Templo do Amor


No Templo do Amor é aconselhado que se chegue aos pares. Urge que o foco do seu afeto esteja perto, para juntos se banharem nas águas do Templo.

Chegam um homem e seu cachorro, uma mulher e sua planta. Chegam homens e mulheres de toda sorte.

No Templo do Amor as mãos são dadas de olhos fechados. É onde se descobre a coisa mais importante sobre o amor. Deve-se dá-lo.
Pensa-se que não se tem, mas tem. Pensa-se que é difícil dá-lo, mas não é. As águas do Templo isso revelam, batendo nos calcanhares.

Chegam um pai e um filho. Chegam duas amigas que há muito brigaram, seguidas por uma mãe e um filho. Chegam dois irmãos, até então incapazes de superarem as diferenças.

Vez por outra aparece alguém que nos magoou profundamente. Tolice. No Templo do Amor se aprende a dizer: também já magoei profundamente.

Então aparece esse alguém. Que está querendo amor.

As águas já estão nos joelhos e todos em voz alta repetem:

Pessoas nos magoam porque tem medo.
Porque representamos para elas algo que desconhecem,
ou porque supõem que conhecem e por conseguinte negam.
Também já magoamos.


No Templo do Amor um olha para o outro, a outra, a cerimônia prescinde de afagos delicados, tocam-se as mãos, o coração, a fronte.

As imagens do Templo tem tons suaves, suas cores revelam os semblantes daqueles que descobriram a inutilidade do amor represado.

Chegam casais que já foram namorados, que já sentiram um pelo outro honesta amizade, chegam amigos que já foram inseparáveis, chegam noivos que fugiram, filhos que partiram, mulheres que sumiram. Conseguiram encontrar seu par e entraram no Templo de cabeça erguida e olhos semicerrados. Vem em busca de esperança. Vem atrás da válvula que lhes possibilite, de uma vez por todas, demonstrar a quem de interesse a pujança de seu sentimento.

O hierofante pede silêncio e indaga:

Quantas vezes já não senti medo? De nada serve o amor represado. De nada serve a justificativa para represá-lo. Justificativas são julgamentos disfarçados.

As águas estão na cintura, e um aroma refrescante toma conta do Templo. Incensos são acendidos.

Ora-se para dar e receber amor.

As sacerdotisas passam pelos presentes e resvalam suas mãos delicadas em seus corpos, um a um, orando baixinho a advertência do dia, que por sinal é sempre a mesma, em qualquer dia:

No jogo de dar e receber, a única vez que a quantidade conta
é na vez do amor. Que também é a única vez que não conta, pois se vem feito uma gota, já nos preenche, se vier como um dilúvio, aposto que não fará mal.

Elas piscam os olhos e sorriem.

As águas estão um pouco acima da cintura. São mornas e perfumadas, como a brisa da própria esperança que anima o caminho e faz brilhar o espírito.


O hierofante prossegue:

Esse dar e receber é um jogo estranho, por ser também a única vez onde o raciocínio não conta. Ou talvez conte, justamente por ser um outro tipo de raciocínio. Como saber? Não estamos acostumados. Às vezes temos tanto amor, e raciocinamos tanto, e dosamos tanto, a quem dar e como dar.

Subitamente toda água evapora. Quem lá esteve, afirma apenas que saiu revigorado.

Ora-se apenas para dar e receber amor.

As pessoas saem aos pares, como entraram. Fica-se lá o tempo que quiser, a cerimônia se repete num perpétuo ajuntamento de almas numa só intenção, dia e noite, à luz de velas ou à luz dos raios de sol que se fracionam nos vitrais. Como por encanto, as águas sobem e descem, silenciosas como o crescer da relva.

No Templo do Amor nunca se soube de qualquer represália a qualquer forasteiro. Não se aceitam donativos de vulto e tampouco se acata ataques de cólera e indignação.

Os forasteiros chegam e olham as imagens pintadas no teto, daqueles que descobriram a inutilidade de julgar o semelhante.

As águas sobem e descem.

O hierofante não raro improvisa, dizendo:

A vida é como um filtro, destinado a nos mostrar uma única razão - a de não confundir mais os gestos e as palavras que julgamos amor como não sendo, e vice versa.

Pessoas entram e saem.

As sacerdotisas piscam os olhos e sorriem murmurando:

- Temos tanto amor...