CARLA ELISIO DOS SANTOS ACADÊMICA DO 3º ANO DO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO




A DESIGUALDADE E A SUBVERSÃO DO ESTADO DE DIREITO


O principal objetivo deste artigo é procurar entender os efeitos da polarização entre pobreza e riqueza no sistema jurídico, onde o argumento principal aqui proposto, é que a exclusão social e econômica, decorrente de níveis extremos e duradouros de desigualdade, destrói a imparcialidade da lei, causando a invisibilidade dos extremamente pobres, a demonização daqueles que desafiam o sistema e a imunidade dos privilegiados, aos olhos dos indivíduos e das instituições.
A desigualdade socioeconômica extrema é persistente e corrói a reciprocidade, tanto em seu sentido moral quanto em seu interesse mútuo, o que enfraquece a integridade do Estado de Direito. É importante lembrar que o Estado de Direito, mesmo incompleto, pode ser utilizado e desafiado a fortalecer os invisíveis, humanizar os demonizados e trazer os imunes de volta ao domínio do direito.
A idéia do Estado de Direito é considerada por muitos uns dos principais pilares de um regime democrático, o Estado de Direito é visto como uma ferramenta indispensável para a discriminação e o uso arbitrário da força. Segundo Max Weber "o processo de desformalização do Direito é uma conseqüência das transformações na esfera pública".
Como conseqüência das transformações nas funções do Estado, houve um processo de declínio na condição do direito como um instrumento substantivo na proteção a liberdade. O Estado não tem apenas a obrigação de tratar os cidadãos de maneira igual perante a lei, mas também o dever de assegurar a justiça substantiva sendo acompanhada pelo argumento proposto por novos teóricos jurídicos, de que o conceito tradicional de Estado de Direito se tornou incompatível com a nova realidade.
O Estado de Direito representa uma concepção material referente ao que o Direito deveria ser. Pois se este for um Estado governado por boas leis, então explicar a sua natureza é difundir uma filosofia social completa, porém dessa maneira, o temo perde qualquer utilidade. Segundo Raz, "o Estado de Direito em seu sentido amplo significa que as pessoas devem obedecer às leis e serem reguladas por elas".
Qualquer sistema concreto deve ser composto por normas gerais e outras específicas, que em contrapartida devem ser consistentes com as primeiras. Pois o Estado de Direito é um conceito formal de acordo com o qual os sistemas jurídicos podem ser mensurados, não a partir de um ponto de vista substantivo, como a justiça ou a liberdade, mas por sua funcionalidade, onde a sua principal função é servir de guia seguro para a ação humana.
Para aqueles que defendem reformas de mercado, a idéia de um sistema jurídico que proporcione previsibilidade e estabilidade é de extrema importância. Liberalismo e Democracia, no entanto, requerem a expansão do Estado de Direito para todos. Portanto são através de embates políticos que novos grupos conseguem obter status jurídicos por intermédio dos direitos civis, políticos, sociais e econômicos, recebendo como contrapartida por sua cooperação, diferentes níveis de inserção no Estado de Direito.
Além de entender a função estrutural dos conceitos jurídicos básicos, é importante que as pessoas compreendam as regras fundamentais que governam suas próprias sociedades e suas obrigações e direitos, nas sociedades com alto grau de concentração de pobreza e de analfabetismo, essa condição quase nunca é satisfeita.
Na medida em que as pessoas temem e esperam punição ou recompensa estatal, elas tendem a respeitar o Estado de Direito, deve-se considerar que o Estado, em muitas circunstâncias, deve ser provocado por indivíduos antes de exercer a coerção, os cidadãos devem freqüentemente ajuizar reclamações, ingressando com processos judiciais, ou apenas informar a polícia certos atos ilícitos para que o Estado possa agir. Desta forma a falta de recursos ou desconfiança por parte das autoridades pode vir a produzir um forte impacto na mobilização do poder estatal, permitindo àqueles que não obedecem à lei agir impunemente.
A credibilidade é um bem essencial em qualquer grupo, perdê-la por desrespeito a lei, pode prejudicar a posição pessoal e diminuir a sua capacidade de entrar em novas relações voluntárias com outros membros daquele círculo social. Esta é a razão pela qual as pessoas comumente agem de acordo com o Direito, mesmo na ausência de autoridade estatal.
Numa relação mutuamente vantajosa, a regra de ouro é: não faço aos outros, o que eu não gostaria que fizessem comigo. Por não ser um Princípio Moral substantivo, essa regra não afirma nem nega a existência de estrutura moral mais profunda, no entanto podem auxiliar na obtenção da obediência à lei, ainda que termos frágeis. A moralidade tem sido negligenciada por muitas análises recentes da eficácia do Direito.
Segundo Lon Fuller "a reciprocidade moral é um elemento fundamental para a existência de um sistema legal". Na medida em que as expectativas de respeito aos direitos de todos são generalizadas, a implementação de um autêntico Estado de Direito também se torna possível.
Numa comunidade limitada pela reciprocidade moral, baseada em direitos, a lei deveria ser fácil de ser implementada, evidentemente que são inúmeros os empecilhos para se obter ou construir reciprocidade moral, dificuldades essas que são ainda maiores em sociedades modernas e consumistas caracterizadas por disparidades socioeconômicas profundas entre seus membros.
Segundo Rousseau "uma das maiores causas do declínio da democracia é a distorção na aplicação de leis gerais, desenvolvidas por magistrados que tendem a defender seus próprios interesses privados em detrimento da vontade geral expressa pela lei".
Se a aplicação do Direito não for tratada com imparcialidade, de acordo com parâmetros dos devidos processos apresentados pela própria lei, o Estado de Direito perderá sua autoridade e, conseqüentemente, o povo não o verá como uma diretriz aceitável para a sua ação. De acordo com a Constituição Brasileira, a lei é o único instrumento que pode impor obrigações jurídicas sobre os indivíduos, sendo que por lei se entendem aqueles atos normativos editados pelo Congresso, processual e substantivamente, em conformidade com a Constituição, onde "toda pessoa é igual perante a lei".
A democratização e a liberalização não foram suficientes para superar os obstáculos que firmemente se opõem à implementação do Estado de Direito no Brasil. A distribuição de recursos e reorganização do tecido social altamente hierarquizado, tem impedido que o direito exerça seu papel como razão para a ação de diversos setores da sociedade brasileira.
O Brasil é a oitava maior economia no mundo, segundo a "revisão recente dos números do PIB", no entanto detém um dos piores registros de distribuição de invisibilidade, significa aqui que o sofrimento humano de certos segmentos da sociedade não causa uma reação moral ou política por parte dos mais privilegiados, e não desperta uma resposta adequada por parte dos agentes públicos. A perda de vidas humanas ou a ofensa à dignidade dos economicamente menos favorecidos, embora relatada e amplamente conhecida, é invisível no sentido de que não resulta em uma reação política e jurídica que gere uma mudança social.
Além da miséria em si, e todas as conseqüências deploráveis na figura de violações de direitos, uma das expressões mais dramáticas da invisibilidade no Brasil, é representada pelos altos índices de homicídios. O Brasil é um dos países mais violentos, acumulando mais de 800.000 mortes por homicídio doloso nas últimas duas décadas, mais pessoas se tornam vítimas de homicídio a cada ano no Brasil do que na guerra do Iraque. Vale ressaltar que a maioria dos mortos são jovens economicamente desfavorecidos, poucos instruídos, do sexo masculino, negros e residentes na periferia social brasileira.
Há uma forte relação causal entre a desigualdade e os índices de crimes violentos, sendo conseqüência o desafio a invisibilidade, através de meios violentos, os indivíduos começam a serem vistos como uma classe perigosa, à qual nenhuma proteção legal deve ser dada.
Demonização, portanto é o processo pelo qual a sociedade desconstrói a imagem humana de seus inimigos, que a partir desse momento não merecem ser incluídos sobre o domínio do Direito. A violência policial incluindo o uso excessivo da força, execuções extrajudiciais, tortura e outras formas de maus tratos persistem como um dos problemas mais incontroláveis de Direitos Humanos no Brasil.
A tortura permanece uma prática comum tanto nas investigações policiais, quanto nos métodos disciplinares usados no sistema prisional e em unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei. Seres humanos tratados como animais não têm razão para agir de maneira lícita, a demonização, além de ser uma violação à lei em si, cria uma espiral autônoma de violência e de comportamento brutal de uma parcela dos indivíduos uns contra os outros e ajuda a explicar não apenas os índices de homicídio alarmantes, mas também a crueldade extrema de algumas manifestações de criminalidade.
Numa sociedade altamente hierarquizada e desigual, os ricos e poderosos ou aqueles agindo em nome deles se vêem como seres acima da lei e imunes às obrigações correlatas aos direitos das demais pessoas. A distribuição desproporcional de recursos entre os indivíduos e grupos dentro da sociedade subverte as instituições, incluindo o trabalho das instâncias responsáveis pela aplicação da lei.
O resultado é que o Estado se torna negligente com os invisíveis, violento e arbitrário com os moralmente excluídos, dócil e amigável com os privilegiados que estão posicionados acima da lei.
A conclusão é que a impunidade, embora seja um fenômeno generalizado no Brasil, é mais acentuada entre os privilegiados. O Brasil é realmente um país mal administrado, ou seja, mal governado, ficando uma simples dúvida: de quem é a culpa? Será dos nossos governantes, ou de um povo totalmente alienado, que elegem colocando-os em um alto patamar, lhes dando a chance de manipular idéias, tornar vigentes leis que só vem a favorecer os privilegiados, ou seja, os de classes mais altas, economicamente falando.
A desigualdade socioeconômica começa a partir do próprio Estado de Direito, que muitas vezes se torna injusto ao imunizar os integrantes das classes sociais mais altas. Vale ressaltar que o controle de natalidade serve para controlar uma sociedade, fazendo com que a população se contenha, e não constitua uma família aonde num futuro bem próximo venha a não mais sustentá-la, mesmo que seja por falta de condições sociais, deixando assim um rastro de analfabetismo, mal informados, desqualificados profissionalmente, onde mais adiante veremos uma geração de delinqüentes, muitas vezes abandonados ou excluídos pela sociedade e esquecidos pela própria família.
Uma vez caindo nas mãos da polícia, esses jovens não mais serão os mesmos, pois atualmente o Estado de Direito não reintegra o indivíduo na sociedade, pelo contrário os tornam profissionais da marginalização, pois o abuso de forças, torturas e até mesmo execuções, ainda são os meios de retratá-los, uma vez caindo no sistema prisional. Agora vejamos como um ser humano tratado como verdadeiro animal sairá deste sistema ressocializado?
Um dos grandes problemas causadores da desigualdade social no Brasil é o fato da maioria da população ser isenta do Estado de Direito, passando a não conhecer os seus próprios direitos, não compreendendo as regras jurídicas que governam sua própria sociedade, tornando-se invisíveis perante a mesma, ou seja, excluídos socialmente.
Apesar de sabermos que a principal função do sistema jurídico é garantir a segurança para a ação humana, não é o que observamos atualmente, pois são visíveis as condições de uma sociedade altamente perigosa, descontrolada, sem qualquer segurança, fazendo assim com que só os pobres, negros e frágeis paguem pelos conflitos vividos atualmente, onde muitas vezes pagam com a própria vida.
Uma das soluções para o Brasil seria a criação de programas de reintegração social, programas estes que eduquem, socializem e instruam profissionalmente os indivíduos que constituem uma população, tornando-os mais qualificados e reconhecidos, visivelmente perante a sociedade, independente de serem pobres ou ricos, negros ou brancos, residirem na periferia ou num bairro nobre, esses indivíduos tornar-se-iam também conhecedores de seus direitos, tendo acesso ao Estado de Direito.
O nosso grande problema que atualmente vivemos numa sociedade altamente hierarquizada e voltada para a hipocrisia, sendo assim uma Sociedade Desigual. É bem verdade que as diferenças sempre existirão, mas isto não nos impede de lutarmos sempre pelos nossos direitos, obedecendo ao Estado de Direito, vivendo em paz com a sociedade e consigo mesmo.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

VIEIRA, Oscar Vilhena. A desigualdade e a subversão do Estado de Direito. Vol.4 São Paulo ? 2007.