TRANSPARÊNCIA QUE TRAZ SEGURANÇA E PAZ

Maria Eunice Gennari Silva

Fui comprar uma sandália e experimentei dois pares do mesmo modelo, da mesma cor, mas de numeração diferentes, 34 e 35. Ao meu lado, imediatamente, assentou-se uma criança de, mais ou menos, 8 anos e, com ela, o seu pai que permaneceu de pé.

Sorri para os dois e percebi que nenhum deles tinha a intenção de experimentar algum sapato. Percebi também que a menina me olhava ansiosamente. O pai, muito pouco à vontade, parecia torcer para que aquela cena ali - ele, a filha e eu - encerrasse o mais rápido possível.

Quando terminei de experimentar os dois números, 34 e 35, a menina me perguntou qual deles eu ia comprar. E respondi que era o número 35 porque tinha ficado mais confortável. Foi aí que tudo começou de maneira assustadora, pelo menos para mim.

Enquanto calçava o tênis que tinha saído de casa, rapidamente a menina pegou o par da sandália 35 e saiu correndo para o fundo da loja. O pai, por sua vez, muito calmamente, assentou-se ao meu lado tentando encontrar as palavras certas para conversar comigo. Eu, então, disse-lhe que estava tudo bem, mas que ele me contasse o que estava acontecendo, para que eu entendesse aquela cena meio intempestiva. E ele contou com todos os detalhes:

- A senhora nos perdoe, mas a mãe dela deu à luz esta semana e viu este modelo no site da loja, gostou muito e pediu pra gente vir comprar. Acontece que desta cor e deste número só tem um par. Ela viu quando a senhora pegou para experimentar, mas ficou na esperança de que o número 34 é que fosse lhe servir. Então, quero que tenha um pouco de paciência e aguarde aqui que eu já vi onde ela se escondeu. Vou conversar com ela e trazê-la para lhe devolver a sandália e pedir desculpas.

Enquanto ele me contava a história e, em seguida, buscava a menina, eu fui pensando em como resolver aquela situação. Mas, uma coisa ficou clara na minha cabeça, a menina, de fato, precisava vir conversar comigo. Além do mais, esta era uma decisão já tomada pelo pai, o que me deixou muito contente ao ver sua responsabilidade para com a transparência dos fatos, e junto com sua filha ainda criança.

Após 10 minutos pai e filha retornam. A criança me entrega a sandália pede desculpas e explica o porquê da sua atitude:

- Minha mãe está com os pés muito inchados e precisava desta sandália porque ajuda a desinchar os pés dela. Eu estava com muita vontade de levar pra minha mãe, porque, com o meu irmãozinho que nasceu, ela fica muito de pé e os pés dela cada vez mais inchados. Mas, meu pai já me explicou que eu não precisava ter saído correndo com a sandália. Eu fiz tudo errado, então me desculpa e pode levar a sandália. Ela é da senhora.

Pedi pra ela sentar-se ao meu lado, perguntei o seu nome e lhe disse que tinha encontrado uma solução para nós duas. Contei que ali pertinho de onde estávamos assentadas tinha outra sandália número 35, da mesma cor, modelo um pouco diferente, mas que tinha ficado excelente nos meus pés. Calcei as sandálias e perguntei o que ela achava. E ela me respondeu:

- Esta ficou até mais bonita no seu pé. E parece mais com a senhora que é bem mais velha que a minha mãe. E aquela vai ficar muito bonita no pé da minha mãe, porque minha mãe é bem mais novinha.

Logo em seguida, ela completou sua fala:

- Então, posso ficar com a que a senhora ia levar?

Depois destas considerações honestas, verdadeiras, ditas com muita transparência e vindas de uma criança de 8 anos, eu só podia responder sim.

Conversamos mais alguns minutos sobre o ocorrido e chegamos a mesma conclusão – quando há transparência na comunicação, a possibilidade de resolver problemas é muito maior, porque ela acontece de forma mais fácil, mais rápida e serenamente.  

Ao nos despedir, agradeci aos dois o prazer em conhecê-los.

É muito bom saber que existe um pai que conversa com sua filha a respeito de atitudes intempestivas e suas consequências. E, ao mesmo tempo, oferece a ela a oportunidade de refletir e reconstruir, na sua mente, a oportunidade de buscar uma nova atitude.

Este episódio me chamou atenção porque o pai conversou comigo de forma segura e tranquilamente, antes mesmo de buscar sua filha. Naquele momento, compreendi que havia uma relação consolidada entre eles - a de pai e filha que se conhecem. Portanto, era só o pai ir até o fundo da loja e, através da sua autoridade, trazer a filha para assumir as consequências do seu erro.

Não houve grito, não houve agressão e muito menos acusações. Houve apenas tempo investido para refletir e refazer.

Onde há transparência, indiscutivelmente, a comunicação é conduzida em verdades. Não há na atitude transparente razão para esconder vantagens pessoais. Mais do que isso, está implícito na transparência um princípio ético ao enfrentamento de possíveis riscos, mas que, na verdade, as pessoas transparentes estão prontas a passar por eles.

Creio que a falta de transparência entre os relacionamentos tem sido um entrave na comunicação, gerando mais confusão em conversas sem claridades, porque não há luz, não há brilho sobre elas. Por isso, presenciar a relação transparente entre aquele pai e sua filha encheu o meu coração de alegria, afinal tem se tornado comum, nas mais diversas áreas, o esconder, o camuflar, o mascarar.

A transparência presente em todo tempo nas nossas falas e atitudes, seja em casa, no trabalho, ou nos negócios, significa relação saudável. É nessa relação saudável que verdades são comunicadas, mesmo que elas não agradem aos nossos ouvidos. No entanto, elas sempre são bem-vindas como oportunidade de reconstruir, de começar de novo e tudo novo.

Claramente, foi o que aquele pai ensinou. E foi o que sua filha aprendeu.

Que seja sempre assim entre eles!