O velho que lia romances de amor, filme de 2000, do diretor Rolf de Heer não é o que se pode considerar campeão de bilheteria, é filme para poucos. Sem melodrama, sem ações sangrentas, sem núcleos de tensão que nos levem a ter palpitações extremas.

De tantos temas subjacentes: poder despótico, amor, sabedoria empírica, velhice, crença, amizade, exploração do homem pelo homem, o que me leva à reflexão mais atenta são o encantamento com e por meio da leitura e a descoberta de si mesmo proporcionada por ela e pelos flashes memória.

Tornar significativo o que lia pressupunha um mergulho na própria vida. Aproximava desta forma o abstrato ao que lhe parecia concreto e por meio desse jogo transformava as palavras lidas em um todo com sentido para si. A cada mergulho novas reflexões e mais pontas se uniam de sua própria identidade. A descoberta de ler e de ser.

A leitura surge para esse protagonista, o velho, como um instrumento libertador de amarras conquistadas por anos de distanciamento da urbanidade e de vida na floresta. Livres, suas lembranças dão formato a quem ele realmente é no espaço em que se constituiu durante tanto tempo.

Percebe-se leitor em um dia de eleição para prefeito do povoado, já velho, depois de ter vivido 40 anos na selva. Passo a passo foi caminhando para a leitura de romances e em torno dela criava expectativas para entender o que as palavras lhe passavam: o que diz? Como diz? Por que isso foi dito? O que significa? O que significa para mim? Entendi? O que isso transmite a mim? ...

Impossível não citar ou resvalar no pensamento de Paulo Freire: decifrar palavras é decifrar o mundo, não só o do outro, mas o seu. Juntar o que se lê ao que se vive, viveu ou estudou e construir o seu mundo, as suas significações. E isso pressupõe ser cidadão, poder avançar em leituras, criticar, pensar com bases mais sólidas, criar seu mundo intelectual.

O velho gostava de romances de amor. Pode-se dizer que para ele amor era... só amar e ser amado, de verdade, sem barreiras, apenas com o sentimento, paixão, entrega, apelo ao íntimo do outro em si mesmo. Gostava de livros em que os amantes sofriam, no entanto alcançavam final feliz.

“Estou velho demais para a selva, mas ao menos sei ler.” O poder ler supera a amargura de não se sentir jovem, útil. Ao pedir algo para ler para o prefeito, depois de suas investidas com rótulos de lata de sardinha ou de bebida, recebeu como oferta um jornal antigo de mais de dois meses e a pergunta preocupada por parte do prefeito se ele estaria pensando em iniciar uma revolução. Certamente preocupação de quem sabe que a leitura abre portas para o conhecimento pleno de si e do outro.

É para isso que serve a leitura: revolucionar. Impor novos caminhos, nova visão do mundo e ressignificação do próprio mundo.

Há muito que refletir por meio dessa película, embora não pareça para espectadores mais afoitos e pouco observadores. A mim, professora de língua portuguesa e literatura, importa com olhar deslumbrado perceber que mostrar aos alunos quão importante é a leitura e quanto enriquecedora ela torna nossa vida, faz-me atravessar os dias de educadora mais feliz.  Ser, estar, continuar a cada dia por meio  dela. Parecendo que nos transformamos em personagens desconhecidos, em mundos inimagináveis em enredo insólitos. Situamo-nos melhor no mundo em que vivemos, falamos, expressamos, pensamos de maneira mais coerente e arguta. Transformamos a nós mesmos e assim fez o “velho”.