Contextualização

A visibilidade social conferida aos Transtornos Alimentares (TA) é notória. Os espaços midiáticos e as conversas corriqueiras repercutem diariamente, algum tipo de notícia referente a estes transtornos.  Inclusive os significativos índices de mortalidade que acompanham os TA, colocando-os como um potencial problema de saúde pública (Scorsolini-Comin; Santos, 2010). Sabe-se que suas causas estão associadas a fatores biológicos, socioculturais e psicológicos. No entanto, a influência cultural por manter-se magro, seja por questões estéticas ou por exigências de certas profissões, como o esporte, e o mundo da moda, associada à presença de uma baixa autoestima, tornam o indivíduo mais favorável a desenvolver um quadro de TA. No que tange às questões biológicas, a serotonina, um neurotransmissor, pode afetar o apetite, assim como o humor e o domínio dos impulsos no indivíduo.

Há pesquisas que investigam como os TA podem alterar os níveis de serotonina no cérebro, bem como a conexão entre o sistema nervoso e as informações enviadas para o corpo, quanto à fome e à saciedade. Buscando entender como e porque a maioria das mulheres melhoram o humor e a sensação de bem-estar depois de comerem. Da mesma forma, em outras mulheres com anorexia, o jejum é o estímulo à melhora do humor e do bem estar. Ainda de acordo com a literatura que versam sobre o assunto, a caracterização se dá por meio da observação quanto à recusa  do alimento,  seleção rigorosa, objetivando a manutenção do peso corporal, medo intenso de obesidade, ou receio exacerbado quanto à distorção da imagem corporal, recorrência de compulsão alimentar, comportamentos purgativos frequentes e autoavaliação excessiva quanto ao peso e a forma física, dentre outros critérios. É comum que os pacientes com TA associem a instalação dos sintomas com uma reação a um evento estressor. Assim, o vínculo social (família, escola, amigos) está diretamente relacionado não apenas ao aparecimento dos sintomas iniciais dos TA, mas também com a sua evolução e perpetuação. Outros autores caracterizam os TA como síndromes ligadas à cultura de determinadas sociedades. Essa hipótese é assertiva se levarmos em consideração o fato de que a Anorexia e a Bulimia têm um predomínio entre mulheres jovens de países ocidentais, mais especificamente, as de classes privilegiadas.

Uma correlação entre os TA e a Teoria da Motivação de Abraham Maslow

O psicólogo Abraham Maslow propôs uma teoria da motivação na qual afirma que existe uma hierarquia das necessidades humanas e que, em primeiro lugar, devem ser satisfeitas as consideradas mais básicas. O ser humano avança na hierarquia até saciar seus desejos mais elevados, tanto de ordem pessoal quanto profissional. Por ser uma organização hierárquica, esse modelo tem forma de pirâmide e conta com cinco níveis: Fisiologica, Segurança, Sociais, Status/Estima e Autorrealização.

As necessidades humanas básicas, ou primordiais, constituem a parte mais baixa e larga da pirâmide, enquanto as necessidades que se encontram no pico da pirâmide se relacionam ao autoconhecimento e à autorrealização. Para Maslow a hierarquia das necessidades deve ser posta dessa maneira, porque as carências que nos mantêm vivos, como comer, beber, dormir e garantir nossa saúde, são basilares e, assim, devem estar no ápice da pirâmide. E quando estamos estáveis e conseguimos manter um equilíbrio fundamental, podemos começar a abranger e realizar desejos e necessidades mais relacionadas ao autoconhecimento e à realização pessoal (Galhardo, 2020). Para conquistar uma nova etapa, a anterior deve estar realizada, ou semi-realizada. Entende-se que, quando uma etapa está satisfeita ela deixa de ser a referência motivadora do comportamento do ser, fazendo com que outra necessidade se propulsione como elemento motivador. Então compreende-se a motivação como a consequência dos estímulos que induzem ações sobre os indivíduos, levando-os a um comportamento dinâmico. Os indivíduos com TA priorizam os níveis secundários, deixando de lado os níveis primários de sobrevivência. Há, portanto, uma inversão de valores (ao nível da pirâmide), o que prejudica muito o psicológico do ser humano, segundo Maslow é necessário realizar os níveis básicos, para assim progredir até concluir toda a pirâmide. Sendo assim as pessoas com TA ficam aprisionadas no primeiro nível da pirâmide, para elas é como se a pirâmide estivesse invertida, primeiro elas buscam se sentir aceitas no meio social, buscam se sentir reconhecidas e assim se auto realizar, deixando de lado as necessidades básicas de sobrevivência.

Principais Tipos de Transtornos Alimentares

De forma sucinta, teceremos as características das tipologias elencadas pelo DSM-5:

I. Anorexia Nervosa

Caracterizado, principalmente, pela recusa do indivíduo em manter um peso mínimo esperado para a idade e a altura, por meio da restrição do comportamento alimentar, pelo temor excessivo em ganhar peso, e pela distorção da percepção da imagem corporal. A perda do peso é obtida pela redução intensa da dieta alimentar. A autoestima da pessoa anoréxica está relacionada à forma corporal e ao peso. Sendo assim, a perda de peso é vista como uma conquista e autodisciplina, enquanto o ganho de peso é considerado um fracasso do autocontrole. Sendo mais frequente em pessoas do sexo feminino, a anorexia nervosa costuma começar durante a adolescência ou no início da idade adulta e, raramente, começa antes da puberdade ou após os 40 anos de idade. (Attia; Walsh, 2018):

II. Bulimia

Caracteriza-se por compulsões alimentares periódicas, acompanhadas de métodos compensatórios inadequados (vômitos autoinduzidos, uso de laxantes e/ou diuréticos) para evitar o ganho de peso. Para se caracterizar a Bulimia Nervosa, estas condutas devem ocorrer por, no mínimo, duas vezes por semana, atentando-se a um período de três meses. Por vergonha e medo, essas ações são escondidas da família, acarretando numa dificuldade na identificação do problema e consequentemente, na ajuda a ser prestada. (Attia; Walsh, 2018).

III. Transtorno de Compulsão Alimentar

Segundo a revista eletrônica Plenamente, neste TA os indivíduos perdem o controle e só conseguem parar de comer quando se sentem fisicamente desconfortáveis. Tendo a obesidade e o desenvolvimento de comorbidades, como possíveis características. Seu diagnóstico, está na observação da compulsão, por um período mínimo de seis meses, em que haja a ocorrência duas ou três vezes por semana. Para tanto é necessário, ao menos, três destas evidências:

a) Comer muito mais rápido que o normal;

b) Comer até sentir-se desconfortável fisicamente;

c) Ingerir grandes quantidades de comida, mesmo estando sem fome;
d) Comer sozinho por sentir-se envergonhado da quantidade de comida ingerida;
e) Sentir-se culpado e/ou deprimido após o episódio.

IV. Pica

Fontes, afirma em seu artigo, que essa TA se dá pela ingestão de substâncias não comestíveis, como sabonete, tijolo, argila, cascas de pintura, gesso, giz, cinzas de cigarro, dentre outros. Sendo propensas mulheres com tendência histérica, grávidas, pessoas de certos grupos étnicos nos quais estes comportamentos são considerados normais, e indivíduos que passaram por sérias restrições no comportamento alimentar. 

V. Transtorno de Ruminação

Nesta TA, o sujeito regurgita um pouco do que comeu na última refeição e mastiga novamente. Parte dos portadores cospe o conteúdo, enquanto outra parcela engole uma segunda vez. Um processo repetitivo e diário, e não se relaciona a nenhum problema fisiológico, como refluxo gastroesofágico, por exemplo. De rápida perda ponderal, ocasiona ao organismo problemas no esôfago, garganta e a cavidade bucal provocando úlceras.

VI. TARE

O TA Restritivo/Evitativo é a recusa quanto a determinados alimentos por motivos que vão de aparência, cor, odor, temperatura, textura, paladar e até lembranças afetivas, limitando-se a comer uma quantidade mínima. Pode causar perda de peso significativa, dificuldade em participar de atividades sociais normais e, às vezes, deficiências nutricionais potencialmente fatais. O diagnóstico é dado com base na natureza da restrição alimentar e seus efeitos, após ter descartado outras causas que a fazem comer muito pouco (Attia; Walsh, 2018).

Existem, na literatura que versam sobre os Transtornos Alimentares, denominados modernos e contemporâneos:

1. Vigorexia - apesar de não estar caracterizado estritamente como um quadro de TA, mas como uma patologia obsessivo-compulsiva, se caracteriza pela obsessão por músculos, pela compulsão aos exercícios e pelo consumo de substâncias que prometem o aumento da massa muscular (Fontes).

2. Transtorno Alimentar Noturno - comportamento alimentar noturno, mesmo que a pessoa continue dormindo, não lembram de nada ao despertar, e negam sobre o fato quando informados por outra pessoa. Um fato importante é que são pessoas que geralmente fazem algum tipo de regime alimentar durante o dia (Fontes).

3. Ortorexia - obsessão por alimentos saudáveis, puros e naturais, geralmente desenvolvido por pessoas com traços de perfeccionismo. Gera um sofrimento emocional, e isolamento social, pois os sujeitos recusam comer alimentos que não foram preparados por eles.

4. Fatorexia – na linha inversa à anorexia, o sujeito não se enxerga gordo, mesmo com todas as mudanças no tamanho de roupas e medidas corporais, persistindo em hábitos prejudiciais à saúde e não vê motivos para buscar apoio profissional.

Breve Consideração

Uma vez realizando, gradativamente, a escala da nossa pirâmide, fica mais fácil ir ordenando nossos envolvimentos afetivos e socioculturais, controlando de forma cônscia e assertiva as situações conflituosas e estressoras que sempre insistem em aparecer em nossas vidas. Caso contrário, os desejos, insatisfações e contradições aparecem como espaços vazios que precisam ser preenchidos, completados. E numa tentativa de saciedade voraz, há um transtorno, uma aflição, uma desordem que gera o adoecimento da mente e do corpo. Há uma ausência, um empobrecimento do equilíbrio mental,  adoecido por lacunas existentes na subjetividade humana e nestes casos, apenas o processo psicoterápico auxilia na recuperação da autoestima, oferecendo um caminho de descoberta das causas dos sintomas, possibilitando o lançamento de estratégias e habilidades para melhor lidar com os desequilíbrios emocionais e as insaciáveis fomes emocionais.

Referências Bibliográficas

ATTIA, Evelyn; WALSH, Timothy. Transtorno Restritivo Alimentar. 2018

Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/casa/dist%CArbios-de-sa%C3%BAde-mental/transtornos-alimentares/transtorno-alimentar-restritivo-evitativo

Acesso em 5 de outubro de 2020.

ATTIA, Evelyn; WALSH, Timothy. Bulimia Nervosa. 2018.

Disponível em https://www.msdmanuals.com/pt/casa/dist% BArbios-de-sa%C3%BAde-mental/transtornos-alimentares/bulimia-nervosa

Acesso em 5 de outubro de 2020.

ATTIA, Evelyn; WALSH, Timothy. Anorexia Nervosa. 2018.

Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/casa/dist%BArbios-de-sa%C3%BAde-mental/transtornos-alimentares/anorexia-nervosa

Acesso em 4 de outubro de 2020.

DSM-5 - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. E-Book Formato: ePub. ISBN: 9788582711835. 2014. American Psychiatric Association. 

FONTES, Maria Alice. O que são Transtornos Alimentares? Causas, tipos e tratamento. Disponível em: http://www.plenamente.com.br/artigo.php?FhIdArtigo=192

Acesso em 5 de outubro 2020.

GALHARDO, Claudia Pradas. Pirâmide de Maslow. O que é e como funciona. Disponível em: https://bit.ly/30CeAnr Acesso em: 4 de outubro de 2020.

SCORSOLINI-COMIN, Fabio; SANTOS, Manoel Antônio dos. Psicoterapia como estratégia de tratamento dos transtornos alimentares: análise crítica do conhecimento produzido. Estud. psicol. v29. Campinas. 2012. Disponível em: https://bit.ly/2I0aOxV . Acesso em 4 de outubro de 2020.