1. INTRODUÇÃO 

A presente abordagem trata de forma sucinta do teletrabalho, suas características, benefícios, desvantagens e (des)necessidades de aprimoramento quanto à legislação atual. Com efeito, o teletrabalho pode ser visto como um corolário do trabalho a domicílio. Sua origem advém das evoluções tecnológicas,sendo que seu desenvolvimento cada dia se torna mais recorrente à medida que a tecnologia avança. Exatamente pelo progresso constante é que se torna sempre necessário analisar suas imbricações e dificuldades, especialmente nesta quadra histórica em que a globalização tecnológica alcança índices inéditos e assegura instantaneidade de comunicação ao ser humano global.

Nessa senda, o teletrabalho entusiasma face à comodidade domiciliar que proporciona ao empregado, à desnecessidade de despender tempo de locomoção até o local de prestação de serviços, a redução de custos de manutenção de sede ao empregador, o aumento de privacidade do trabalhador. Por outro lado, destaca-se que tal autonomia e flexibilidade facilmente podem vir a se tornarem algozes do trabalhador que tem na sua residência o seu local de trabalho, que tem ao seu lado o contato com todo o aparato tecnológico para, por vezes, conectar-se ao mundo, o qual está em pleno funcionamento sempre, verdadeira modernidade líquida (ZygmuntBauman) ou hipermodernidade (Gilles Lipovetsky), fruto da pós-modernidade.

Entrementes, a realidade e, sobretudo nos dias atuais, e a necessidade do teletrabalho são inegáveis, notadamente levando-se em consideração à mobilidade urbana. Importa, dessa forma, que se aprimore (especialmente no Brasil, cuja regulamentação é singela) o tratamento jurídico destinado a essa espécie de relação laboral com o fito de garantir que o Judiciário cumpra seu papel de pacificação social de conflitos, e não se torne o principal ator responsável pelo enquadramento do referido instituto no ordenamento jurídico brasileiro. 

  1. DESENVOLVIMENTO 

2.1 Conceito de teletrabalho

Na acepção da doutrina de Pinho Pedreira (2000), o teletrabalhador conceitua-se como sendo aquele que: (a) executa o trabalho a distância, ou seja, fora do lugar em que o resultado do trabalho é esperado; (b) o empregador não fiscaliza fisicamente o desenvolvimento das atividades; (c) a fiscalização do labor é efetivada por meio de aparelho informático ou telecomunicativos.

Interessa, nesse ponto, salientar que o próprio Autor refere a existência de certa divergência acerca do tema, ao passo que refere a doutrina da italiana PAOLA BORGNA (apud PEDREIRA, 2000), sublinhando que a mesma defende a existência de teletrabalho mesmo que o trabalhador não esteja ligado à sede da empresa. 

Na doutrina da Alice Monteiro de Barros, verifica-se, em que pese não de forma fechada, um conceito aproximado:

Aliás, essa nova forma de trabalhar poderá ser também transregional, transnacional e transcontinental. Esse tipo de trabalho permite até mesmo a atividade em movimento. Ele é executado por pessoas com média ou alta qualificação, as quais se utilizam da informática ou da telecomunicação no exercício das atividades (BARROS, 2009, p. 327).

Cumpre, ainda, destacar que o teletrabalho não necessariamente deverá ser exercido a partir do domicílio do trabalhador, podendo, haja vista a facilidade garantida pelos meios tecnológicos, ser promovido através de outro posto hábil a lhe viabilizar o exercício da atividade a qual é atribuído a realizar.

De toda sorte, verifica-se que o conceito de teletrabalho ainda padece de lapidação, a qual talvez não tenha ocorrida face às constantes possibilidades de exercício do teletrabalho que se apresentam anualmente. Interessa, porém, destacar que há no direito comparado exemplos de absorção de mínimos conceituais junto à legislação – seja pela via legislativa ou sindical. Como exemplo, pode-se citar o código de trabalho português[1], que contém de forma cautelosamente positivada a tutela do teletrabalho. No que toca ao conceito[2]:

Artigo 165.º

Noção de teletrabalho

Considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.

No Brasil, tem-se a ínfima disposição do parágrafo primeiro artigo 6º, da CLT, alocado a partir da promulgação da Lei 12.551/2011, que tão somente conduz à garantia de igualdade entre o teletrabalho e a relação de trabalho ordinária. Logo, todos os demais complementos conceituais e seus derivados estão a cargo da doutrina e, principalmente, da justiça do trabalho brasileira.

Em estreitos limites, cumpre, diante dessa realidade brasileira, destacar que a ausência legislativa acerca do tema culmina numa pró-atividade exacerbada do poder judiciário que implica em dois resultados: litigiosidade exacerbada e insegurança jurídica (ao menos por certo tempo, haja vista o tempo que se leva para que o judiciário pacifique determinado tema). 

2.2 DA NECESSIDADE DE EXPANSÃO LEGISLATIVA

Tendo por base que a legislação trabalhista brasileira busca sempre hermeneuticamente acomodar as necessidades de resolução de conflitos trabalhistas a partir de si própria, interpretando, como no caso do teletrabalho, a partir da igualdade de relação de trabalho com as demais formas.

Ocorre que o teletrabalho não é uma relação ordinária de trabalho. Existe um turbilhão de fatores que distinguem o teletrabalho de uma relação comum, em que o trabalhador desloca-se a sede da empresa, registra o seu ponto, está segurado por inúmeras regras de saúde ocupacional, garantias legais quanto a acidente de trabalho.  Sem contar, ademais, que na relação de trabalho ordinária, qualquer desvio ocorrido entre as partes pode ser provado através dos demais colegas de trabalho, circunstância esta que não se faz presente, via de regra, no teletrabalho, onde o empregado individualmente exerce suas atividades.

Aliás, acerca das desvantagens, a autora Alice Monteiro de Barros destacou a possibilidade devastadora que o teletrabalhador poderá vir a sofrer:

Outra desvantagem desse tipo de trabalho é a eliminação da carreira e, consequentemente, de qualquer promoção; menores níveis de proteção social, de tutela sindical e administrativa, além de conflitos familiares, na hipótese de o trabalhador não conseguir separar o tempo livre do tempo de trabalho (BARROS, 2016, p.115)

Como assevera BARROS (2016, p. 2015), ao teletrabalhador torna-se vantajoso a flexibilidade de horário, bem como o fomento de oportunidades às pessoas cujo trabalho em coletividade não agrada:

A principal vantagem apontada em favor do trabalhador é a flexibilidade de horário capaz de facilitar-lhe a conciliação das atividades profissionais com os encargos familiárias, em consequência, o teletrabalho poderá ser um meio propício à melhora da qualidade de vida do trabalhador, desde que ele consiga distinguir entre tempo de trabalho e tempo livre.

Na mesma esteira de entendimento, comporta colacionar o relevante alerta de Gilberto Stürmer e Juliana Hörlle Pereira (2013, p. 14), ao defender a necessidade de se impedir que o trabalho nos moldes à distância torne-se verdadeiro retrocesso aos diretos trabalhistas e:

converta-se em facilitador de jornadas extenuantes, capazes de aniquilar a vida pessoal do profissional e de ameaçar sua saúde física e psíquica, o que certamente representaria inadmissível retrocesso em ponto especialmente sensível da disciplina do trabalho subordinado.

A ausência de normatização específica faz com que todas as demais garantias trabalhistas asseguradas aos trabalhadores ordinários venham, por parte da doutrina, cunhadas com o verbo “poderá”, o que significa que por ausência determinação expressa, caberá à justiça trabalhista dirimirpendências sobre a obrigatoriedade de, por exemplo, sistema de registro de horário, periodicidade de análise de ambiente de trabalho, possibilidade de aplicação de justa causa quando o funcionário não mantém local adequado para a realização da atividade laboral, visitação periódica para fins de análise do ambiente de trabalho, atendimento psicológico periódico[3], enfim, dentre outras situações peculiares dessa relação. Isso, e muito mais, sempre tendo que ponderar, sobretudo, acerca da liberdade individual, privacidade e a hipossuficiência (que, ao que tudo indica, no teletrabalho é ainda mais acentuada) do teletrabalhador.

É necessário que atentar cuidadosamente às novas formas de relação de trabalho, pois o limbo legislativo é terra fértil para o cultivo de retrocessos sociais e supressão de direitos trabalhistas. 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da singela análise do teletrabalho verifica-se que, notadamente no brasil, ainda padece de tutela legislativa, a fim de que não se torne um representante de supressão de garantias laborais. Com efeito, é de conhecimento que o mercado laboral é uma eterna disputa entre redução de custos para o empregador e garantia de direitos básicos ao trabalhador.

Trata-se de conhecimento geral que a ausência de regulamentação legislativa conduz ao abuso do trabalhador, na medida em que o empregador aproveita-se da sua força de trabalho ao máximo possível, a fim de majorar seus lucros.

De outra banda, é igualmente conhecido que os empregadores por vezes, na ausência de legislação clara, acabam por sentirem certa insegurança jurídica, ao passo que o poder judiciário trabalhista age implacavelmente ao analisar o eventual abuso aos direitos e garantias trabalhistas. A propósito, a inércia legislativa acaba por compelir ao judiciário um assoberbamento desnecessário, causando custos extraordinários ao sistema do judiciário, bem como ao empregador.

Dessa forma, verifica-se que seria plausível que o poder legislativo agisse de igual forma aos países europeus, em especial Portugal, cujas prescrições, ao que tudo indicam, são pertinentes no ideal de limitar o agir do empregador e assegurar os direitos trabalhistas básicos sejam alcançados ao trabalhador. Ao assegurar a legislação necessária à tutela do teletrabalho, acredita-se que além de salvaguardar os direitos básicos trabalhistas e sociais, estar-se-á, igualmente, assegurando segurança jurídica junto à classe empregadora e, por via de consequência, diminuindo a (já exausta) intervenção do poder judiciário trabalhista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGNA, PAOLA. Telelavoro: concetti e numeri, in Telelavoro in movimento. Fondazione IBM, Etaslibri, 1996, apud, Pinho Pedreira, O Teletrabalho, São Paulo: LTr, 2000.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr,
2009.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr,
2016.

BORGNA, PAOLA. Telelavoro: concetti e numeri, in Telelavoro in movimento. Fondazione IBM, Etaslibri, 1996, apud, Pinho Pedreira, O Teletrabalho, São Paulo: LTr, 2000.

http://www.codigodotrabalho.pt/. Acessado em 15/03/2017.

PEDREIRA, Pinho. O teletrabalho. LTr., São Paulo: LTr, v. 64, n. 5, 2000.

Stürmer, Gilberto, e Pereira, Juliana Hörlle .Teletrabalho: Controle de Jornada e Ambiente Laboral. Revista Justiça do Trabalho. Porto Alegre, v. 30, n. 354, p. 07-37, jun/2013.

 

[1] Importante destacar que a legislação portuguesa prescreve ainda noções de jornada, forma de controle e manutenção do ambiente de trabalho, forma de contratação (art. 166), instrumentos a serem disponibilizados (art. 168), privacidade (art. 170), representação coletiva (art. 171).

[2]http://www.codigodotrabalho.pt/. Acessado em 15/03/2017.

[3] Alice Monteiro de Barros (2016) chama atenção à probabilidade do desenvolvimento da doença estresse e a necessidade de cuidados dos empregadores. Especialmente tendo em vista o exercício da atividade laboral de forma solitária.