Thiago B. Soares

A ideologia é um termo tão empregado ultimamente, entretanto esse uso desloca seus possíveis sentidos filosóficos para ser pensada pelo senso comum como simplesmente ideia ou conjunto de ideias. Em oposição a essa forma de se pensar a ideologia, faremos um sumular levantamento de seu emprego, ou melhor, seu desdobramento a partir do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831). Em outras palavras, qual o efeito de ideologia no pensamento dessa eminência parda da Filosofia, de quem outro pensador revolucionário bebe o conhecimento para formular o Materialismo Histórico.

Marilena Chauí (1984) passa em revista sobre o histórico do uso do léxico ideologia, chega a Destutt de Tracy como sendo um dos primeiros a utilizar a palavra como o corpus de uma ciência da gênesis das ideias. Todavia, em Hegel não há um uso contumaz como em Tracy ou mesmo em Marx, nesse sentido o primeiro se distancia dos demais pelo fato de entender a História como motor do pensamento humano e o inverso, ou seja, pensar não é senão construir o que a cultura na qual vivemos permiti. Noutros termos, podemos perceber uma forma dialética da realidade com o ser humano, quer dizer, Hegel concebe razão como sendo a própria História, grosso modo, como ele próprio diz.Russell (1968, p. 288) expõe a esse respeito:

A razão – diz Hegel – é a certeza consciente de ser toda a realidade. Isto quer dizer que uma pessoa isolada é toda a realidade; em sua separação não é totalmente real, mas o que é real nela é sua participação na Realidade como um todo. À medida que nos vamos tornando mais racionais, esta participação vai aumentando.

 

Posto isso, não obstante o tom um tanto quanto jocoso a se referir à razão hegeliana, Bertrand Russell dá indícios sobre a compreensão do pensamento dialético do filósofo alemão, porquanto é nessa toada que a tese se desdobra em antítese, essa por sua vez, chega à síntese (é importante ressaltar que nossa racionalidade efetivamente faz parte desse processo intrincado).

Numa palavra, ideologia em Hegel é a razão da qual a História é o manancial do Espírito Absoluto. Para compreender a pressuposição dessa concepção hegeliana ninguém melhor do que o próprio pensador, para quem a ideia de Razão tem uma compreensão fundamental:

A questão de como a Razão é determinada em si e o que é sua relação para com o mundo coincide com a questão: qual é o objetivo final do mundo? Esta questão pressupõe que o objetivo seja realizado e compreendido. Duas coisas devem, então, ser levadas em consideração: em primeiro lugar, o conteúdo deste objetivo final, a sua determinação como tal e, em segundo lugar, sua compreensão(HEGEL, 2008, p. 61; itálico do autor).

 

A passagem acima pode se mostrar relativamente simples, contudo carrega muito do pensamento nada ingênuo do autor, portanto merecendo uma glosa de Robert Hartman na qual tem-se:

A História para Hegel, “é o desenvolvimento do Espírito no Tempo, assim como a Natureza é o desenvolvimento da Ideia no Espaço”. Se compreendemos esta sentença, compreendemos a Filosofia da História de Hegel. Todo o sistema de Hegel é construído em cima da grande tríade: Ideia – Natureza – Espírito. A ideia-em-si é o que se desenvolve, a realidade dinâmica do depois – ou antes- do mundo. Sua antítese, a ideia-fora-de-si, ou seja, o Espaço, é a Natureza. A Natureza, depois de passar pelas fases dos reinos mineral e vegetal, se desenvolve no homem, em cuja consciência a Ideia se torna consciente de si (2008, p.21).

 

Visto isso, Hartman proporciona uma chave de fundamental importância para compreender a ideologia em Hegel, e até mesmo em Marx, qual seja, a tríade tese, antítese e síntese. Diante disso, temos a concepção de ideologia como sendo o intrincado dialético entre essas três instâncias. Em poucas palavras, a ideologia em Hegel é o complexo entendimento da Ideia, o antes ou depois do mundo (quiçá a primeira manifestação divina), Natureza, espécie de negação da Ideia (rasteiramente, a matéria) e o Espírito, que, a seu turno, é o ponto no qual o sentido se estabelece para o processo continuar ad infinitum.

Com efeito, Hegel cinde com seus anteriores, tendo grandes contribuições para o pensamento moderno, mas retorna para a filosofia a metafísica com seu Espírito Absoluto, que não é senão, entre outras coisas, Deus, quem ao conhecer o processo dialético de desenvolvimento da existência plena de tudo éad hoc o Todo plasmado em seus constituintes. E é justamente contra toda e qualquer metafísica no sistema hegeliano que Karl Marx (1818- 1883) lutara para erigir a teoria do Materialismo Histórico na qual o conceito de ideologia alcança status que jamais teve antes.

 

Referências

CHAUÍ, M. O que é ideologia. São Paulo: Abril cultural: Brasiliense, 1984.

HARTMAN, R. S. O significado de Hegel para a História. In: Hegel, G. W. F. A razão na História: uma introdução geral à Filosofia da História. 3ª ed. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2008.

HEGEL, G. W. F. A razão na História: uma introdução geral à Filosofia da História. 3ª ed. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2008.

RUSSELL, B. História da Filosofia Ocidental. 3ª ed. Trad. Breno Silveira. São Paulo: CODIL, 1968.