Fabio Roger de Oliveira

Henrique de Melo Campos

João Victor Fonseca Dumont

Laura Campos de Carvalho

Resumo: Este artigo apresenta as teorias de internacionalização das firmas e um estudo de caso da empresa Camil. O objetivo é avaliar o processo de internacionalização da Camil e identificar o modelo que mais se adequa a ele, revelando convergências e divergências entre o que a teoria propõe e o que efetivamente foi executado.

Palavras-chave: Teorias de internacionalização. Poder de Mercado. Ciclo de Vida. Paradigma Eclético. Uppsala. Camil.

INTERNATIONALIZATION THEORY AND THE CAMIL PROCESS

Abstract: This paper presents the internationalization theories of firms and a case study of the company Camil. The objective is to evaluate the internationalization process of Camil and to identify the model that best suits it, revealing convergences and divergences between what the theory proposes and what was actually executed.

Keywords: Theories of internationalization. Market Power. Life cycle. Eclectic Paradigm. Uppsala. Camil.

INTRODUÇÃO

            As teorias de internacionalização das firmas e produção internacional podem ser baseadas numa perspectiva econômica ou organizacional. A perspectiva econômica está focada no investimento, comércio internacional e na produção enquanto a perspectiva organizacional avalia a maneira que a firma se comporta para se inserir no ambiente e competição do mercado internacional. (HEMAIS, 2004)

            O presente trabalho tem por objetivo avaliar o processo de internacionalização da Camil. De acordo com a perspectiva econômica serão avaliadas as teorias do Poder de Mercado de Hymer, do Ciclo de Vida do Produto de Vernon e do Paradigma Eclético OLI de Dunning. Já na perspectiva organizacional será avaliada a teoria de Uppsala.

PODER DE MERCADO

            A teoria de Poder de Mercado de Hymer tem como principal interesse de análise o investimento direto estrangeiro (IDE) se contrapõe ao paradigma neoclássico que considera o investimento internacional uma decisão de portfólio onde o fator mais importante é a taxa de juros. A teoria de Poder de Mercado propõe que o comércio internacional não é definido por um equilíbrio estático dado pelas condições de financiamento, mas por um processo dinâmico em que são levadas em consideração riscos, incertezas, barreiras, bem como custos de transação e de levantar informações que justificariam diferenças de taxas de juros internacionais.  (HEMAIS, 2004)

            Hemais (2004) explica que a teoria do Poder de Mercado foi desenvolvida no contexto de uma organização industria e aborda o investimento direto estrangeiro a partir da questão do controle de firmas no exterior com o objetivo de eliminar competidores internacionais e assim elevar sua participação no mercado. A aquisição de capacidade instalada é então motivada por dois fatores:

  • Eliminação do conflito: poucas empresas competindo no mercado o que permite lucros mais elevados;
  • Posse de vantagens: posição de liderança no exterior a partir de vantagens como ganhos de escala.

Segundo Hemais (2004) os custos iniciais da internacionalização são bastante elevados e podem haver práticas discriminatórias em relação as empresas estrangeiras, tanto por parte da demanda quanto por parte do governo. As firmas procuram obter poder de mercado no setor em que atuam através de uma estrutura oligopolista a nível mundial, limitando a possibilidade de surgimento de novos competidores tendo como principal motivação a busca por lucros mais elevados. Neste contexto são ainda consideradas características fundamentais do país onde as empresas se instalam o câmbio, tecnologia, qualificação da mão de obra, perfil da demanda, regime tributário, sistema judiciário e regulações do setor de atuação.

PARADIGMA ECLÉTICO

            O Paradigma Eclético, é considerado o mais completo modelo econômico para explicar a internacionalização da produção. Criado por John Dunning, ele apresentou este conceito pela primeira vez em um simpósio em Estocolmo em 1976.

[...] John Dunning escreveu mais de 30 artigos e livros sobre o Paradigma Eclético da Produção Internacional, atualizando-o, incorporando contribuições e se defendendo de críticas. A realidade mostra que este modelo continua forte e atual. (STAL, 2011) [...]

            Stal (2011) explica que o Paradigma Eclético compara se as filiais apresentam um comportamento semelhante as empresas locais, ou se é análogo às matrizes e explica o desempenho das empresas a partir de três componentes. O especifico de localização (L – location), o especifico de propriedade (O – ownership) e a vantagens de internalização (I – internalization).

            Segundo Stal (2011) quando as filiais apresentam rendimentos equiparáveis ao da concorrência local, mas ainda assim, menor do que o da matriz, isso se deve às particularidades intransferíveis da economia local da matriz, isso ele chama de componente especifico de localização. Este componente se refere a vantagens que determinado país apresenta como custos mais baixos, disponibilidade de matéria prima, mão de obra, mercado consumidor capaz de absorver a produção etc.

            Para Stal (2011) se o fato da matriz ter resultados melhores que o das filiais fosse o modo como os gestores da matriz gerenciavam, poderia facilmente transferir este poder de um país para o outro. Este componente, ele denominou como efeito especifico de propriedade.

[...] No simpósio de 1976, ao explicar a atividade das empresas fora de suas fronteiras nacionais, Dunning estendeu as vantagens de O e L, incluindo um novo conjunto de escolhas que as empresas poderiam fazer: gerar e/ou explorar suas vantagens específicas de propriedade internamente, ou vender essas vantagens ou os seus direitos através do mercado, para outras empresas. ( STAL, 2011) [...]

            Vieira (2009) destaca que o componente propriedade está relacionada a teoria de Poder de Mercado de Hymer no sentido de que a expertise adquirida pela empresa em seu próprio país pode ser aplicado em suas filiais internacionais de maneira que a empresa obtenha vantagens competitivas e aumente sua participação nos mercados internacionais. Porém, como visto, de acordo com o Paradigma Eclético o poder de mercado é apenas uma das questões a serem avaliadas no processo de internacionalização e não a única como propõe a teoria do Poder de Mercado de Hymer.

            Segundo Vieira (2009) o último componente denominado vantagens da internalização se refere as vantagens competitivas internas, aos custos de transação. Em outras palavras, a decisão de internacionalizar ao invés de exportar leva em consideração questões como câmbio e conhecimento do mercado local que pode significar vantagens competitivas importantes para a empresa.

            Vieira (2009) destaca ainda que o processo de internacionalização integra os três componentes do paradigma eclético e tem como motivação:

[...] (a)  Acesso a recursos (resource seeking): tem por objetivo o acesso a recursos naturais ou a trabalho com baixo custo. (b)  Acesso a mercado (market seeking): tem por objetivo acesso ou atendimento a um mercado específico. (c)  Acesso à eficiência (efficiency seeking): tem por objetivo a divisão mais eficiente de trabalho ou especialização de um portfólio de ativos externos e internos. (d)  Acesso a ativos estratégicos (strategic asset seeking): tem por objetivo proteger e aumentar as vantagens específicas da empresa ou reduzir a dos seus competidores. (VIEIRA, 2009) [...]

CICLO DE VIDA DO PRODUTO

            O modelo criado por Raymond Vernon, publicado pela primeira vez no Quartely Journal of Economics em 1966, foi denominado pelo próprio autor como uma saída aos problemas dos modelos da Teoria de Comércio em explicar o motivo pelo qual, no período após a Segunda Guerra Mundial, as empresas americanas que exportavam para países da Europa decidiram mudar sua estratégia para investimento direto em plantas e fábricas para a produção de seu produto nestes países. As teorias de comércio para o autor não consideravam elementos importantes como “a cronologia das inovações, as economias de escala e a ignorância e incerteza decorrentes da informação limitada.” (Martins, Pessoa; 2007) que influenciavam assim como a dotação de fatores na principal razão da empresas se internacionalizarem, as mudanças nas vantagens comparativas de custos.

            O modelo segue o produto em três diferentes fases: produto novo, produto em maturação e produto padronizável. A explicação no modelo de Vernon pela qual uma empresa decide investir diretamente na produção passa pelo “ciclo de vida” deste produto. Se baseia, especificamente, em produtos de inovação a serem consumidos por famílias de alta renda, e que a empresa deve estar interessada em usar cada vez menos mão de obra (Vernon, 1966). Premissas que sustentam o modelo são de que o sucesso de um produto ou até mesmo de uma marca possui um ciclo de vida, que se inicia na inovação, e passa pelas fases de maturidade do produto, saturação do mercado nacional, exportações e investimento direto no país estrangeiro.

            Definindo rapidamente o ciclo para Vernon (1966), o início, ou a fase do produto novo é dada como momento onde os produtos são altamente diferenciados devido ao “caráter assimétrico da dinâmica inovativa” (MARTINS; PESSOA, 2007). Os momentos iniciais são caracterizados por condições de monopólio, com lideranças na tecnologia da produção por parte de um pequeno número de firmas. O segundo momento do produto, ou a maturação do produto, inverte a dinâmica de concorrência: com um maior número de firmas produzindo, a elasticidade preço-demanda do produto aumenta, e também a busca pelas melhores condições de produção. O processo leva a uma standartização da produção, na busca por economias de escala e melhoras nas estruturas de custo da produção (MARTINS; PESSOA, 2007). Essa maturidade do produto levaria ao fim das vantagens do monopólio da inovação, e traria à tona discussões sobre a possível instalação de fabricas fora do país para reduzir mão de obra e obter mais vantagens nas estruturas de custos. As decisões específicas de exportar ou internacionalizar a produção vão depender das vantagens comparativas de custos após o momento de saturação do mercado nacional pelo monopólio. De acordo com Martins e Pessoa (2007) “[...] poder-se-ia inicialmente cogitar que enquanto o custo do produto marginal mais o custo com transportes dos bens exportados forem inferiores ao custo unitário da produção potencial no mercado importador, não haverá razões para investimento direto no exterior.”. Essa afirmação nos mostra que para o modelo de Vernon, só será interessante internacionalizar a produção caso seja mais barato que exportar. Segundo Martins e Pessoa (2007), o resultado dessas condições de concorrência e do foco nas vantagens comparativas de custos leva a fase final do produto, a fase de padronização onde as estruturas de custos estão muito mais ligadas aos fatores de produção e custos de transporte do que aos custos de inovação. A decisão de localização se torna mais relevante que a tecnologia industrial por estar mais ligada aos custos tradicionais da produção e aos ganhos de escala na produção.          O próprio Vernon reconhece o excesso de simplificação do modelo, com seus principais problemas sendo que em seu modelo, os países ricos inovam para a população de alta renda, ou seja, os produtos da elite tem alto teor de inovação agregada em si, eventualmente havendo inversão entre o custo de inovação e de produção, sendo o produto capaz de se produzir com ênfase em capital, em escala, e não se preocupar com tecnologia industrial.

            Segundo Martins e Pessoa (2007) foi ele também que reconheceu, posteriormente, que a partir da década de 70 os produtos passaram a serem mais “globais”, com introdução simultânea do mesmo produto em diferente mercados pela firma: perdem-se as condições de monopólio relacionada à inovação e preocupa-se mais com estruturas de custos que a proximidade com a matriz inovadora já na fase do produto novo. Outra nova curiosidade é que os produtos no modelo de Vernon são ultimamente standartizados: não existem produtos customizados ou personalizáveis, o que dificulta a produção mudar-se para longe do mercado que disputa.

UPPSALA

            A partir de 1970, pesquisadores suecos, desenvolveram um importante trabalho sobre internacionalização de empresas, baseado não somente em teorias econômicas, como era de costume. Este trabalho era orientado pelas teorias de comportamento organizacional principalmente, estas teorias abordam outros fatores além dos puramente econômicos. Como fatores culturais, organizacionais da empresa em questão e características dos seus administradores. Este trabalho foi desenvolvido na universidade de Uppsala (ROSA,2010).

            Os três primeiros teóricos a explicar este trabalho da universidade de Uppsala foram: Johanson e Wiedersheim-Paul (1975) e Vahlne (JOHANSON e VAHLNE,1997 e 1990) citados por Rosa (2010). Sendo que estes reconhecem a distância psicologia entres os países como fator importante para o modelo. Os pesquisadores observaram que as empresas faziam pequenos investimentos no novo pais e aos poucos os investimentos era aumentado. Neste conceito todo o investimento e feito em forma de aprendizado, quanto mais conhecimento se tem a respeito do outro pais mais se investe. (ROSA,2010).

[...] Os autores da teoria sugerem três estágios de desenvolvimento gradual: atividades de exportação irregulares, atividades de exportação por meio de representantes, escritórios de vendas e produção local, sendo que reconhecem que nem todas as empresas seguem todos os estágios. (SALVADOR; DRUMMUND; PORTO, 2009, p. 4) [...]

            De acordo com Johanson e Wiedersheim-Paul citados por Salvador;Drummum;Porto (2009), as empresas negociam com países culturalmente mais próximos, sendo que grandes diferenças culturais dificultam o comércio entres os países.

            Segundo Johanson e Wiedersheim-Paul citados por Salvador; Drummund; Porto (2009), são três pressupostos básicos para o modelo de Uppsala:

  • A falta de conhecimento é o maior obstáculo em processos de internacionalização;
  • O conhecimento necessário à internacionalização é principalmente adquirido através das operações atuais da empresa em determinado mercado-alvo;
  • A empresa internacionaliza suas operações investindo recursos de maneira gradual.

            Umas das principais críticas, parte do pressuposto que muitas empresas, pulavam estágios do modelo ou simplesmente entravam em mercados bem distantes no que se refere a distância psíquica. (HEMAIS; HILAL, 2003)

            Diversos estudos destacaram a importância do network para imersão de uma empresa em outro pais, o que reduz significativamente a importância da distância psíquica e do crescimento gradual de acordo com Coviello e Munro citados por Carvalho e Dib (2012).

            As críticas ainda sugerem que muitas empresas já se internacionalizam desde seu nascimento, com as novas tecnologias de comunicação as empresas têm grande facilidade em buscar informações a respeito de outros países, de acordo com McDougall, Shane e Oviatt citados por Carvalho e Dib (2012).

HISTÓRICO DA CAMIL

            A Camil é uma das maiores empresas do setor de Alimentos do Brasil e da América do Sul e suas atividades estão focadas na industrialização, comercialização e distribuição de grãos, açúcar e pescados enlatados. A empresa teve início em 1963, no estado do Rio Grande do Sul expandiu suas atividades para São Paulo já na década de 70. Na década de 80 a marca Camil foi colocada no mercado e o primeiro centro de distribuição foi aberto em São Paulo. Na década de 90 a sede da companhia foi transferida para São Paulo e a empresa expandiu sua atuação para novos mercados, como por exemplo o feijão, além de ter admitido a entrada de um fundo de private equity no capital da companhia. A expansão através de aquisições foi a principal estratégia de crescimento adotada a partir do ano 2000. Atualmente, a Camil atua no Brasil, Uruguai, Chile, Peru e Argentina através de marcas reconhecidas e líderes de mercado. (CAMIL, 2017)

[...] No mercado brasileiro, a organização é a líder em market share entre os principais fabricantes e marcas de arroz (marca Camil), e na comercialização de açúcar refinado (marca União), bem como ocupa o 1º lugar no mercado de sardinha enlatada e o 2º lugar no mercado de atum enlatado (marca Coqueiro) e também o 2º lugar no mercado de feijão (marca Camil), conforme indicado pela pesquisa da Nielsen Scantrack, de maio de 2017. A companhia também é a líder no mercado de arroz no Uruguai (marca Saman), Chile (marca Tucapel) e Peru (marca Costeño). (CAMIL, 2017, p. 236) [...]

            Segundo Camil (2017), a empresa não atua como produtor e não possui área de plantio. A Camil adquire os produtos diretamente com os produtores e realiza as atividades de beneficiamento, empacotamento e comercialização do produto final. A empresa também atua no fornecimento de infraestrutura de secagem, classificação e armazenamento, suprindo essas necessidades dos produtores que não realizam essas atividades.           

PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA CAMIL

            Camil (2017) descreve que o processo de internacionalização da companhia iniciou-se em 2007 com a aquisição da S.A. Molinos Arroceros Nacionales no Uruguai. Em 2009 foi adquirida a Tucapel S.A. no Chile. A Costeño Alimentos S.A.C foi adquirida em 2011 no Peru. Ainda no Peru, a Ormus foi adquirida em 2012 enquanto a Envasadora Arequipa S.A.C foi adquirida em 2013, ambas através da Costeño, subsidiária da Camil no país. A La Loma Alimentos S.A. foi adquirida na Argentina, também em 2013. Já Romero Trading S.A. foi adquirida no Peru em 2014.

[...] A Companhia possui 29 (vinte e nove) unidades de processamento e também 18 (dezoito) centros de distribuição na América do Sul. Tem 14 (quatorze) unidades industriais no Brasil que atendem os segmentos de grãos, açúcar e processamento de pescados. Fora do Brasil, possui 8 (oito) plantas para beneficiamento de grãos no Uruguai, 3 (três) no Chile, 3 (três) no Peru e 1 (uma) na Argentina. Sua capacidade de produção anual é de 1.760 mil toneladas de grãos, 727 mil toneladas de açúcar e, cerca de 60 mil toneladas de pescado. No Brasil, atende aproximadamente 20.000 clientes por meio de sua força de vendas e plataformas de distribuição, que também permitem que os produtos da Companhia estejam presentes em, aproximadamente 285.000 pontos de venda, de acordo com a Nielsen. Adicionalmente, exporta seus produtos para mais de 50 países. (CAMIL, 2017. p 241) [...]

            Segundo Camil (2017), mais da metade da população do planeta tem como base de alimentação o arroz, foco do processo de internacionalização da companhia. Aproximadamente  Indonésia, China, Índia, Brasil e Estados Unidos são principais produtores mundiais respondendo por 63,10% da produção global e 60,10% do consumo mundial.

            Camil (2017) observa o preço internacional do arroz segue uma dinâmica que é sensível as oscilações da produção e dos estoques globai, bem como por políticas governamentais dos principais países exportadores, como Tailândia, Índia e Vietnã, e  importadores, como China, Filipinas e Nigéria. Neste ambiente, os grandes processadores, como é o caso da Camil, utilizam tecnologia de ponta nos processos de secagem, armazenagem, transformação, comercialização e venda de seus produtos, aumentando sua capacidade de processamento o que permite obter vantagens competitivas e preferência no relacionamento com os produtores, que formam um mercado mais pulverizado.

            Camil (2017) destaca a posição de liderança da companhia nestes processos nos países em que atua, como pode ser observado na tabela 1:

Tabela 1 - Principais produtos, marcas e países

Fonte: Nielsen apud Camil (2017)

A tabela 2 demonstra a distribuição da receita líquida da companhia resultante da atuação da Camil no Brasil em comparação com suas subsidiárias no exterior.

Tabela 2 -  Receita líquida por segmento

Fonte: Camil (2017)

ANÁLISE DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA CAMIL

Avaliando o processo de internacionalização da Camil, é possível encontrar características claras que se adequam a teoria de Poder de Mercado. A estratégia se deu através da aquisição de empresas líderes em seus países o que lhe permite vantagens competitivas tanto no mercado doméstico (Brasil) quanto nos países onde atua.

Por outro lado, o produto de atuação da Camil não apresenta características de oligopólio. Ainda que a Camil tenha participação relevante, o mercado mundial de arroz é enorme e pulverizado. Os preços internacionais são fortemente influenciados pelos principais países produtores e consumidores localizados no continente asiático onde a companhia não tem atuação. Desta forma a Camil é uma tomadora de preços do mercado mundial e não tem grande poder de determinar preços nos mercados onde atua. Uma tentativa de praticar preços acima do mercado mundial poderia induzir o aumento das importações. Portanto neste ponto a teoria do Poder de Mercado diverge do processo de internacionalização implementado pela Camil.

            Em relação ao Paradigma eclético, a Camil apresenta os três pilares necessários para se encaixar no modelo. A matriz da empresa está localizada no Brasil e responde por mais de 2/3 do resultado da empresa, ficando os outros 1/3 divididos entre suas subsidiárias localizadas no Uruguai, Chile e Peru. Os países onde estão as filiais, tem juntos um resultado de 26% do receita total da empresa,  contra o restante de 74% da matriz.

            As vantagens de propriedade são evidenciadas por sua posição de liderança, conforme descrito na análise de poder de mercado. As vantagens de localidade aparecem na relação com os produtores locais que caracterizam um mercado bastante pulverizado. Assim, estando presente no país e sendo uma grande processadora, a Camil é capaz de desenvolver um bom relacionamento com os produtores locais na busca por matérias primas de boa qualidade e a custos reduzidos. Já as vantagens de internalização proporcionam um maior conhecimento do mercado local em relação a competidores, fornecedores e clientes, bem como a aspectos legais e relacionados às regulações setoriais. A internacionalização permite portanto a redução de custos de transação, ganhos de eficiência e vantagens competitivas.

            O poder explicativo do modelo de Vernon é fraco, uma vez que seus produtos de exportação são pouco tecnológicos no processo produtivo, e menos ainda na fase de inovação em produto. Além de ser muito mais ligado ao capital e aos ganhos de escala que à inovação tecnológica, os produtos da Camil são produtos tradicionalmente para a maior parte da população, sendo menos consumidos pela elite. Em sua fase de amadurecimento, o produto contaria com vantagens de inovação tecnológica, o que não é o caso do arroz, feijão e enlatados da Camil. Sua força de mercado é dada não pela inovação do produto mas pela eficiência nas etapas de beneficiamento e secagem, distribuição e outras fases da comercialização do produto, reduzindo a estrutura de custos. A padronização, importante característica do modelo, confirma a expansão da Camil no mercado nacional em suas origens com suas plantas e unidades de beneficiamento que padronizam o produto de diferentes produtores, e que geram ganhos de escala.

         Com um maior market share no Brasil que seus concorrentes, a Camil iniciou seu processo de internacionalização com a aquisição de empresas consolidadas nos mercados nacionais da América do Sul. Contrário ao que diz a teoria de Vernon, a escolha de novos mercados não veio da nova demanda pelo produto inovador, mas pela demanda já existente de um produto altamente padronizável, acessível e popular, e a Camil busca então internacionalizar em mercados similares ao brasileiro, comprando marcas já consolidadas nos mercados em busca de ganhos de escala cada vez maiores, cortando custos como de transporte e armazenamento do produto caso fosse exportado e não internacionalizado. Devido à essas incoerências entre o processo de internacionalização da Camil e a teoria de Vernon, o modelo de Ciclo de Vida do Produto não serve como aparato explicativo para tal internacionalização da firma.

            No modelo de Uppsala são considerados três processos fundamentais para uma empresa se adequar totalmente dentro do modelo.

  • A falta de conhecimento é o maior obstáculo em processos de internacionalização;
  • O conhecimento necessário à internacionalização é principalmente adquirido através das operações atuais da empresa em determinado mercado-alvo;
  • A empresa internacionaliza suas operações investindo recursos de maneira gradual.

            Baseado nos três pressupostos básicos. E notável que a Camil seguiu os dois primeiros, escolheu países próximos e que ela detinha grande conhecimento e logo se instalou nestes países, adquirindo conhecimento do mercado alvo. Entretanto a empresa não seguiu o último pressuposto. A Camil deveria começar suas atividades no exterior de forma amena e com o passar do tempo, ir aumentando gradativamente o investimento no pais em questão. Mas na pratica a Camil já começou forte no outro pais, adquirindo grande empresas.

            Dificilmente atualmente uma empresa vai seguir rigorosamente o modelo de uppsala, em um mundo globalizado as informações são captadas de forma mais rápida e assim pula alguns estágios do modelo de uppsala. A Camil é um exemplo desta conclusão.

CONCLUSÃO

            Após analisar as teorias de internacionalização, é possível identificar aspectos do processo de internacionalização da Camil na teoria de Poder de Mercado. Porém estes aspectos são melhor explicados pelas vantagens de propriedade do Paradigma Eclético, já que que dificilmente a empresa atingirá uma posição de monopólio no mercado de arroz.

            É possível identificar ainda aspectos da teoria de Uppsala no processo de internacionalização da Camil no sentido da aquisição de conhecimento sobre os mercados-alvo da internacionalização. Mais uma vez o Paradigma Eclético explica estes aspectos através das vantagens de internalização.

            O Paradigma Eclético também se adequa ao processo de internacionalização da Camil em relação as vantagens de localização o que pode ser identificado pela relação da companhia com os produtores locais.

            Desta forma, é possível concluir que a teoria do Paradigma eclético é o que mais se aproxima e melhor explica o processo de internacionalização da Camil.

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