinho, mas também não queria ir para um asilo. Ele não tinha mulher, filhos ou netos.

Na China até pouco tempo era proibido ter mais de um filho. Isso passou a valer depois da chamada Revolução Cultural nos anos 1960. A medida foi tomada para reduzir a população do país que já estava com mais de um bilhão de habitantes. Como o governo sabia que não conseguiria fazer o país crescer para dar conta das necessidades de emprego e produção de alimentos, optou por reduzir na marra a quantidade de gente.

Isso criou outro problema, pois para os chineses os filhos do sexo masculino são essenciais para cuidar dos pais na velhice. Quando os casais tinham uma filha, entravam em pânico, pois a cultura milenar lembrava que as filhas se casam e vão ajudar o marido a cuidar dos pais dele e ficariam desamparados.

Assim muitos casais da zona rural optavam por sacrificar as crianças do sexo feminino antes do registro, alegando para as autoridades que nasceram mortas ou morreram logo após o nascimento. Faziam isso colocando os bebês em tanques para serem afogados. Para nós ocidentais é uma extrema crueldade, mas as famílias chinesas se submetem à tradição que é mais forte do que os sentimentos.

Nas cidades as mulheres grávidas se submetiam a uma ultrassonografia e ao identificarem que o bebê era do sexo feminino, provocavam o aborto. O problema se tornou tão grave que o governo proibiu o exame para evitar o crime.  Outro problema também grave foi a disseminação do sequestro e tráfico de crianças do sexo masculino, vendidas a peso de ouro, movimentando milhões de dólares.

Com isso a China tem hoje um grande déficit de mulheres obrigando muitos jovens a procurarem esposas em outras regiões, caso contrário em um século a população do país pode desaparecer.

Outro resultado dessa política foi a redução das famílias a pai, mãe e um filho ou filha. Com isso desapareceram as relações de parentesco como tios e primos na maioria das famílias.  O impacto cultural dessa mudança foi enorme e gerou o isolamento dos núcleos familiares, cujas consequências são difíceis de serem avaliadas. A população idosa na China que hoje representa 15% dos habitantes será confinada aos asilos contrariando a cultura familiar arraigada na sociedade.

O caso do senhor Zicheng é o resultado dessa mudança nos padrões da estrutura familiar na China. Lá a imposição de filho único pelo governo ocorreu de forma autoritária, mas no Ocidente isso está se tornando comum com a entrada da mulher no mercado de trabalho. Para construir uma carreira bem sucedida, muitas mulheres optam por apenas um filho ou nenhum.

Entre nós passar o final da vida num asilo é o destino da maioria dos idosos, principalmente aqueles que apresentam doenças degenerativas como Alzheimer. Com famílias pequenas e o casal trabalhando fora de casa, não existem alternativas. Com isso os asilos ou como são chamados eufemisticamente as Casas de Repouso Permanente estão se tornando um negócio promissor, pois os governos não tem dado atenção a essa nova realidade.

Ser adotado por uma família é pouco provável para pessoas como Han Zicheng não só na China, mas em todo mundo. O medo atávico de morrer sozinho tira o sono de muitos idosos. A morte é vista por muitos como uma partida rumo ao desconhecido e a presença das pessoas queridas torna a viagem menos triste. Pensar que seu corpo pudesse ficar insepulto angustiava o velho Zicheng e isso acontece na maioria das culturas.

Infelizmente Han Zicheng morreu sozinho, pois nenhuma família quis adotá-lo. Assim ele partiu sem ninguém para se despedir na sua viagem eterna. Han deve ter morrido enquanto dormia numa madrugada chuvosa de Pequim. Algum vizinho próximo deu por falta do velho e foi procurá-lo alguns dias depois.tris