TOLERÂNCIA E DIGNIDADE
Publicado em 13 de junho de 2016 por Nivaldo Aparecido Pedro Monteiro
TOLERÂNCIA E DIGNIDADE
As mudanças ocorridas nas sociedades contemporâneas influenciaram o pensamento jurídico, onde Institutos foram valorizados e a transdisciplinariedade tem marcado as relações entre os diversos campos do Direito, em especial aqueles que têm ligação direta com os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, alicerces de um verdadeiro Estado Democrático de Direito[1].
A dignidade humana tem como base os Fundamentos do Estado Democrático de Direito, a proteção à honra, nome, reputação, imagem e vida privada.
Tolerância e dignidade humana poderiam ser temas tratados nos cursos de direito, nos cursos de filosofia, sociologia, psicologia ou de arquitetura, porque na verdade são temas que não envolvem somente uma ciência, nós poderemos dizer que mesmo tempo esses dois temas fisicamente separados, são temas que se complementam ‘Tolerância e dignidade’.
A dignidade humana é entendida como um meta-princípio, supra-princípio, até dito por alguns “super-princípio” acima do qual nada mais há, mas, essa dignidade humana deve ser entendida, antes de tudo, como uma relação entre os povos, por isso há a ligação com a tolerância, com o pluralismo, com a forma de viver no mundo democrático. Sempre se imagina a democracia como um governo da maioria, mas, não é só isso, é um governo da maioria preservando os direitos das minorias. Pensando desta maneira, estamos de novo tolerando as diferenças. A partir do momento que nós estamos trabalhando com estes conceitos, nós percebemos que um contém o outro ou está nele contido.
A dignidade talvez seja o gênero, do qual, a tolerância, o pluralismo, o multiculturalismo e as diversas formas de olhar, seriam as espécies.
A tolerância pode ser encarada como uma espécie de vivencia em comum sabendo respeitar e conviver com esta própria diferença.
Se buscarmos a interpretação do que é tolerar, encontramos que tolerar é aguentar, é suportar, é conviver. Entramos assim na democracia, as pessoas suportam, toleram e convivem com as diferenças e com as diversas formas de ser. Mas, mais do que tolerar e suportar é conviver, aí entra a dignidade, conviver e tolerar com respeito, com atenção, com uma forma de ser e estar num ir e vir.
A tolerância nós poderemos dizer, aliás, como foi sugerido para a discussão, uma tolerância jurídica, - O que a lei nos permite? Uma tolerância social, - O que uma sociedade, uma comunidade permite? O que a relação entre os povos de um mesmo Estado, de uma mesma Nação, de uma mesma região ou de um universo como um todo.
Uma das grandes discussões que hoje em dia se coloca é a tolerância religiosa, que envolve uma visão de respeito às diversas formas de credo, de crença, de acreditar num ser maior, acreditar num poder maior, supra e acima de todos.
E o que é esta tolerância em termos religiosos? É saber respeitar e conviver com este tipo de diferença, com este tipo de ambiguidade que é uma característica do ser humano e da dignidade humana, a grande ambiguidade é a dignidade humana como a característica maior do ser humano, acima de qualquer outro ser vivo, porque somos racionais, sentimos e agimos segundo a nossa razão, nem sempre, mas assim é o pensamento filosófico.
E imagina-se que o direito ou a visão jurídica poderia resolver essa diferença ou impor uma tolerância. Na verdade, não há esse pipo de imposição. A visão jurídica nada mais faz do que criar um espaço num campo de convivência de coabitação entre os povos, entre os integrantes de uma mesma Nação, de um mesmo país, ou até de uma região, como é o caso da União Europeia. Mas, nada disso vai resolver ou impor, se não estiver introjetado o “respeito”, se não estiver introjetado o “querer” em uma sociedade.
Chegamos assim à conclusão de que não é a lei que impõe a dignidade humana, ninguém tem dignidade humana pela lei e a lei não dá e nem tira a dignidade humana de ninguém. A dignidade humana é um constructo maior que independe da lei, nós poderemos dizer que é algo que suplanta qualquer regra jurídica e até social. O Estado não dá e nem tira a dignidade, pois ela faz parte da personalidade do direito natural, da própria existência de cada um de nós enquanto seres humanos.
A dificuldade está em saber até onde ou como podemos tratar esta dignidade. Aí entramos novamente na discussão, a dignidade deve ser tratada com tolerância, com respeito, com diversidade, com formas diversas de olhar o mesmo problema. O que é digno para um pode não ser digno para outros, o que é respeitador para um também pode não ser para outro. Diante destes dois conceitos, voltamos novamente à discussão entre dignidade e tolerância, entre religiosidade e laicidade, entre direito e ética. Pode parecer contradição, mas na verdade eles se complementam, porque na verdade, todos esses conceitos, todas essas formas de ver, fazem parte de um mesmo espectro de visão de uma mesma visão maior, que é a visão de uma sociedade hoje globalizada. Quando nós falamos em globalização lembramo-nos de meios científicos, meios informáticos, tecnológicos. A globalização trouxe estes avanços, mas, trouxe também os problemas de uma sociedade globalizada que sente as mudanças econômicas, políticas e sociais de imediato.
Então, nós temos globalizados os avanços, a tecnologia, mas, sempre temos também globalizadas as angustias que fazem com que nós convivamos com estas diferentes formas de olhar.
Um pensador francês, filosofo e contemporâneo, Edgar Morin[2], fala muito da forma de se observar o mundo, o chamado “olhar do observador” cada um olha um acontecimento da sua rua, da sua cidade, do seu estado, do seu país, ou do seu mundo de uma forma.
Se várias pessoas olharem o mesmo acontecimento, necessariamente várias visões nós teremos diferentes e isso não quer dizer que uma tenha que sobrepujar a outra. São formas diferentes de olhar segundo a formação econômica, cultural, política, social e religiosa de cada uma delas. “Uma forma diferente de olhar”. E aí nós teremos também uma forma diferente de tolerar determinados fatos.
Para algumas sociedades, determinados comportamentos, são tolerados de formas diversas do que em outras Nações. Essa tolerância muitas vezes pode não afetar os direitos fundamentais ou em especial a dignidade humana, mas, em outros Países, afeta. Podemos dar como exemplo clássico, que em Países não democráticos, não se tolera manifestação contra o poder central e nem contra o governo.
Em Países de visão mais fundamentalista, em especial, religiosa, não se tolera a igualdade entre homens e mulheres, em outros não se tolera a manifestação de determinadas categorias. Isto tem a ver, com as diversas formas de olhar, que devem ser respeitadas, no entanto em uma coisa nós devemos ser intolerantes que é com o desrespeito a dignidade humana e com o desrespeito a liberdade dos cidadãos. Até onde nós devemos tolerar a intolerância?
Há pouco tempo se discutiu no mundo o apedrejamento de uma mulher no Irã. Será que isso é tolerável? Será que pelos costumes, ou por leis, o mundo tem que tolerar isso?
Importante é saber que no sentido de dignidade humana, a dignidade não tem limite, mas, a tolerância tem, por isso que a dignidade humana é um supra princípio que está acima de todos, e ele é realmente um vetor quase que para a humanidade universal, enquanto que para a tolerância nós temos que saber até onde tolerar, por isso que a dignidade é um gênero, tendo várias espécies, entre elas a tolerância. A dignidade é um todo, enquanto que a tolerância é uma parte, é uma espécie. Temos que saber que há limites inclusive para a tolerância, nós não podemos mais tolerar afetações a dignidade humana, aos direitos fundamentais e a liberdade.
Na escala dos direitos fundamentais, entre as características, uma delas é a limitabilidade, visto que não há direito absoluto. A própria vida tem limitações, no Brasil, em seu ordenamento infraconstitucional há limitações. Podemos exemplificar estas limitações no que diz respeito a legitima defesa, ao estado de necessidade e ao estrito cumprimento do dever legal. Pode-se tirar a vida diante destas circunstancias.
Há limitações referentes à hipótese do aborto necessário[3] do artigo 128 do Código Penal, quando a gravidez resultar de estupro ou houver risco de vida a gestante. E há limitação à vida no ordenamento condicional no que diz respeito à Constituição Federal no caso de guerra externa declarada, no entanto a dignidade humana é o único direito, o único princípio que não encontra limite, porque a dignidade é um atributo da própria personalidade do ser humano acima de qualquer outro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
COSTA, José de Faria. Direito Penal Especial. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
COSTA, José de Faria & SILVA, Marco Antonio Marques da. Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais: Visão Luso – Brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coordenação) Tratado Luso Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
MONTORO, L. Franco Montoro: democrata e estadista. In: Lafayette Pozzoli; Carlos Aurélio Mota de Souza. (Org.). Ensaios em homenagem a Franco Montoro. Humanismo e Política. São Paulo, 2000.
MORIN, E. (1996). A noção de sujeito. In D. F. Schnitman (Org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas.
POSNER, A. Richard. Failure of capitalism: the crisis of ’08 and the descent into depression. Harvard University Press, 346p.
SAYEG, Ricardo Hasson; Balera, Wagner. O Capitalismo Humanista. São Paulo: KBR Editora Digital Ltda., 2011.
Sen, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SILVA, Marco Antonio Marques da (coordenação) Processo Penal e Garantias Constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
[1] Prof. Dr. Marco Antonio Marques da Silva. Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1981), mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1991), doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995), livre-docente pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo(1999) e pós-doutorado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2005)(Portugal);
[2] Edgar Morin: Antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu de origem sefardita. Pesquisador emérito do CNRS. Formado em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia.
[3] Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico: Aborto Necessário. I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.