TERCEIRA EPÍSTOLA DE JOÃO

Uma análise histórica, literária e teológica

Gadiel de Santana Lima

 

RESUMO

O presente trabalho discorre sobre a terceira epístola de João, através de uma análise histórica, literária e teológica da mesma. As maiores discussões que a envolvem giram em torno de sua autoria, canonicidade e posição singular no Novo Testamento. Sua relação com as demais cartas atribuídas ao apóstolo João, assim como o diálogo entre a teologia joanina e paulina são abordados no presente texto. Aspectos gerais como o contexto e época de sua redação também são observados e, atrelados aos aspectos literários, formam um conjunto de informações valioso para a compreensão da obra. A teologia da epístola, muitas vezes tida como pouco relevante, é apresentada como um complemento corroborativo de temas abordados nas outras cartas do apóstolo.

PALAVRAS-CHAVE

Epístola; Carta; 3João; Teologia; História; Literatura.

INTRODUÇÃO

Entre os livros do Novo Testamento, pouca relevância tem sido dada a terceira carta de João, ao longo da história e das últimas décadas um grande volume de obras foi produzido na tentativa de detalhar e esclarecer a mensagem do texto bíblico, em especial do NT, entretanto, percebe-se que pouca atenção foi dada ao escrito e questão. Geralmente sua análise é atrelada aos demais escritos joaninos de maneira que o olhar sobre esta epístola, chega a ser mais geral do que particular, até mesmo sua entrada no cânon neotestamentário estava estritamente ligada à sua associação aos demais escritos de João. Neste artigo não tentaremos introduzir algum tipo de novidade na discussão joanina, nem analisaremos criticamente o avanço alcançado em relação à terceira carta, nossa tentativa é de evidenciar que nos muitos aspectos do saber histórico, literário e teológico, este milenar escrito tem sobrevivido ao escrutínio e demonstrado suas credenciais divinas. Intentamos reunir informações relevantes para satisfazer nos diversos campos, as mentes que desejarem um contato mais aprofundado com esta valiosa obra canônica.

   1. ASPECTOS HISTÓRICOS

   1.1 Nome

Dois entendimentos coadunam para a composição do nome deste escrito, o primeiro é o formato ou estrutura textual em que se desenvolve o documento, demonstradamente uma carta (ou epístola) com remetente e destinatário, com saudações inicial e final, e com um propósito claro e pessoal de troca de informações. O segundo entendimento, advindo da tradição eclesiástica, é de que esta carta foi escrita pelo discípulo direto de Jesus, o apóstolo João, que viveu até avançada idade e que no final do século primeiro escreveu uma coletânea de três cartas (1, 2 e 3 João) endereçadas à pessoas ou igrejas específicas localizadas na região da Ásia menor, sendo o documento em questão, a terceira carta escrita pelo apóstolo.

   1.2 Data e lugar

A história nos mostra que no final do século primeiro o último apóstolo a continuar vivo era João, filho de Zebedeu e irmão de Tiago. Após ser sentenciado à reclusão na ilha de Patmos sob a autoridade do imperador Domiciano, João teria permanecido preso durante alguns anos até que finalmente foi liberto e encerrou seus dias em Éfeso. Tendo em vista os aspectos históricos do momento e o entendimento de que Éfeso teria sido o lugar de falecimento e encerramento do ministério de João, a redação desta carta tem sido situada na Ásia Menor entre 90 d.C. – 100 d.C. Há quem defenda uma data posterior, alegando que as citações mais antigas dos pais da igreja sobre esta carta são da primeira metade do segundo século, porém muitos eruditos têm detectado grandes semelhanças internas e externas entre as três cartas de João, como a linguagem, teologia e os aspectos socioculturais que as permeiam, chegando a conclusão de que elas foram escritas na mesma época ou imediatamente uma após a outra, preferindo a última década do primeiro século como período para sua redação.

   1.3 Autor

Tradicionalmente, tem-se atribuído a autoria deste documento ao apóstolo João, que andou com Jesus e era considerado seu discípulo mais próximo. Em associação com o Evangelho e as duas primeiras epístolas que carregam seu nome, desde os tempos patrísticos João tem sido apontado como o autor, mais precisamente como o “Presbítero”, assim se apresenta o remetente da carta. Porém esse entendimento não é absoluto, há quem defenda que João o “Apóstolo” e João o “Presbítero” são inexoravelmente pessoas distintas.

Um relato antigo de Pápias, discípulo de João que viveu entre 70 d.C. – 140 d.C. seria a causa de todo o debate em relação a essa distinção, ele diz:

“Se então, qualquer um veio, que tenha sido um seguidor dos anciãos [presbíteros] – eu o questiono em relação às palavras dos anciãos [presbíteros] – o que André ou o que Pedro disse, ou o que foi dito por Filipe, ou por Tomé, ou por Tiago, ou por João, ou por Mateus, ou por qualquer outro discípulo do Senhor, e que coisas Aristion e o presbítero João, os discípulos do Senhor, dizem” (NPNF2, vol.1, C.H.3.39.4, ênfase adicionada).

Eusébio ao registrar os pensamentos de Pápias concorda que tal declaração pressupõe a existência de um outro João conhecido como o Presbítero, além do apóstolo. Segundo Bryan Litfin1, essa conclusão é equivocada pois o trecho citado não implica que Pápias está fazendo distinção entre o apóstolo e o presbítero, mas que ele está traçando um paralelo, um contraste entre os discípulos que já estavam mortos e os que, naquele momento, ainda viviam.

Litfin conclui:

“Os discípulos de Jesus são consistentemente chamados de “presbíteros” neste texto, então não há razão para se criar um ‘João, o Presbítero’ distinto do Apóstolo. A palavra presbítero era simplesmente um termo usado por Pápias para se referir a um Apóstolo na passagem.”

Excetuando-se a ambígua citação de Pápias, ao compararmos esta carta às duas primeiras, percebemos grandes semelhanças de estilo, linguagem e temas, somando isto ao que majoritariamente a tradição eclesiástica tem proposto, é razoável manter o entendimento de que João, o Apóstolo é o autor da terceira epístola, e que o mesmo também era conhecido como “o Presbítero” pelas comunidades que pastoreava e para as quais escrevia.

   1.4 Canonicidade

De modo geral, as três cartas de João, juntamente com seu Evangelho e Apocalipse, têm sido reconhecidas e aceitas pelas comunidades cristãs desde primeiros séculos, com exceções regionais3, podemos traçar uma breve linha do tempo que comprova a utilização, e aceitação de tais escritos pelos primeiros cristãos até sua “oficialização” nos concílios eclesiásticos posteriores.

Em 170 d.C. o Cânon Muratório lista 23 livros no Novo Testamento, incluindo as três epístolas joaninas e omitindo apenas Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro. Analogamente, a Antiga Latina, uma versão do Novo testamento em Latim que circulava pela igreja ocidental antes do ano 200 d.C., também continha os mesmos livros. Em 206 d.C. o Códice Barocócio também conhecido como “Os sessenta livros” incluía 64 dos 66 livros canônicos, com exceção de Ester no Antigo Testamento e Apocalipse no Novo. Em 340 d.C. Eusébio de Cesaéria em sua obra “História Eclesiástica” nos informa que, de maneira geral, todos os 27 livros no Novo Testamento eram aceitos, havia ainda algumas vozes discordantes, e ele pessoalmente rejeitava o apocalipse, mas num contexto geral os questionamentos eram inexpressivos e a aceitação era majoritária. Atanásio de Alexandria em 373 d.C., e posteriormente Agostinho de Hipona corroboram com a lista de todos os 27 livros do NT. Ainda no quarto século os Concílios de Hipo (393 d.C.) e Cartago (397 d.C.), respectivamente, endossam a mesma lista. Tendo em vista tais depoimentos históricos, podemos dizer que estamos pisando em terreno sólido ao afirmar a canonicidade da terceira epístola de João, e que a mesma foi recebida e preservada pelas comunidades cristãs dos primeiros séculos como revelação divina e digna de aceitação.

   2. ASPECTOS LITERÁRIOS

   2.1 Gênero

Gêneros Literários são tipos ou formas de composição em que o conteúdo de um texto é apresentado. Segundo Leland Ryken, “os dois principais gêneros da Bíblia são a narrativa e a poesia, dentro dessas duas categorias se acham inúmeras subcategorias”. A partir da percepção e consciência literária para com o texto que estamos lidando, podemos saber o que esperar do mesmo. Para Ryken, “quase todas as páginas da bíblia estão repletas de técnicas literárias”, e não seria diferente com relação ao texto que compõe a terceira epístola de João. O documento que estamos a analisar desde o início, pode ser definido como uma epístola, que em seu sentido básico não seria muito diferente de uma carta comum, porém a título de precisão e coerência é preciso fazer uma breve distinção. Os documentos que comumente chamamos de “epístolas” no Novo Testamento geralmente diferem, ligeiramente, de uma carta comum do primeiro século. Enquanto numa simples carta encontramos, basicamente, tratamentos pessoais e troca de informações comuns, o formato epistolar do NT também incorpora doutrinas e algumas vezes desenvolvimentos teológicos tão intensos que poderiam ser tidos como “tratados” da teologia cristã do século I, assim como instruções para a atividade religiosa das comunidades cristãs. Além disso, geralmente é direcionado a uma igreja ou comunidade específica, ainda assim, por hora, vamos continuar utilizando os termos “carta” e “epístola” de forma intercambiável.

    2.2 Estrutura

A estrutura da epístola, apesar de simples, aponta para a intenção e o estilo do autor, o mesmo tipo de estrutura e a forma como os temas são abordados e concatenados nesse texto, também lembram as outras duas cartas do apóstolo João. Podemos estruturar a carta em 4 partes, de acordo com os versículos:

  • Saudações: o autor se dirige a Gaio e lhe deseja prosperidade (1-3);
  • Conclusão e Despedida: o autor adverte Gaio, elogia Demétrio pelo seu testemunho de vida cristã   e se despede (11-14).
  • Exortações: o autor informa seu desgosto com as atitudes de Diótrefes e o desprezo por sua autoridade apostólica (9,10);
  • Elogios: o autor elogia a hospitalidade dada por Gaio aos demais irmãos viajantes (5-8);

    2.3 Comparação Epistolar

Ao analisar os escritos atribuídos ao apóstolo João, bem como os escritos dos demais autores do Novo Testamento, conseguimos estabelecer um padrão pelo qual podemos visualizar as semelhanças e diferenças entre as demais obras e a terceira carta joanina.

Segundo Louis Berkhof:

“As cartas [2,3 João] mostram íntima afinidade com 1 João... Vários conceitos e expressões nos lembram claramente de 1 João, como, por exemplo, “caridade”, “verdade”, “mandamentos”, “amar a verdade”, “andar na verdade”... Além disso, o objetivo destas cartas é, de modo geral, o mesmo que o da primeira, fortalecer os leitores na verdade e no amor...”.

Sobre a segunda e terceira cartas Berkhof pontua,

“Em ambas o autor se denomina o ancião, ou o presbítero; elas têm aproximadamente o mesmo tamanho; cada uma delas, diferente da primeira epístola, começa com um endereçamento e termina com saudações; ambas contém uma expressão de alegria; e ambas se referem a pregadores itinerantes, e a uma visita tencionada pelo autor”.

No que diz respeito às outras epístolas do Novo Testamento, vale compararmos o estilo de João com o de Paulo, o maior escritor neotestamentário, em termos de volume de obras epistolares. Werner de Boor em seu comentário das cartas de João observa que “em linguagem, estilo e conteúdo as três cartas de João possuem uma peculiaridade singular... João escreve de maneira muito diferente de Paulo, tampouco admite comparação com Pedro ou Tiago.”

O Dr. Werner prossegue pontuando algumas das principais diferenças entre os dois escritores neotestamentários:

“Paulo versa em suas cartas sobre uma sequência de temas isolados, dedicando um trecho a cada um deles, [Ele] tenta conquistar os leitores por meio de uma apresentação explicativa e demonstrativa, João, no entanto, possui algumas grandes verdades fundamentais, as quais retornam repetidas vezes...; Enquanto Paulo se esforça para fundamentar suas declarações e torná-las compreensíveis aos seus leitores, João simplesmente confronta seus leitores com as verdades decisivas em sentenças breves e radicais, sem qualquer tentativa de justificativa ou explicação...; Ao contrário de Paulo, João não é um teólogo sistemático, em cada passagem ele está completamente tomado pela verdade que deseja propor aos seus leitores...”. 

 

    3. ASPECTOS TEOLÓGICOS

    3.1 Características e Propósito

Das três epístolas, a terceira é a mais pessoal de todas. A primeira é direcionada provavelmente às várias comunidades cristãs da Ásia; a segunda é dirigida à “Senhora eleita”, que divide opiniões sobre ser uma referência a uma cristã piedosa e sua família ou figuradamente a igreja em si; com isso em vista, a terceira carta é a que indica com mais precisão seu destinatário, apesar de também haver questionamentos quanto ao seu remetente, como falamos no tópico sobre autoria. João escreve para alguém chamado Gaio, segundo Champlin (2015, p. 843) “o nome é próprio de uma adaptação do latim, Gaius, que significa ‘estou alegre’, era um nome pessoal comum entre os romanos”, sobre ele não temos quase nenhuma informação a não ser o que é falado na própria carta. No novo Testamento há três menções a alguém chamado Gaio além da que está contida na terceira epístola (At 19.29; At 20.4; 1Co 1.14), ao longo da história a pessoa a quem João se refere tem sido identificada com alguma dessas outras, porém nada de concreto pode ser alcançado devido à escassez de informações.

João menciona outros dois nomes na carta, Diótrefes e Demétrio. O primeiro tem sido visto como 1) um líder da igreja local que havia desprezado a autoridade apostólica de João e de maneira descortês, porém de alguma forma influente, conduzia a comunidade e rechaçava os viajantes negando-lhes a devida hospitalidade, ou 2) um membro da igreja admirado por alguns que usava de sua influência para se colocar arbitrariamente em uma posição de autoridade, resistindo à instrução apostólica. Russel Champlin menciona a possibilidade de Diótrefes ser um gnóstico que havia pervertido a doutrina da igreja e arrebanhado alguns com a sua filosofia, porém esse não é o entendimento majoritário. Demétrio, por outro lado, foi bastante elogiado pelo apóstolo, e ao que tudo indica era um cristão reconhecidamente importante para a igreja. Seu nome vem da palavra grega Demeter e significa “Pertencente à Demeter”, se refere a uma deusa pagã da agricultura, filha de Cronos e Rea. Além disso nada mais sabemos sobre ele.

Elogios, exortações e admoestações formam o conteúdo da epístola; a hospitalidade é o tema principal mencionado tanto em louvor dos que a praticavam, quanto em dissabor dos que a desprezavam. Tendo em vista que o cristianismo do primeiro século era visto com desconfiança por muitos e se desenvolvia de forma marginal devido à perseguição, a hospitalidade para com os necessitados, e especialmente para com os missionários itinerantes que viajavam constantemente a fim de pregar o evangelho do Messias, era algo intensamente incentivado entre os cristãos. Quando isso foi colocado em cheque, o idoso apóstolo se viu motivado a escrever esta epístola com o propósito de repudiar os que desprezavam tal prática de amor, e enaltecer os que a abraçavam, “a hospitalidade era um dos traços marcantes da sociedade judaica e tornou-se também uma característica dos cristãos primitivos”.

3.2 Teologia

Como foi anteriormente observado, o idoso apóstolo João, provavelmente de Éfeso, escreve esta curta epístola para Gaio, um membro de uma das igrejas sob sua supervisão na Ásia menor. Apesar de seu pouco conteúdo doutrinário expressamente ligado a questão da hospitalidade, é possível perceber as menções à assuntos mais amplos e diversos que o apóstolo abordou em suas outras duas cartas (3Jo 3,4,11). Duas palavras se destacam no texto grego quando lemos com atenção. Amor (ágape) e verdade (alethéia) aparecem constantemente, para ser mais exato “amor”, 6 vezes (versos 1,2,5 e 6), e “verdade” 7 vezes (versos 1,3,4,8 e 12), numa carta tão curta com apenas 15 versículos a repetição dessas palavras é expressiva.

Podemos extrair vários entendimentos dessa observação, 1) elas indicam um mesmo autor já que podemos encontrar as mesmas menções em todos os outros escritos joaninos; 2) explicam o pouco conteúdo doutrinário da carta, pois em escritos anteriores o presbítero já os tinha desenvolvido, 3) demonstram a intenção do autor em instruir seu leitor ou leitores a permanecer na verdade apostólica e no amor de Deus, compreendendo e praticando tais conceitos em seu viver diário.

Antes de mencionar seu tema principal, o apóstolo evidencia seu desejo de que Gaio seja “bem sucedido em todas as coisas e que tenhas saúde assim como a tua alma vai bem” (3Jo.2). De tal declaração é possível sugerir alguma das seguintes conclusões: 1) Gaio possuía alguma enfermidade, ao menos temporária, e que João está aqui desejando sua restauração física; 2) Gaio tem sido prestativo em seu auxílio aos viajantes e a igreja local de tal maneira que isso o tem desgastado fisicamente, nesse caso João estaria lhe sugerindo um descanso pessoal para lhe renovar o vigor; 3) João está simplesmente incentivando Gaio a permanecer no mesmo espírito saudável de piedade para com os demais irmãos, assim como sua alma permanece saudável espiritualmente. Pelo contexto, a primeira ou a terceira opções nos parecem alternativas mais coerentes.

João exprime alegria em relação à Gaio pelo seu caráter observado por outros e levado ao conhecimento do apóstolo, ele diz: “não tenho maior alegria do que esta: ouvir que os meus filhos andam na verdade” (3Jo.4). Ele prossegue elogiando a conduta de Gaio em cuidar e atender aos demais irmãos e principalmente aos estrangeiros, e finaliza a sessão de elogios orientando para que ele continue nesse caminho “digno de Deus”, e dizendo que todos aqueles irmãos “testemunharam do teu amor diante da igreja” (3Jo.6).

Em seguida explica o motivo de se conceder a devida atenção aos peregrinos, ele escreve: “pois foi por causa do Nome que saíram sem aceitar nada dos gentios. Portanto devemos acolher os que forem como eles, para que sejamos cooperadores da verdade” (3Jo.7). A referência ao nome aqui deve ser entendida como o nome do Senhor, a Bíblia King James Fiel 1611 traz uma nota pertinente ao versículo em questão:

“Até hoje, muitos judeus ortodoxos se referem a Deus por meio de um de seus muitos títulos honrosos: Hashem “O Nome”, como sinal de reverência, e crendo que assim evitam mencionar o nome do Senhor em vão. Os missionários enviados por João foram fiéis ao princípio de não aceitar ofertas dos gentios (aqui enfatizando o sentido de incrédulos e pagãos, além de não judeus). A obra de Deus deve ser sustentada pelo povo de Deus, pois o mundo que não quer receber o Senhor, também não deve financiar a igreja e os projetos de evangelização. Sustentar os obreiros do Senhor é um privilégio dos crentes, pois estão investindo nas vidas dos que levam “o Nome” ao mundo, especialmente aqueles que se dedicam integralmente à obra e não têm outra fonte de sustento (1Tm 5.17 -18), e porque esta é uma boa e prática maneira de nos tornarmos cooperadores missionários com Deus (Rm 15.24; Fp 4.15 -19).”

A partir do verso nove João expõe suas queixas contra Diótrefes, que assim como Gaio era um membro da igreja local, sobre sua identidade assim como a de Demétrio, detalhamos mais acima no tópico “Características e Propósitos”. Ele diz que escreveu uma outra carta à igreja em questão, porém não encontrava apoio em Diótrefes, a BKJ Fiel 1611 comenta que “a carta na qual João pede a igreja, para receber a sua comitiva de missionários, não foi preservada, é possível que Diótrefes tenha simplesmente a destruído, já que seu personalismo era maior que o seu amor pelo Senhor e sua obra”. A partir daqui o apóstolo expressa seu desprazer com as atitudes do membro insubmisso, pois o mesmo resistia a autoridade apostólica “proferindo palavras insensatas e maldosas contra nós [contra o apóstolo](3Jo.10) e não praticava nem incentivava a prática da hospitalidade entre os irmãos, na realidade o texto é claro ao afirmar que ele “proíbe de fazê-lo [a hospitalidade] os que querem recebê-los [os demais membros] e ainda os exclui da igreja.” (3Jo.10).

Em seguida, João orienta seu destinatário para que “não imites o mal, mas sim o bem, quem faz o bem é de Deus, mas quem faz o mal não viu a Deus” (3Jo.11), a marca que distinguia a verdadeira conversão de Gaio e Demétrio, da religiosidade inóspita de Diótrefes era a constância no bem de Deus. Demétrio é louvado por conta de seu tríplice testemunho, o apóstolo faz questão de observar sua honra e conduta ilibada diante dos homens, diante de seu presbítero, e diante de Deus.

Por fim, a carta se encerra com a promessa do apóstolo de, brevemente, lhes fazer uma visita. Ele diz que tinha muitas outras coisas para escrever, o que sugere outros assuntos importantes que o apóstolo gostaria de tratar com relação àquela comunidade, ou individualmente com Gaio, mas ele prefere resolver tais assuntos pessoalmente. Ele finaliza com saudações ao destinatário e a outros a quem ele carinhosamente chama de amigos, uma possível referência a amigos íntimos do apóstolo ou simplesmente um termo usado para se referir aos demais irmãos, os que assim como Gaio, permaneciam submissos à autoridade joanina.

CONCLUSÃO

Diante de tudo exposto até aqui, é possível chegar a algumas conclusões a respeito desse precioso escrito que é a terceira epístola de João. Em primeiro lugar, constatamos que pouco se foi falado na história a respeito da mesma, se comparada aos demais escritos joaninos, tanto por sua estrutura epistolar de curta extensão, quanto pelo fato de ter sido uma carta bastante pessoal, diferente das demais epístolas neotestamentárias, apesar de muitas delas terem sido de fato enviadas a indivíduos, contudo foram dirigidas às igrejas associadas a tais indivíduos, ao que parece, a terceira carta joanina tinha um propósito particular, mais acentuado do que as demais.

Em segundo lugar, sua existência é de extrema importância para ampliar nosso entendimento sobre a eclesiologia, e teologia joaninas. Ela reforça conceitos pré-estabelecidos pelo apóstolo em escritos anteriores, e evidencia o cuidado pastoral do idoso João, em relação às comunidades que supervisionava. Através das cartas temos um vislumbre alargado da personalidade do último apóstolo, o que contribui significativamente para a compreensão de seus escritos.

Por fim, vale ressaltar que o conteúdo teológico da carta, ainda que singelo e breve, de maneira alguma é inexpressivo ou insignificante. Nela encontramos declarações impactantes que tinham por objetivo instruir e fortalecer a fé de seu leitor. Ao afirmar que, “aquele que faz o bem é de Deus, mas quem faz o mal não viu a Deus” (3Jo. 10), o apóstolo está estabelecendo um princípio moral e teleológico para todo aquele que experimentar de Deus. A fé cristã não deve ser encarada como um conjunto de ritos e protocolos exteriores vazios em si mesmos, mas como o desembocar do poder e do conhecimento de Deus naqueles que ele escolheu para si.