SOCIEDADE: Modo de Produção

Existem várias formas de olharmos e entendermos a sociedade. Uma delas é a partir da teoria dos sistemas. Outra é a partir da teoria do modo de produção.

Da mesma forma que sistema é um conceito que pode ajudar a entender a sociedade, o conceito “modo de produção” pode oferecer uma outra perspectiva de entendimento da sociedade. Enquanto os sistemas referem-se a relações complexas e suas interações com outros sistemas e outras interações, o conceito Modo de Produção tem por base não as relações complexas, mas um elemento central: a economia.

Ao propor critérios para uma análise da sociedade Pedrinho Guareschi (2011), contrapõe “modo de produção” e “sistema”, afirmando que:

Quando se chama uma determinada sociedade de “sistema”, entende-se, do mesmo modo, que nesse país, ou nessa nação, há um conjunto todo de elementos, de mil tipos diferentes, que formam a estrutura dessa sociedade” (Guareschi, 2011, p. 32)

Por outro lado, a percepção da sociedade como um modo de produção nos confere outra perspectiva: constata-se que além da complexidade sistêmica, existe a complexidade econômica e, na opinião do autor, esse é o verdadeiro caminho para a interpretação da sociedade. Diz o autor:

Se eu uso o conceito “modo de produção”, ao contrário, eu já mostro possuir muitos pressupostos específicos. E um dos pressupostos que está presente, e pode-se perceber de imediato, é o de que nenhuma sociedade pode existir e se estruturar a não ser a partir de sua sobrevivência, isto é, de sua produção. Quem denomina uma sociedade de “modo de produção” está dizendo implicitamente que as sociedades todas, isto é, as formações sociais, se estruturam (nascem, crescem, se desenvolvem) a partir da maneira como se conseguem as coisas para viver (Guareschi, 2011, p. 33)

Então o que vem a ser modo de produção?

Trata-se de uma categoria marxista, pela qual se explica como as pessoas ou grupos sociais produzem ou reproduzem sua existência e subsistência. Ou, com afirma Antunes (2009). “O modo de produção para Marx não se resume estritamente à produção, mas é o modo de produção e de reprodução da vida.”

Em vários de seus escritos Marx e Engels retomam comentários sobre a produção e reprodução da existência humana. Como, por exemplo em “A Ideologia Alemã”, obra na qual Marx e Engels (1984) afirmam que o homem se diferencia dos animais porque é capaz de produzir sua existência, ou seja, é capaz não só de colher sua subsistência da natureza, mas também e principalmente é capaz de interferir no processo da produção de sua existência usando a natureza para produzir e, portanto, se auto-produzir.

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião, e por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência e esse passo à frente é a própria consequência de sua organização corporal. Ao produzirem seus meios de existência, os homens produzem sua própria vida material.

A maneira como os homens produzem seus meios de existência depende, antes de mais nada, da natureza dos meios de existência já encontrados e que eles precisam reproduzir. Não se deve considerar essa modo de produção sob esse único ponto de vista, o seja, enquanto reprodução da existência física dos indivíduos. Ao contrario, ele representa, já, um modo determinado da atividade desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar sua vida, um modo de vida determinado. A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, da condições materiais de sua produção. (Marx; Engels, 2001, p. 10. grifo no original)

No clássico “A Origem da família, da propriedade privada e do Estado”, Engels (1984) evidentemente reportando-se a Morgan, fala que o homem é o único ser que aprendeu e desenvolveu a capacidade de dominar a produção de alimentos. Diferentemente dos animais, o homem recolhe da natureza, mas o faz a partir de intencionalidades; e, quando lhe é conveniente, também faz com que a natureza produza para si e para a sociedade em que está inserido. E, mais ainda, produz para trocar seus produtos com outras sociedades que não produzem aquele produto mas dele têm necessidade.

A produção material da existência é, também, produção da vida social visto que a sociedade, para permanecer existindo tem que se reproduzir. A sociedade, como não poderia deixar de ser, também se transforma produzindo novas formas de produção. Em “Manifesto do Partido Comunista”, Marx e Engels (1977) mostram que os interesses econômicos, ao longo dos séculos foi alterando as relações de produção, alterando, portando, o modo de produção, não como mecanismo de melhorias sociais, mas como meio pelo qual um grupo economicamente dominante – ou seja, o grupo no poder – exerce seu domínio. Em todas as épocas estão presentes os grupos que se contrapõem:

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, burgueses de corporação e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta. (Marx; Engels, 1977, p. 29).

Logo em seguida, os autores afirmam: existem alterações na sociedade, mas não se alteram as relações de oposição e dos conflitos dos grupos antagônicos, visto que:

A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas. . (Marx; Engels, 1977, p. 30).

Por esse motivo, afirmam, “a burguesia moderna é ela própria o produto de um longo curso de desenvolvimento, de uma série de revolucionamentos no modo de produção”. (Marx; Engels, 1977, p. 31). As relações sociais se alteram, portanto, não porque isso trás melhorias nas condições e relações sociais, mas porque essas mudanças ou revoluções permitem ao grupo no poder, melhor explorar aqueles a quem dominam. Dessa forma a burguesia passa a exercer não só o poder econômico, como também o poder de coerção, por isso mais do que só um grupo social, é um grupo político.

A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência necessária disto foi a centralização política. Províncias independentes, quase somente aliadas, com interesses, leis, governos e direitos alfandegários diversos, foram comprimidas numa nação, num governo, numa lei, num interesse nacional de classe, numa linha aduaneira.

A burguesia, na sua dominação de classe de um escasso século, criou forças de produção mais massivas e mais colossais do que todas as gerações passadas juntas. Subjugação das forças da Natureza, maquinaria, aplicação da química à indústria e à lavoura, navegação a vapor, caminhos-de-ferro, telégrafos eléctricos, arroteamento de continentes inteiros, navegabilidade dos rios, populações inteiras feitas saltar do chão – que século anterior teve ao menos um pressentimento de que estas forças de produção estavam adormecidas no seio do trabalho social? (Marx; Engels, 1977, p. 34).

Partindo dessa constatação, de que a burguesia vem se tornando cada vez mais exploradora da população é que nasce a afirmação de que a história é feita pela luta de classes. Sofrendo as consequências da dominação, as “forças produtivas” tendem a se rebelar.

De há decênios para cá, a história da indústria e do comércio é apenas a história da revolta das modernas forças produtivas contra as modernas relações de produção, contra as relações de propriedade que são as condições de vida da burguesia e da sua dominação.(Marx; Engels, 1977, p. 35).

Desses mecanismos de revolta se contrapondo ao processo de dominação é que ao longo da história se sucederam diferentes modos de produção. Desdo o modo de produção primitivo, depois escravista, asiático feudal e capitalista. E, para se contrapor ao modo de produção capitalista acena-se com a possibilidade do modo de produção socialista.

O fato de na sociedade existirem ricos e pobres manifesta o antagonismo de interesses. O conflito de interesses se explicita na luta de classes. A tentativa de alterar as relações sociais ou alterar as posições entre os grupos antagônicos evidencia o conflito e altera as relações de produção: um querendo manter a posição e o outro querendo sair da posição desconfortável de dependente, subalterno, escravo ou proletário. Alterando-se as relações de produção alteram-se os modos de produção. Essa situação de constante instabilidade ou de constante antagonismo justifica a afirmação de que a história é a história da luta de classes.

E como a história é a história das sociedades, existem sempre possibilidades de alterações, mudanças de rumo ou transformações radicais, todas produzidas pela constância da luta e do conflito de interesses. A história, portanto, não está acabada.



Referências

ANTUNES, Jair. Marx e o último Engels: Modo de produção Asiático. Campinas: UNICAP. Dissertação: filosofia. 2003

ABBAGNANO, Nicola: Dicionário de Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 2007

ANTUNES, Ricardo, Da pragmática da especialização fragmentada à pragmática da liofilização flexibilizada: as formas da educação no modo de produção capitalista. In: Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina, v. 1, n. 1, p. 25-33, jun. 2009. disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/germinal/article/view/2640. Acesso em 10/07/ 2013.

GUARESCHI, Pedrinho. Sociologia Crítica. 63 ed. Porto Alegre: Edpucrs/Mundo Jovem 2011

MARX, K; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Disponível em: http://www.neppec.fe.ufg.br/pages/366. Acesso em 07/07/2013