Conselho Brasileiro de Psicanálise

( I.N.N.G.)

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TRATAMENTO MENTAL CATÁRTICO

 

Dr. Wagner Paulon
      1970 - 2012

 

Retire-se o leitor para um lugar sossegado, onde possa estar só e falar consigo mesmo sem ser ouvido.

Desenterre, em seguida, da lembrança, todas as fraquezas e particularidades desagradáveis de caráter que tanto o afligiram na vida. Depois, enumere-as em vos alta. Recorde-se de todas as suas falhas e tendências furtivas, e, falando em voz alta, permita que seus próprios ouvidos ouçam a sua própria voz.

Milhares de vezes em sua vida há de ter surpreendido, em seu espírito, vislumbres de pensamentos fugidios, cuja existência procurou negar e dos quais sempre procurou fugir. Pois seria mais útil ter tomado uma outra atitude. Fugir de uma coisa desagradável não é o suficiente para eliminá-la. Deveria, em vez da fuga, procurar ir ao seu encontro, eliminando-a de uma vez por todas.

Já ouviu, alguma vez, sua própria voz enunciando seus receios e fraquezas íntimas, suas tendências indesejáveis? Vai se assustar um pouco, no começo. Mas saiba que não está dizendo nada de novo. Não está inventando coisa alguma. Está, simplesmente, encarando, pela primeira vez, alguma coisa cuja existência sempre procurou negar.

As fraquezas íntimas são como sombras. Não adianta correr, leitor. Sua sombra o acompanhará sempre, e a distância que os separa continuará a mesma.

Quando andamos depressa as sombras das nossas fraquezas também correm; quando paramos, param também. Andamos novamente. E esses fantasmas, de novo, conosco. E assim é sempre.

Fugir destas sombras mentais é gastar uma grande quantidade de energia, sem proveito nenhum, pois a finalidade é inatingível. É uma corrida sem nenhuma possibilidade para quem corre. Quanto mais correr, tanto mais cedo se precipitará no abismo da psicopatia.

Não corramos, portanto. Voltemos e eliminemos o inimigo.

Não pense que vamos adotar uma atitude mental de queixa ou de lamentarão. Não, senhor.

Vamos, simplesmente, transformar as ideias vagas, reprimidas, furtivas e fugitivas em palavras.

Faça, pois, a experiência que eu sugeri. Dê aos seus ouvidos a oportunidade de ouvir, de sua própria voz, a expressão desses pensamentos desagradáveis que até agora têm conseguido dissimular-se nas sombrias e inaccessíveis regiões de seu espírito.

Vá agindo como se estivesse fazendo um inventário das fraquezas, receios e tendências inconfessáveis de uma pessoa que nada tivesse de comum consigo, de maneira a não considerá-los como vergonhosos ou com qualquer outro atributo eminentemente pessoal.

Vá, com firmeza, exprimindo, em voz alta, todos os pensamentos que já passaram, como ligeiros traços, pelo seu espírito; não esconda nenhum. Quanto mais desagradável ou dolorosa uma ideia, maior a necessidade de exprimi-la oralmente.

Transforme fantasmas mentais em imagens acústicas de forma a serem percebidos pela consciência. Não os deixe, por mais tempo, escondidos nas trevas. Traga-os à luz do dia. Traduza suas tendências furtivas, insinuantes, em palavras concretas, isto é, diga-os em vos alta, transformando-os cm vibrações sonoras.

À medida que as associações o forem levando deste àquele ponto do reservatório mental e que for descobrindo, aqui ou ali, algumas dessas ideias fugidias, segure-as, traga-as para fora, para a luz ofuscante da consciência, por meio de palavras exatas, definidas e espontâneas. Não com palavras meditadas. Mas com palavras faladas.

Não importa qual seja a ideia, por pior que seja o seu conteúdo. Traga-a para fora. Não seja medroso.

Encare francamente qualquer cena em que, por acaso, tenha fracassado, e descreva-a com palavras, de modo a que seus próprios ouvidos possam ouvi-las. É possível que o leitor já tenha pensado nelas. E, talvez, muito.

O que é preciso, agora, é ouvi-las.

Transforme em expressões sonoras, audíveis, todos os seus pensamentos até agora reprimidos, assim como o cortejo de fraquezas que os acompanha.

Traga tudo para fora.

Não importa se as ideias se refiram à religião, sexo, temperamento, sentimento de inferioridade, de pesar, ofensas imaginárias ou reais. Não importa. O que é preciso é que sejam transformadas em palavras e estas sejam ouvidas pelos seus próprios ouvidos.

Sei, perfeitamente, que a doutrina pregada até agora por muitos bons teóricos tem sido: reprimir, reprimir, reprimir. Sei ainda mais. Sei que esse princípio da repressão tem enchido os nossos hospitais de alienados e criado uma multidão de neuróticos na nossa sociedade.

Reprimir, sem sublimar, significa desastre absoluto.

A doutrina da psicanálise é: dispersar, dispersar, dispensar.

Vamos, agora, utilizar esse inventário mental, mas, antes disso, devo dizer que o simples ato de fazê-lo já trouxe, em si, um resultado benéfico. O simples ato de transformação dos pensamentos vagos e reprimidos em palavras, apresentando-os sob a forma de vibrações acústicas, produz, por isso, um alívio emocional considerável, uma grande diminuição da tensão psíquica.

Evite o leitor qualquer confusão sobre a atitude mental que esse exercício exige. Não se trata, absolutamente, de introspecção. Não considere o exercício como uma autópsia ou como um inquérito.

Enumere, simplesmente, os fatos nus, tão imperturbavelmente como se estivesse ditando a um empregado, durante o balanço anual, os artigos constantes de uma prateleira.

Enquanto as ideias surgirem, vá falando. Quando se esgotarem, comece a escrever e a escrever depressa.

Agora quero uma história. E uma história "original". Escrita de tal modo que se ressinta ainda da influência (inconsciente) da catarse a que se submeteu, isto é, do tratamento catártico, vomitivo.

Uma história, enfim, que seja um sonho verbal;  cujas ideias tenham um significado Inconsciente.

Vou dar um exemplo, tirado de minha experiência pessoal.

Depois de um longo período de tratamento catártico, escrevi em 62 segundos, a máquina, a seguinte "história" de pouco menos de 50 palavras!

O gato pulou sobre o cachorro e a couve morreu, de, rir; não havia luar e o capim estava crescido; o povo ria junto ao lago, de onde o Homem saíra, antes de se jogar ao mar; mas o pontão lá estava; e o farol continuava a piscar.

Esta historieta é, virtualmente, um sonho: um sonho verbal. Não há nela uma só ideia procurada de propósito. E, apesar disso, uma análise dessas ideias mostrará que elas se referem a lembranças que têm enorme interesse para a minha personalidade. Os mesmos princípios se aplicam ao sonho verbal do leitor.

Não se preocupe com a sequência lógica de sua história; não pense, absolutamente, nisso. Escreva, apenas, as primeiras ideias que surgirem ao seu espírito, como se o interesse maior fosse o de exprimir o maior número de pensamentos diversos no menor espaço de tempo, sem preocupação de sua ordem lógica.

Como já disse acima, o simples fato de fazer esta catarse mental, esta purgação mental há de produzir um efeito extremamente benéfico, uma vez que dá vazão a uma certa  quantidade de tensão emocional represada. Mas isso é apenas um passo para a finalidade que se procura.

Se o leitor se encontra em uma disposição tal que as idéias lhe venham espontânea e rapidamente, sem razão aparente, tanto melhor;  terá, então, um material mais abundante de que se utilizar. Se, ao contrário, só obtiver 50 ou 100 palavras, contente-se com elas, que hão de bastar para a atual experiência,

O leitor vai sentir uma grande tendência para interpor sua direção intelectual nas ideias que devem "pular fora" de seu espírito. Evite, de qualquer maneira, essa interferência. Quanto mais estranhos e bizarros aparecerem os detalhes da história, tanto melhor para a nossa experiência, para o fim que colimamos.

Toda ideia consciente é motivada por influências inconscientes definidas, quer se refiram à religião, a um problema de matemática, a um delírio mórbido ou a uma característica da personalidade. E como essa história é escrita imediatamente depois de uma grande perturbação emocional, consecutiva à elaboração do inventário mental, suas ideias hão de apresentar associações muito significativas com alguns dos fatores envolvidos nessa emoção.

Procure, pois, escrever esse sonho verbal, com a maior espontaneidade possível. Se seu espírito tiver alguma tendência a passar de uma ideia a qualquer uma outra coisa, deixe-o ir. Não procure guiá-lo, de maneira nenhuma.

Notou o leitor, com certeza, como as minhas ideias variaram, naquele meu sonho verbal; sua sucessão lógica é absurda. Mas consegui, pela análise, descobrir quais as influências inconscientes que as motivaram:  são extremamente significativas para o meu equilíbrio psíquico.

Se o leitor compreendeu bem o que exige esse esforço catártico e os princípios que regem a construção de um sonho verbal, já alcançou um grande objetivo, e está perfeitamente apto a estudar a fase seguinte, que é a da terapêutica mental.

Dando uma expressão oral aos seus pensamentos,  receios,    fraquezas   e   tendências   reprimidas,  diminuiu consideravelmente a ação prejudicial dos conflitos inconscientes, visto como deu saída a uma grande parte da carga de tensão emocional.    Seus resultados  benéficos  são tão grandes,  que devem  ser experimentados.  São, às vezes, verdadeiramente extraordinários.

Com a fixação escrita de um sonho verbal, o  leitor consegue como que ancorar, na consciência, ideias  e  sentimentos  que ainda  permanecem  nas profundidades  inconscientes, de onde poderão ser "arrancados" pelo método das  associações  livres.