Súmulas Vinculantes: avanço ou atraso?

Rachel Leticia Curcio Ximenes - Mestranda em Direito Constitucional pela PUC/SP. 

Sumário: 1. Conceito de Súmula Vinculante – 2. Súmula Vinculante no Direito Brasileiro – 3. Súmula Vinculante: vantagens e riscos – 4.  Conclusão – 5. Bibliografia.

1.Conceito de Súmula Vinculante

Súmula significa resumo, sinopse, sintetizar aquilo que já foi decidido em mais de uma oportunidade, importando em consenso, adquirindo praticamente força de lei[1]. Vincular importa em estar unido, preso por algum vínculo, submeter, ligar, decisão de grau inferior àquela que está em um plano mais elevado, estabelecer relação lógica ou de dependência, associar-se[2].

No direito brasileiro, “súmula” tem significados diferentes, podendo significar resumo de um julgado enunciado pelo órgão julgador, ou a síntese da orientação jurisprudencial de um Tribunal que é editada em numeração seqüencial[3].São formas assentadas pelo tribunal em relação a determinados temas. Orientam a comunidade jurídica, harmonizando eventuais julgamentos futuros que possuam semelhança com aqueles que lhe originaram.

Aplica-se o brocardo ubi idem ratio, ibi idem jus, que significa: “onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito”. A reiteração uniforme de uma decisão caracteriza a jurisprudência. Quando surgir um consenso sobre o modo de se decidir uma questão, o tribunal correspondente pode sintetizar tal entendimento por meio de um enunciado denominado "súmula".

Medida de natureza regimental que se destina a descongestionar os trabalhos do tribunal, simplificando e tornando mais célere a ação de seus juízes. Tem como objetivo impedir divergências a respeito de determinado assunto em decisões futuras. Serve de informação a todos os magistrados do país e aos advogados, dando a conhecer a orientação da Corte Suprema nas questões mais freqüentes.

2. Súmula Vinculante no Direito Brasileiro

No ordenamento jurídico brasileiro as súmulas resultam de um procedimento singular de uniformização de jurisprudência. Vejamos o artigo 479 do Código de Processo Civil:   

Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência [4].

As súmulas representam a formalização pelos tribunais de seus entendimentos jurisprudenciais. São revestidas de maior presunção de consonância do tribunal quanto à matéria tratada, haja vista a exigência de que a uniformização decorra do voto da maioria absoluta dos membros do colegiado em questão. Obriga os juízes de instâncias inferiores a seguirem as decisões do STF em caso de ações idênticas, como forma de garantir a agilidade à Justiça no país. Os que se opõem alegam que comprometeria a independência dos juízes, colocando em risco a autonomia dos Poderes e "engessando" a jurisprudência.

Com a Emenda Constitucional n° 45/04, o art. 103-A, caput passa prever a possibilidade de uma súmula ter eficácia vinculante sobre decisões futuras. Todos os juízes, tribunais e agentes da administração serão obrigados a aplicar o entendimento previsto na súmula aos casos concretos que decidirem, nos exatos limites em que a súmula for editada.

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.[5]

Assim, uma súmula outrora meramente consultiva passa a ter verdadeiro efeito vinculante, e não mais facultativo, não podendo ser contrariada. Busca-se assegurar o princípio da igualdade, evitando que uma mesma norma seja interpretada de formas distintas para situações fáticas idênticas, criando distorções inaceitáveis, bem como desafogar o STF do atoleiro de processos em que se encontra, gerado pela repetição exaustiva de casos cujo desfecho decisório já se conhece. Contra o tema, argumenta-se com a violação ao princípio da livre convicção e independência do juiz.

Somente o STF possui competência para aprovar a súmula vinculante, seja de ofício ou por provocação. De acordo com o § 2º do artigo em questão: "Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade". Assim, poderão fazê-lo: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal (de acordo com a EC n. 45/2004); o Governado do Estado ou do Distrito Federal (de acordo com a EC n. 45/2004); o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

            A eficácia vinculante está rigorosamente limitada às hipóteses previstas no art. 103-A CF e subordinada ao concurso dos pressupostos ali enumerados. A inclusão de qualquer preposição sem observância de tais limites e pressupostos violará a constituição [6].

            Conforme preceitua José Carlos de Moreira Barbosa: “... a jurisprudência nunca perdeu por completo o valor de guia para os julgamentos. Ainda onde se repeliu, em teoria, a vinculação dos juízes aos precedentes, estes continuaram na prática a funcionar como pontos de referência, sobretudo quando emanados dos mais altos órgãos da Justiça...” [7].

A Lei 11.417/06, que disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo STF, foi publicada no Diário Oficial da União no dia 20 de dezembro de 2006, regulamentando o artigo 103-A da CF, dispositivo apto a contribuir com a redução do número de recursos no STF e conferir maior celeridade ao processo, garantia que foi reconhecida ao cidadão no inciso LXXVIII do artigo 5º da CF/1988.

3. Aspectos Favoráveis e Contrários

O maior argumento em prol das denominadas súmulas vinculantes é a lentidão da justiça, testemunhada pelo enorme volume de processos que se acumulam nos tribunais.

Impedir que os recursos meramente protelatórios sejam interpostos e que processos inúteis cheguem aos Tribunais Superiores, tomando o tempo que poderia ser dedicado a questões mais relevantes [8].

Representa maior celeridade ao judiciário, que vem decidindo reiteradamente casos análogos e maior segurança jurídica ao jurisdicionado, unificando a jurisprudência e ficando os julgamentos menos sujeitos a interpretações divergentes, fazendo com que o cidadão tenha a confiança de que receberá tratamento isonômico do Poder Judiciário, conforme o princípio da igualdade de todos perante a lei, disposto no art. 5º, “caput”, CF/88.

            No que se refere a idéia de que as súmulas colocariam fim a “industria de liminares”, como fez Dalmo de Abreu Dallari, que não existe indústria sem matéria-prima, que no caso são atos inconstitucionais e ilegais do próprio Poder Executivo, bastando que este respeite a ordem jurídica para que aquela “indústria” desapareça.[9]Atentam contra a independência do magistrado, tentando eliminar o confronto de idéias.

É corrente no meio jurídico o fato de que atualmente a existência das súmulas até possa dissuadir os particulares de recorrer, porém elas não tem a mesma eficácia no que diz respeito a atuação do Estado em juízo, que vem sendo aquele que mais se utiliza de recursos protelatórios dentro do nosso sistema.[10]

Com o efeito vinculante das súmulas e sua validade erga omnes, o Poder Judiciário passa a legislar, editando regras gerais e abstratas, numa indébita invasão tipificada como usurpação de poder. Além disso, elimina a liberdade de questionamento, não só da lei, como da jurisprudência, que se reconhece a qualquer juiz, em face de seu livre convencimento.

4. Conclusão

A súmula vinculante é um instrumento para uniformizar as decisões judiciais sobre a aplicação de certas normas e evitar a discussão repetitiva de questões já decididas pelo STF.
            As súmulas têm a vantagem de pôr fim a milhares de processos idênticos que tramitam na Justiça, notadamente aqueles casos em que as partes utilizam a morosidade do Judiciário para postergar o cumprimento de obrigações cuja existência foi confirmada por inúmeras decisões anteriores. A uniformização da jurisprudência oferece maior estabilidade e segurança aos cidadãos envolvidos em conflitos similares e contribui para a rapidez da Justiça.

Por outro lado, impõe a interpretação do STF a todos os órgãos judiciais. Uma vez editada, não há possibilidade de decisão divergente e todo o trabalho de reflexão do juiz sobre a aplicação da lei a uma situação concreta fica subordinado à compreensão já assentada pelo Supremo. Isso pode levar à estagnação do direito, cuja evolução ocorre justamente pelas novidades interpretativas.

Esse novo papel exige do STF uma reflexão cuidadosa sobre os critérios para a edição das súmulas, evitando sua utilização excessiva. Ao mesmo tempo, possibilita que esse tribunal reconheça as questões jurídicas mais tormentosas e estabeleça definitivamente as balizas para sua solução, contribuindo para a estabilidade das relações jurídicas e fortalecendo a credibilidade e a legitimidade do Poder Judiciário.

5. Bibliografia:

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6 Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. 2 Ed. Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

COSTA, Wagner Veneziani; e AQUAROLI, Marcelo. Dicionário Jurídico. São Paulo: WVC Editora, 1998.

CUNHA, Sérgio Sérvula da. O Efeito Vinculante e os Poderes do Juiz. São Paulo: Saraiva, 1999.                

DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. 

Decisão Vinculante. STF possibilita uniformidade para ações do mesmo mérito. Revista Consultor Jurídico. 30 de março de 2005.          

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 2 Ed. São Paulo: Rideel, 1999.    

HOUAISS, Antonio. VILLAR, Mauro de Salles. FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.  2ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 697 e 761.

LIMA, Leornardo D. Moreira. Stare Decisis e Súmula Vinculante: Um Estudo Comparado. Artigo. Disponível em: http://www.puc-rio.br.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 4 Ed. São Paulo: Atlas, 2004.            

MORATO, Leonardo L. A reclamação e sua finalidade para impor o respeito à sumula vinculante, Reforma do judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Súmula, Jurisprudência, Precedente: uma Escalada e seus Riscos. Revista Dialética de Direito Processual Civil, nº 27. Ano: XX

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 5 Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24 Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: Eficácia, Poder e Função. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1998.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de Processo Civil, vol. I (Teoria Geral do processo e Processo de Conhecimento). 9 Ed. São Paulo: Editora RT, 2007.

Internet

http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11276.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11417.htm



[1]              HOUAISS, Antonio. VILLAR, Mauro de Salles. FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa.  2ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 697.

[2]              HOUAISS, Antonio. VILLAR, Mauro de Salles. FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa.  2ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 761.

[3]              GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 2ª ed. São Paulo: Rideel, 1999, p. 513.

[4]              WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de Processo Civil, vol. I (Teoria Geral do processo e Processo de Conhecimento), Editora RT; Pág. 626.

[5]              CUNHA, Sérgio Sérvula da. Constituição Federal. São Paulo: Saraiva, 1999, p.50.

[6]              MOREIRA, José Carlos Barbosa. Súmula, Jurisprudência, Precedente: uma Escalada e seus Riscos. Revista Dialética de Direito Processual Civil, nº 27.  pág 52.

[7]              MOREIRA, José Carlos Barbosa. Súmula, Jurisprudência, Precedente: uma Escalada e seus Riscos. Revista Dialética de Direito Processual Civil, nº 27. pág 52.

[8]              Registrou o Ministro Carlos Mario da Silva Velloso que em 1998 o STF já havia recebido aproximadamente 35.000 processos, sendo 85% desse total composto por recursos repetidos (in Folha de São Paulo, 04.10.1998, p.3).             

[9]              DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p.63.

[10]             CUNHA, Sérgio Sérvula da. O Efeito Vinculante e os Poderes dos Juiz. São Paulo: Saraiva, 1999, p.50.