Tempos de vitória   

No ano de 5.026 d.C., enquanto degustam algumas cápsulas de vitamina concentrada com energético ionizado no sofá de flutuação magnética, o pai e o filho de 11 anos conversam:

― Puxa, pai, como eu gostaria de ver o Brasil jogar uma Copa do Mundo!

― Eu sei, meu filho. Sempre tive esse desejo e até agora, aos 142 anos, ainda não pude ver.

― Mas pai, o senhor nunca viu o Brasil numa Copa sequer?

― Não, meu filho, infelizmente...

― Caramba! Será que nunca veremos...?

― Espero que sim, filho, afinal, é o esporte mais popular do mundo há milênios e é muito triste não participar dessa festa mundial.

― São tantos países menos conhecidos que já participaram e nós...

― Pois é, meu filho, é muito chato assistir a uma Copa e não torcer pela nossa seleção.

― É claro que ver o time ganhar o torneio é pedir demais, mas, pelo menos, podíamos marcar presença...

― Tem razão. A gente não consegue vencer nenhuma partida das eliminatórias para a Copa. Só cumprimos tabela. Somos a maior zebra do continente Americano-Asiático. Pena que não disputamos mais as vagas só com as seleções da antiga América do Sul.

― Como assim, pai? Não entendi.

― Bem, é que eu estudei uma vez na hi-tech school que a Ásia e a América já foram, um dia, dois continentes separados. Aí as placas tectônicas, ou seja, a parte sólida que sustenta os continentes, juntaram-se ao longo de muitos séculos, reunindo os dois continentes num só. Por sua vez, alguns continentes eram grudados e se separaram.

― Ah, tá... Quer dizer que o Brasil já disputou as vagas da Copa do Mundo com menos adversários?

― Exatamente. Além disso, havia pouco mais de duzentas nações no mundo. Hoje, porém, com os separatismos e independências políticas de inúmeros povos ao longo da história, são mais de oitocentas...

― Puxa, é até difícil imaginar que o Brasil tenha permanecido tão grande e unido por tantos séculos, né pai?

― Bem, isso deve ter sido graças ao futebol principalmente.

― Mas então o Brasil já teve melhores chances de participar e mesmo assim nunca deu essa alegria aos torcedores?

― Não, meu filho, o Brasil parece que... sim! Agora estou me lembrando... O Brasil já disputou algumas Copas sim!

― Já?!!

― Já, sim! E mais do que isso: já ganhou também!

― Já ganhou também?!! Puxa! Não acredito, pai! O senhor tem certeza? Não está falando isso só pra me agradar?

― Tenho certeza, sim, meu filho. Agora lembro que, há muito tempo atrás, vi umas gravações do seu tataravô Elídio em que ele me contava essas histórias.

― Mas eu não conheço esse tataravô, pai.

― Sim, eu sei. Mas não importa. Está tudo gravado e eu posso te mostrar nos arquivos da família.

― O senhor quer dizer que essas Copas que o Brasil disputou estão gravadas nos arquivos da família?

― Bem, não exatamente. É que eu tenho gravado alguns vídeos do seu tataravô Elídio contando essas histórias e eu posso usar aquele programa que faz a ressonância digital dos pensamentos de quem está gravado e depois usar o programa que decodifica e digitaliza em imagens esses pensamentos e, assim, poderemos ver as imagens e informações que estavam na memória do seu tataravô no momento da gravação.

― Legal, pai! Vamos logo fazer isso!

Ao chegarem ao escritório onde está o supercomputador que guarda os vídeos da família, o pai acessa a gravação em que seu tataravô fala sobre as conquistas do Brasil que ouvira na infância pela boca de seu pai. Conforme Elídio fala, o pai do garoto vai parando a imagem e decodificando os pensamentos do patriarca, resultando em novas imagens e informações acessadas pelos dois.

― Aqui diz que seu tataravô ouviu que o Brasil fora o único participante das Copas do século XX e das primeiras do século XXI.

― E quantas Copas ele ganhou, pai?

― Cinco, filho! Veja só: ele foi pentacampeão! Não é legal?

― Bem, não é como a Alemanha, que já ganhou 300 Copas, nem como a Itália, que já venceu 215, mas...

― Ora, filho. Algumas foram sorte... O adversário estava desfalcado na final...

― A Argentina já venceu também mais de 100 vezes...

― Mas também, depois que a Argentina teve um papa no Vaticano, uma cadeira cativa no Conselho Permanente da ONU e o antigo jogador Maradona à frente da FIFA por 20 anos, a Argentina não parou de levar vantagem política nas Copas. Sem falar que me contaram que sua primeira conquista foi comprando um peru chamado Quiroga, parece que em 1978 d.C.

― E o que isso tem a ver com a conquista da primeira Copa deles pai?

― Sei lá. Vai ver esse peru deu sorte para os argentinos. Deve ter virado mascote.

― Pai! Olha só! Ele está falando da primeira Copa do Mundo! Foi em 1930 da Era Cristã! Puxa, faz tanto tempo...

― Sim, e aqui diz que o Brasil participou, mas não foi muito bem, como sempre.

― Bem, pelo menos participou né pai? E quem são esses homens correndo na imagem? Estão fugindo de algum ataque separatista? E por que estão de pijama?

― Não, meu filho. Aqui diz que são os jogadores mesmo. E eles não estão de pijama. Era o uniforme de jogo da época.

― Pai. Aqui diz que o Brasil também participou das Copas seguintes. Legal!

― É, meu filho, parece que nós gostávamos mesmo de participar da festa. Agora vejo que tivemos alguns anos sem torneio por causa da Segunda Guerra mundial e... O quê? Não acredito! A Copa seguinte foi no Brasil! E a gente chegou na final!

― Como é? A gente disputou a final da Copa do Mundo? Quantas seleções disputaram esse mundial, três?

― Infelizmente, perdemos de virada para o Uruguai.

― Perdemos de virada?

― Sim. Não vencemos em casa.

― Puxa, pai. Não sabia que o Brasil era tão fraco já naquele tempo.

― Pois é. Aqui, o seu tataravô registrou na memória que foi uma grande tragédia. As pessoas deixaram o estádio no maior silêncio envolvendo uma aglomeração humana. Mas vamos continuar acessando as informações...

― Bem, aqui diz que perdemos a Copa seguinte, que foi num antigo país chamado Suíça. A Alemanha arrematou o seu primeiro mundial em cima da melhor seleção do torneio, uma tal de Hungria, e de virada também.

― Pai... E os títulos brasileiros?

― Aqui está, meu filho! Seu tataravô está se lembrando do primeiro título mundial do Brasil, em 1958! Puxa, mas como faz tempo isso! Mas aqui diz que foi inesquecível, principalmente porque foi nesta Copa que o mundo conheceu a maior lenda do futebol de todos os tempos. Até hoje, não surgiu alguém igual: Pelé.

― Pai, quer dizer que esse Pelé existiu mesmo?

― Claro, filho. Sabe aquela estátua ao lado da estátua da liberdade em Nova York que construíram há uns três mil anos? Pois é: é dele.

― Ah, quer dizer que aquela estátua é dessa lenda do futebol mundial? Eu jurava que era de algum jogador de basquete dos Estados Unidos.

― É, mas é do nosso maior atleta de futebol. Por causa dele, o Brasil ganhou três Copas do Mundo quase seguidas.

― Uau! Ele deve ter sido o mais respeitado jogador que já pisou nos gramados. E era brasileiro. Quer dizer que ele era da África e se naturalizou brasileiro, não é?

― Não, meu filho: ele nasceu no Brasil, mesmo. Numa cidade chamada Três Corações.

― Então taí porque ele ganhou três Copas: botou um coração exclusivamente em cada uma delas.

― É verdade, filho. Agora senta aí que vamos assistir aos seus gols nessas Copas.

Depois de ver os doze gols que Pelé marcara nos quatro mundiais de que participou, além dos demais gols marcados nas Copas de 1958, 62, 66 e 70, o menino, boquiaberto, perguntou ao pai:

― Pai, como eles conseguiam fazer isso? Por que os jogadores de hoje não fazem isso também?

― Não sei, meu filho. Estou tão surpreso quanto você.

― Pai, esses jogadores faziam os estádios os aplaudirem de pé. Na final de 70, os jogadores quase perderam toda a roupa para os torcedores!

― É verdade, meu filho. O Brasil era bom demais.

― E por que não é mais hoje, pai? Eles foram esquecendo como se faz com o passar dos séculos?

― Parece que sim, meu filho. A nossa seleção não é nem sombra desta que nós estamos vendo no holograma.

― Puxa, nossos ancestrais devem ter se divertido muito com essa seleção. Ela era a maior potência do futebol mundial! Que sonho!

― Mas ainda não acabou. Agora veremos a próxima Copa que ganhamos, a de 1978... Peraí, nessa Copa fomos só “campeões morais”, segundo nosso próprio técnico, um tal de Coutinho. A Argentina é que venceu com aquele lance do tal Peru.

― E por que fomos “campeões morais”, pai?

― Aqui diz que é porque não perdemos nenhum jogo.

― Ah, sim. Então acho que um tal de “Camarões” foi “campeão moral” na Copa seguinte, pois também não perdeu nenhum jogo, como diz aí. Xiii! Aí tá mostrando o Brasil perdendo para a Itália num tal estádio Sarriá, pai.

― É verdade filho. Contam que nesse dia o povo brasileiro chorou muito essa derrota.

― Por causa da eliminação, pai?

― Sim, também, mas principalmente porque quase ninguém ganhou os bolões país afora e perderam muito dinheiro. Mas vamos esquecer essas tristezas e ver a quarta Copa que o Brasil venceu. Aqui está: segundo a memória de seu tataravô, o Brasil venceu a Copa em 1994 d.C. contra, ora vejam, a Itália. Demos o troco.

― E quanto foi o jogo, pai?

― Bem, aqui mostra o jogo terminando empatado e sendo decidido nos pênaltis.

― O que é pênalti, pai?

― Ah, era uma antiga forma de decidir jogos. O chute era dado com a bola parada numa marca fixa no campo. O pênalti também poderia ocorrer durante a partida, quando um atacante recebia falta na área adversária. Veja como o Brasil venceu a disputa de pênaltis.

― Puxa, é mesmo! Aí fomos tetracampeões!

― Exatamente! E “campeões morais” também. Não perdemos jogo nenhum. Agora vejamos a próxima conquista... Foi em... Ah! Na Coréia do Sul e no Japão, dois países que se fundiram no oceano Pacífico e formam hoje o Japéia do Sul, pois a Coréia do Norte se autoexplodiu com testes nucleares. O Brasil se sagrou pentacampeão vencendo a Alemanha na final. Foi a primeira vez que as duas seleções se enfrentaram em Copas.

― Legal, pai! Vencemos a Alemanha e nos tornamos o primeiro país a ganhar cinco Copas. Que mais que o vô Elídio lembrou?

― Bem, aqui diz que a Copa seguinte foi na Alemanha e a Itália levou.

― E depois?

― Em 2010 a Copa foi na África do Sul e a Espanha venceu pela primeira vez.

― E depois?

O pai para um pouco e, surpreso, responde em voz baixa:

― A Copa de 2014 foi no Brasil de novo, meu filho...

― É mesmo, pai? Legal! Dessa vez ganhamos né?

― Não, filho. Infelizmente ficamos em quarto lugar...

― Puxa, pai, não diga! Bom, pelo menos deve ter havido alguma goleada brasileira, né?

― Sim, filho. Duas. Alemanha e Holanda.

― Beleza! Sabia que, pelo menos, o Brasil mostrou por que era o único pentacampeão até então – disse o filho, eufórico.

― Filho... na verdade... foi o Brasil que levou duas goleadas naquela Copa.

― Quê? Como assim? O Brasil é que foi goleado?

― Sim, filho. Sente-se e veja as imagens no holograma...

Depois de longos minutos de silêncio, ao ver os dez gols sofridos pela seleção Canarinho e o solitário gol brasileiro contra a Alemanha, o menino pergunta ao pai:

― Pai, por que essas imagens estão tão escuras e borradas no holograma?

― Acho que é porque seu tataravô Elídio tentou apagá-las da memória, meu filho. Mas não conseguiu...

Silêncio novamente.

― Pai?

― Oi, filho?

― Será que nessa Copa podemos dizer que fomos “perdedores imorais”?

Sem resposta.

― Pai?

― Sim, filho.

― Desligue esse holograma e vamos assistir àquele filme antigo, o “Transformers XXXVII”.