"Comeras o teu pão com o suor do teu rosto", diz a bíblia em algum lugar. "O meu pai trabalha sempre", teria afirmado Jesus Cristo.

Você que fundamenta sua fé e sua crença na Bíblia pode querer me perguntar onde é que isso está escrito. Mas eu não vou me preocupar em citar capítulos e versículos em que se podem ler tais frases. Se você é um leitor, acostumado com o texto bíblico saberá procura-los. E se não estiver familiarizado é porque não a lê com freqüência e, portanto, não tem motivos para ir conferir. Mas se estiver interessado, pode procurar...

Mas a polêmica deste texto não é se você lê ou não a bíblia nem se você quer ou não saber onde essas frases se encontram. O que quero discutir aqui é uma interpretação equivocada da primeira citação e da função do trabalho.

O equivoco é que a partir da afirmação bíblica: "Comeras o teu pão com o suor do teu rosto", tenta-se afirmar que o trabalho é uma punição para a transgressão que se convencionou chamar de "Pecado Original"

Não vamos discutir se o "primeiro casal" pecou ou não pecou. O que se quer discutir aqui é a própria concepção de Deus. E então se pergunta: Deus é bom ou mau? E a resposta uníssona é que Deus é bom. Deus é a própria bondade. E, como conseqüência de sua bondade, perdoa. Tanto perdoa que, afirma o cristianismo, mandou seu próprio Filho para redimir o homem de sua situação de pecado. Assim sendo – Deus sendo bondade e perdão – não pode ter deixado que o homem – mesmo pecador – passasse a vida toda pagando por um pecado que outro cometeu. Além disso, admitir que o trabalho seja uma punição pelo pecado original é afirmar que Deus é vingativo. E isso não cabe no conceito de extrema bondade, que é Deus. Pois a bondade leva ao perdão.

Portanto, podemos continuar com a visão de e com a afirmação de pecado original, que, aliás, é um dogma cristão.

Além disso temos a segunda frase. A afirmação de Cristo: "O meu pai trabalha sempre". Se Cristo é Filho de Deus (e, portanto, Deus também) afirma que seu Pai (Deus) "trabalha sempre" é porque o trabalho não é algo absolutamente negativo e nem uma punição por causa de algum ato ilícito, como é o caso do chamado "pecado original". Caso o trabalho fosse uma punição o próprio Deus estaria se penitenciando, ao trabalhar sempre.

Portanto, se Jesus, que é Filho afirma que seu Pai trabalha sempre é por que Deus Pai dedica-se a alguma atividade, constantemente. E, se Deus Pai trabalha, o trabalho não pode ser visto como punição pelo pecado, pois até onde se sabe, Deus não pecou. Sendo assim o trabalho nem pode ser visto como punição nem pode ser visto como algo negativo, pois se Deus Pai "trabalha sempre" o trabalho só pode ser algo tremendamente bom, pois os atos de Deus são bons. Os atos divinos são o bem.

Disso nasce uma conclusão, quase que necessária. Se "comer o pão com o suor do rosto" não é uma condenação, o trabalho não é, conseqüentemente, uma punição; e se Deus trabalha sempre o trabalho é coisa muito boa, pois Deus só faz o que é bem e o que é bom. A partir disso é que se pode dizer que o trabalho é uma das formas de o homem se humanizar. O homem ganha dignidade se for um homem trabalhador. Pelo trabalho os atos humanos se aproximam dos atos divinos e, portanto, possuemuma dimensão enaltecedora do homem. E, do lado oposto o homem que deixa, propositadamente de trabalhar, desumaniza-se. O que é a situação do mendigo se não uma degradação do ser humano?

Qual é, portanto a função do trabalho? O trabalho tem a função de humanizar o homem; tem a função de conceder dignidade ao homem; tem a função de conceder honradez ao homem.

Nesse ponto pode-se, inclusive, lembrar aqueles versos da música do Gonzaguinha, que diz:

Eu vejo que ele berra, eu vejo que ele sangra,/ A dor que traz no peito, pois ama e ama. / Um homem se humilha, se castram seu sonho. / Seu sonho é sua vida e a vida é trabalho / E sem o seu trabalho um homem não tem honra / E sem a sua honra se morre, se mata. / Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz...

Com isso quis apenas fazer um resgate da função do Trabalho. O trabalho não é uma punição do homem pecador, pois Deus, extrema bondade, não seria capaz de se vingar de toda a humanidade por causa de um ato de um casal. O trabalho é uma ação divina e, sendo assim o homem que trabalha aproxima-se de Deus. Mais do que humanizar, mais do que dar dignidade, mais do que conceder honradez, o trabalho tem a função de aproximar o trabalhador de Deus. Com isso chega-se ao ponto mais importante: o trabalho tem a função de divinizar o homem, aproximando-o de Deus, pois pelo trabalho o homem se torna co-criador do mundo; pelo trabalho o homem continua a obra criadora de Deus; pelo trabalho o homem recria, constantemente o mundo.

Neri de Paula Carneiro

Colégio Galileu Galilei

Rolim de Moura


Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação

Filósofo, Teólogo, Historiador

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