De acordo com a lenda, a origem do conhecimento de Enoc deu-se no momento em que ele foi ordenado por Deus. Tendo conseguido por seu próprio esforço desenvolver o corpo, a alma e o espírito, Enoc mereceu a Graça que lhe foi concedida pelo Divino. O antigo texto descreve como o arcanjo Gabriel o conduziu para cima, através das hostes angélicas, e o colocou diante do Divino. Tombou Enoc sobre a sua própria face, em temor, mas foi levantado por Miguel, o grande Sacerdote do Céu, enquanto o Santo dizia: “Enoc, não tenha medo! Levanta e fica de pé diante da Minha Face para sempre”. Ele estava despojado de sua “vestimenta” terrena, ungido com óleo sagrado e vestido com um traje celestial, e parou de tremer enquanto se tornava uno ao Mundo Espiritual em volta dele. Foi então instruído a escrever tudo o que o arcanjo de Sabedoria leria para ele, e isto, nos disseram, durou trinta dias e trinta noites. No final, sabia tudo o que fosse próprio para ser transmitido sobre o Céu, a Terra, os anjos e os homens. Depois, foi introduzido pelo Santo aos segredos acerca de todos aqueles assuntos que nem mesmo os arcanjos conheciam. A lenda sugere que esses segredos revelariam o modo como a Criação foi realizada, o propósito do mal, quanto tempo o Universo existirá e qual será o seu fim.

Esta ordenação foi a primeira, e esta é a razão pela qual Enoc carrega o nome de “o Iniciado”. Assim começou a cadeia de transmissão que levaria o Ensinamento a todas as gerações. Enoc foi excepcional por tornar-se o primeiro humano completamente realizado, e parece correto ter sido ele ordenado diretamente pelo Divino, pois não havia outro Ser em existência que pudesse efetuar a operação. Muito mais tarde, temos a iniciação de Abraão por Melchizedek, cuja tradição também se iguala à de Shem, o filho mais velho de Noé, o mesmo iniciado que preservou o Ensinamento no desastre da enchente. De acordo com outra tradição, a caverna chamada Shem va Ever, na cidade kabbalística de Safed, é o lugar onde Shem, em época posterior, ensinou o Torah a Jacob, depois que este havia fugido de casa. Jacob, por sua vez, transmitiu o conhecimento a José, seu filho mais talentoso, para simbolizar como o mais capaz, e não necessariamente o mais velho, recebe a Benção para continuar a linha. Quando José morreu, Levi, seu irmão, teve uma visão e recebeu o Barakah de seu avô, Isaac, de acordo com seu testamento. Diz ainda o folclore que a Linha de transmissão quase desapareceu quando os israelitas foram escravizados no Egito. Apenas a tribo de Levi mantinha uma vaga semelhança à Tradição e Moisés, membro desta família, foi o escolhido para receber a conexão. Foi ordenado diretamente por Deus na Montanha Sagrada, onde recebeu instrução detalhada sobre a natureza do mundo, o propósito dos seres humanos e seu relacionamento com Deus. Narrações legendárias sobre esta ascensão do Monte Sinai são muito semelhante às histórias da iniciação de Enoc, e a Tradição acrescenta que o anjo do Senhor enviado como guia dos Filhos de Israel no deserto era, na verdade, Metraton, o que subira aos Céus sem morrer, Enoc. Assim, a Linha foi restabelecida e materializada na ordenação, como Alto Sacerdote, do irmão de Moisés, Aarão.

O clero preservava a forma externa do Ensinamento, enquanto Moisés e os anciãos estudavam o conteúdo interno. Outra vez o simbolismo da Bíblia e suas lendas nos dizem algo sobre a natureza e função das escolas, pois umas trabalham com ritual e oração, outras com contemplação refletiva. Além disso, o símbolo dos anciãos indica que um certo nível de maturidade deve ser atingido para ser capaz de estudar o aspecto esotérico da Torah. A vantagem de um mestre ordenado para conduzir alguém pelas dificuldades do Caminho está bem ilustrada na jornada dos israelitas fugindo do Egito, pelo deserto do Sinai, até a Terra Prometida. Os Livros dos Juízes e o de Samuel, contudo, revelam muito sobre liderança e como não ser desencaminhado por pessoas detentoras de poder, como Sansão, o que é só uma fraqueza fatal, mas que os destrói; e como não se deve confiar em um rei egocêntrico, como Saul, que embora ungido deixou o Caminho e tornou-se propenso a acessos de loucura, como determinados líderes fazem quando se tornam enciumados de sua posição. Ordenação não significa que não se abuse do conhecimento espiritual. Tal ação anula qualquer tipo de Graça que possa haver pairado sobre essa pessoa. Por exemplo, será lembrado que o rei David, cujo nome significa “o Amado”, não obteve permissão para construir o Templo, devido às suas muitas imperfeições. Assim sendo, sempre devemos desconfiar dos mestres que, levando em conta as imperfeições humanas, não fazem o que dizem, a ponto desse fator corromper seu ensinamento.

Os profetas eram uma Linha independente do clero, e o refreava quando periodicamente se tornava demasiado rígido na forma. Eram mestres que não surgiam de uma linha de continuidade pai-filho, ou professor-aluno, mas surgiam espontaneamente, quando havia necessidade. Eis o lado discreto da Tradição que quase nunca é visto, enquanto os ortodoxos mantêm o aspecto externo. Há muitos maggidim na Kabbalah que vêm, ninguém sabe de onde, para ensinar. Os eruditos acham difícil lidar com eles, pois há muito pouca evidência escrita de sua existência. Em muitos casos, os kabbalistas não sabem quem é o professor de seu professor, ou porque nunca conscientemente travaram conhecimento com ele, ou porque nenhuma conexão é feita em aberto por diversos motivos, que variam desde o social, político e profissional, a uma decisão de estabelecer uma organização independente, uma nova raiz, ou apenas ser discreto. Por exemplo, não existe evidência de nenhuma correspondência entre William Blake, o poeta místico, e qualquer erudito judeu, e ainda assim há um conhecimento interno da Kabbalah evidente em seu trabalho. A Kabbalah é como um iceberg, ou seja, a maior parte não está à vista.