Em um domingo de sol radiante, em abril de 2008, apesar da temperatura de oito graus, pego meu capacete, garrafa d'água, luvas e moleton, subo na bicicleta e sigo na direção da Zona Sul da Capital dos gaúchos. Meu destino: Memorial Iberê Camargo. O "Iberê"! Intimidade bem ao gosto do gaúcho que assim gosta de tratar os conterrâneos ilustres e geniais. Desci da bicicleta e a conduzi ao meu lado, subindo pela rampa até próximo da recepção para perguntar onde poderia estacioná-la. A resposta lacônica foi a de que só havia estacionamento para veículos. Ainda argumentei que aquele era meu veículo aos domingos, mas não houve jeito. "Só há estacionamento para automóveis"! Logo depois, chegou outro ciclista, e depois mais um.

Só pude ficar apreciando a fachada e imaginando: será que ele é igual aos museus e memoriais europeus? Será que tem uma lojinha na saída para levarmos alguma reprodução do artista? Na Europa, do projetista da obra, existem estacionamentos para bicicletas em qualquer local. Tentei achar as razões pelas quais o senhor Siza, arquiteto do primeiro mundo, não pensou em instalar aqui um equipamento que é das coisas mais comuns lá na Europa. Ainda mais em tempos do novo paradigma reinante: o "paradigma da sustentabilidade". Essa nova ordem mundial que tem como perspectiva a qualidade de vida e a proteção de meio ambiente. Uma nova ordem que o senhor Siza não percebeu. E uma enorme ironia ainda pode ser constatada no local: o belo café, que lá foi instalado, é atendido por pessoal trajando uma camiseta preta, que tem nas costas a reprodução de uma obra do Iberê Camargo que, aliás, é o símbolo deste memorial -são apenas traços lânguidos, serenos e inconfundíveis de um perfil. Sabem do quê? De uma bicicleta! Que, aliás, também é o símbolo do memorial.

Visitem o memorial! Apreciem um bom café emoldurado pelo belíssimo pôr-do-sol do Guaíba. Ah! E não se esqueçam de seus automóveis!

PS- Tempos depois de registrar minha reclamação e de ser qualificado como o poeta-ciclista ou ciclista-poeta, por conta deste texto, vi que instalaram dois bicicletários no local. Um na garagem subterrânea (pago) e outro atrás do café, ao ar livre (franqueado). O bem que uma "poesia" não faz, hein?