Em nossa breve passagem por este mundo sem piedade, todas as nossas ações resultam na edificação do que somos. Se sou médico, padre, professor é porque busquei a formação adequada para cada vocação e automaticamente me comprometo com o bom exercício de cada uma. Do mesmo modo ocorre semelhante fato com os sentimentos que habitam em nós e que os expressamos bem ou mal por via da linguagem. Diz-se bem ou mal devido ao modo como tais expressões são recepcionadas por quem as ouve. Pessoas mais sensitivas acolhem de modo infinitamente distinto de quem tem uma mentalidade mais endurecida.
Ao passo que me manifesto nesta realidade com meus desejos, aspirações, sonhos e verdades subjetivas ou dogmáticas, automaticamente torno-me responsável pelos atos que professo. Engraçado é que independentemente de eu ser uma pessoa de boa índole ou não estarei sempre a procura do bem individual que me compete. Está, portanto, descartada a possibilidade de que as pessoas sejam más devido ao fato de buscarem sempre o bem para si. O problema reside no fato do "choque de vontades" entre os indivíduos, pois o que é absolutamente bom para uma pessoa pode ser totalmente prejudicial para outra.
Impossível seria viver neste mundo sem responsabilidades. O compromisso é o "freio da humanidade" que nos impede ? para o nosso próprio bem ? de extrapolar todos os limites até mesmo de nosso organismo.
Sartre diz que "... o homem é responsável por aquilo que é." (SARTRE, 1973, pag. 12), e é por isso mesmo que temos medo de nos ferir muito mais do que ferir os outros. Somos egoístas por natureza e nos esquecemos que o bem do próximo é indispensável para a existência singular. Tal elemento é constatável pelo fato de que se destruo o outro com a vontade inerente no meu ego não haverá a possibilidade de haver um choque de idéias. Se não existir o outro não existirá conflito e, por conseguinte não haverá crescimento pessoal. Escolher aniquilar a humanidade para que somente uma verdade prevaleça é falta de sensatez, é uma loucura. E é por isso mesmo que toda ditadura estatal está fadada ao eterno fracasso.
A intersubjetividade é o caminho para a edificação integral do ser. E é somente por via dela que há a possibilidade de crescimento e desenvolvimento. Assim define o filosofo Frances Jean Paul Sartre a importância dos relacionamentos interpessoais: "Para obter uma verdade qualquer sobre mim, necessário é que eu passe pelo outro. O outro é indispensável a minha existência, tal como, aliás, ao conhecimento que eu tenho de mim. Nestas condições, a descoberta da minha intimidade descobre-me ao mesmo tempo o outro como uma liberdade posta em face de mim, que nada pensa, e nada quer senão a favor ou contra mim. Assim descobrimos imediatamente um mundo a que chamaremos a intersubjetividade, e é neste mundo que o homem decide sobre o que ele é me o que são os outros." (SARTRE, 1973, pag. 22).
Não existe possibilidade, responsabilidade mais bela e singular que está, porque ela é que garante uma existência mais sábia e cautelosa neste mundo.
A consciência, os compromissos são as chaves para a existência do ser. São importantes por que nos tornam mais amadurecidos em relação aos objetos, seres a nossa volta e inclusive a nós próprios.
O pior para muitas pessoas é ter que conviver com os imprevistos. A imprevisibilidade do futuro é o pesadelo da humanidade. O mito de "Prometeu Acorrentado" de Ésquilo retrata perfeitamente tal fato: "Para quem está fora do sofrimento é fácil aconselhar e incitar o sofredor. Mas eu sabia de tudo isso. Foi por vontade própria, sim, por vontade própria, que cometi a imprudência, não nego. Para socorrer os mortais preparei tais dores. No entanto, não pensava em semelhante suplicio, pouco imaginava que iria definhar nesses cumes rochosos, agrilhoado a um pícaro deserto e solitário." (ÉSQUILO, 1982, pag. 21).
Mas o que manteve realmente Prometeu acorrentado não foram os grilhões, mas sim o seu ego e o desejo de receber recompensa pela sua generosidade. Sem recompensa e ainda castigado, Prometeu acabou por se frustrar e ficou prezo em seu ego para todo o sempre.
Muitas pessoas têm o mesmo comportamento de Prometeu, se mantém prezas a falta de certezas, em seu ego, pois não querem cometer gafes na vida. A existência é bela porque nela está contido o sentido de superação do ser e é somente pelos erros que se alcança a glória dos acertos.
Existir, ter responsabilidades, ter consciência, não significam a castração do ser diante das relações intersubjetivas. Em outras palavras, não é um "pisar em ovos" constante, mas é a presença da força vital da humanidade pulsando forte, sedenta de novas descobertas.
Enfim a imprevisibilidade do futuro é a garantia de a vida continuar tendo sentido e fundamento e é por isso que seremos eternamente aquilo que escolhermos ser.



REFERENCIAS
 GUZIK, Alberto. Prometeu Acorrentado. Tragédias. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

 FERREIRA, Vergílio. Jean-Paul Sartre: O Existencialismo é um Humanismo. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.