Soledade

Enquanto Soledade catava o feijão, escolhendo os grãos bons para ir para a panela, seu filho Antônio, brincava sentado no chão. Ele tinha dois anos de  idade. Isso se passava no Sítio São Diogo, município de Sousa, na Paraíba, no ano de 1913.

Soledade era uma mulher de vinte e oito anos, era loira, olhos azuis, magra e de estatura média. Era meiga e bonita. Vivia feliz, amava o marido e o filho, e apesar de ser uma mulher submissa ao marido, gostava da vida que levava, e nunca  queixava-se.Na verdade, ela era  conformada com o papel da mulher naquela época. Não ser vista como uma mulher livre e capaz, não significava nenhum problema para Soledade.Para ela, ser mulher era ter muitas limitações. Não se peocupava com sua emancipação. Seguia o exemplo de sua avó e de sua mãe, não sonhava com uma vida diferente.

Naquele dia, um triste acontecimento marcou sua vida para sempre. Seu filho, sem que ela percebesse, pegou um grão de feijão e colocou na boca. Quando ela viu, já era tarde demais, o menino estava morrendo engasgado. Soledade saiu correndo e chorando em direção à casa de sua mãe.

_Acuda-me mamãe, uma tragédia aconteceu na minha vida.

_O que foi minha filha?

_Meu filho está morrendo, corre mamãe, eu não tenho nervos para apanhá-lo do chão! Disse Soledade com as mãos na cabeça.

Dona Severina correu para a casa da filha. Ao chegar, encontrou a criança morta no chão. A velha segurou o menino nos braços. Nesse momento, Soledade apareceu na porta, e não pôde sufocar um grito de terror. Seu filho era agora um anjinho.

Quando foi pedir ajuda a mãe, Soledade tinha esperança do filho estar vivo, entretanto, ao vê-lo morto, ela perdeu o chão, parecia que sua vida tinha acabado naquele momento. A mulher estava banhada em lágrimas e gritava desesperadamente. Aquilo também parecia um pesadelo, e a coitada batia nela mesma, para ver se acordava.

_Eu sou a culpada, não fui cuidadosa com meu filho.

_Não diga isso minha filha, foi uma fatalidade. Ele trouxe essa sina quando nasceu.

_Eu tinha lhe dado banho, sopinha, mamãe, por que isso foi acontecer? Diga-me que é mentira, mamãe!

Nesse momento, ela desmaiou. Quando a mãe de Antônio despertou, sua  casa estava cheia de gente. Seu marido tinha chegado da cidade e estava arrasado. Ele não disse para ninguém, mas culpava a esposa por ter descuidado do menino. E por isso, não tinha ido no quarto, vê-la.

Soledade quis saber do filho, e sua mãe disse que já tinha arrumado o “anjinho”, e que ela fosse vê-lo na sala.

_Você precisa ter forças, minha querida.É a vida! Disse Dona Severina.

_Chame meu marido, mamãe!

 A velha obedeceu, e foi chamar o genro, porém, ele ignorou o chamado da mulher, e não foi vê-la. Foi então, que Dona Severina compreendeu que o mesmo culpava sua filha pelo acontecido. Ela ficou muito triste, e perguntava-se o que seria da filha. Quando voltou ao quarto, disse para Soledade que o marido estava ocupado, e por isso, não poderia atendê-la, naquele momento.

A pobre mulher segurou na mão da mãe, e dirigiu-se até a sala, e então viu Antônio. Foi a pior dor que sentiu na sua vida. É muito doloroso para uma mãe ver um filho morto.Os pais sempre imaginam que irão primeiro do que os filhos. Soledade nunca imaginou que seu filho de apenas dois anos de idade, fosse morrer tão inesperadamente. Ele passou em sua vida como uma chuva rápida.

Fontes, o pai de Antônio, também estava sofrendo, foi um golpe bastante forte. Era seu filho  querido, que iria ajudá-lo nos negócios, um dia. Ele não conseguia aceitar o ocorrido. E dessa forma, não olhava nos olhos da mulher. Esta, estava sofrendo tanto,  que não percebia a reação de Fontes contra ela.

No dia seguinte, depois de enterrar o filho, Fontes finalmente conversou com Soledade.

_Como foi que isso aconteceu? Perguntou ele secamente.

_Eu estava escolhendo o feijão, e não sei como ele pegou um grão, quando vi, nosso menino estava morrendo.

Sua crise de choro voltou, de modo que ela não pôde mais falar.

Fontes esperou a esposa ficar calma, e em seguida, disse-lhe que estava muito magoado com ela.

_Isso só vem aumentar minha culpa. Eu sinto-me muito culpada. Disse a mulher.

_Você foi descuidada,sua obrigação era cuidar do menino.

Soledade ficou com os olhos fixos no chão, sem querer mais viver. Quando sua mãe foi lhe visitar, ela disse que não iria aguentar  ouvir o marido lhe culpando o tempo todo.

Tenha paciência com seu marido, Soledade! Não questione o que ele diz, e entenda que ele está  acima de você.

_Está certo mamãe. Vou atender seus conselhos.

O tempo foi passando, e Fontes foi conformando-se . Encontrou no seu trabalho refúgio,e mantendo sua mente sempre ocupada, esqueceu até mesmo de culpar Soledade. Quanto à mesma, não havia jeito de esquecer Antônio, apesar de ter parado de chorar e de culpar-se, porém, não passava um único dia, em que não se lembrasse do rostinho dele e de seu olhar, poucos minutos antes de morrer.

Em 1914, Soledade engravidou novamente,  e teve um lindo menino, que se chamou Antônio, para homenagear o  filho morto.Embora 1914 tenha sido um ano de seca e de guerra, foi um ano muito feliz para Fontes e Soledade.

Maria do Socorro Abrantes Sarmento