Sobre Samurais e Shogunatos
Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 24/02/2025 | HistóriaO conceito de “ditadura militar” varia de acordo com a historiografia. Entre nós, latino-americanos, a mencionada denominação remete a generais fardados, sustentados no topo dos Poderes Executivos de nossas Nações pelas Forças Armadas Nacionais. Mas muito poucas pessoas associam tal conceito aos Shoguns e Samurais japoneses, simbioticamente dependentes. Os Samurais eram, no início de sua existência, pouco alfabetizados e imbuídos da rude tarefa de coleta de tributos, tendo existido entre 930 e o final da década de 1870. E, naqueles quase mil anos, foram, para o bem e para o mal, os responsáveis pela sustentação dos Shoguns (ditadores militares) das três dinastias, que, animosamente, se sucederam: os Shogunatos Kamakura, Ashikaga e Tokugawa.
No século XII, o Japão estava sob um regime feudal (semelhante ao encontrado no Sacro-Império Romano Germânico, então existente na Europa). Os Daimyo eram os senhores feudais japoneses, proprietários de grandes extensões de terra, que eram protegidos por seus pequenos exércitos de Samurais, devedores de obediência irrestrita aos seus senhores. E essa proteção era necessária, justamente, porque havia muitos Daimyo que utilizavam os seus, também, Samurais para saquearem e se apossarem das terras alheias. O Imperador, que detinha os Poderes de facto e de Direito, não conseguia impor ordem numa Nação, que, embora pequena territorialmente, não se restava unificada, e onde a sua autoridade não se fazia presente (ou seja, a ausência de comunicações impunha a não possibilidade de exercício dos seus Poderes plenamente, dada a impossibilidade de onipresença).
Numa atmosfera tensa e emergente de vários conflitos de interesses, ao final do mesmo século XII o Imperador perde o Poder, de facto, ao primeiro Shogun, integrante da Dinastia Kamakura (isso ocorreu em 1185 ou 1192, a depender da avaliação do intérprete no que diz respeito à instituição oficial do Shogunato). Naquele período, a capital do Japão era a comunidade de mesmo nome, e de onde os Shoguns governavam: a cidade de Kamakura. Os Samurais dos Shoguns Kamakura a eles juraram a maior de todas as lealdades. Como os Shoguns também eram Daimyo, tal combinação foi letal, pois os conflitos por terra subsistiram, não só entre os Shoguns e os Daimyo não governantes, mas também entre esses últimos em si. O sistema não se sustentou diante da situação, razão pela qual o Shogunato Kamakura caiu em 1333, perante e emergência da Restauração Kenmu, objetivada pelo Imperador Go-Daigo, que queria retomar o Poder perdido por seu distante ancestral de 1185 (ou 1192).
Fracassou, e, em 1336, a Dinastia Ashikaga fez subir à condição de Shogun seu primeiro representante, que passou a governar desde Kioto, feita capital. Durante o Shogunato Ashikaga, não foi somente a questão da terra que pesou para seus sucessivos Shoguns, mas a insatisfação dos Samurais com a falta de compensações devidas pelas lutas contra os mongóis, que haviam invadido o Japão. Embora a soma das referidas questões fosse mais grave que as enfrentadas pelo Shogunato Kamakura, os Shoguns Ashikaga conseguiram manter seu regime por mais tempo, até 1573, embora sem o apoio da totalidade dos Samurais e seus respectivos descendentes, que, inicialmente, detinha. Naquele ano, houve a questão de Azuchi-Monoyama (recebedora deste nome em razão de dois grandes e belíssimos castelos no Japão localizados), sobre a sucessão e que envolvia facções do norte e do sul da Nação, tendo ao final da contenda assumido a administração do Japão um Shogun da Dinastia Tokugawa.
Os Shoguns Tokugawa governaram de formas distintas das de seus antecessores. Unificaram definitivamente o Japão, que entrou numa nova fase de prosperidade. A paz se estabeleceu, cicatrizando as feridas dos séculos anteriores, e mantendo uma das facetas mais enigmáticas que caracterizavam o arquipélago: o constante fechamento da Nação às relações exteriores, não só por uma razão econômica, mas, também, em consequência da não aceitação integral de missionários cristãos, com a reafirmação das tradições xintoístas e budistas da população. Houve uma “Era de Ouro”, cujas feições mais visíveis foram o renascimento das artes, e das culturas do teatro (dos quais, diga-se, por um período só poderiam atuar homens) e do chá. Algo semelhante às Renascenças Italiana e Carolíngia, também chamado “Período Edo” (antigo nome de Tóquio, e de onde, nominada mais nova capital, governavam os Shoguns Tokugawa).
Mas aquele isolamento não duraria para sempre. Em 1853, chegam ao Japão quatro belonaves, comandadas pelo experiente Comodoro Estadunidense Matthew Perry (que participou de vários conflitos travados pelos EUA, como as Guerras Berberes, contra o que hoje são a Turquia, a Líbia, a Argélia, a Tunísia e o Marrocos, no início do século XIX), que exigiu a abertura dos portos japoneses a países estrangeiros. Houve um intenso e inédito debate interno no Japão sobre as ameaças representadas não somente por aquela, mas, também, várias outras potências estrangeiras, como o Reino Unido, a França e a Alemanha, que queriam fazer do Japão seu entreposto comercial. No final, prevaleceu a vontade do Comodoro, o que ajudou a desestabilizar e cair mais posterior e último Shogun Tokugawa, restando a conseguinte Restauração Meiji, em que o Imperador Matsuhito retomou o Poder de facto, que seus mais remotos antepassados tinham perdido (ou repassado) à antiga Dinastia Kamakura.
O Japão mergulhou num novo tempo de incertezas. E é a ousadia perante as incertezas que faz a História e seus protagonistas, dos quais o nobre povo japonês é um dos grandes e principais atores, sendo o seu percurso, desde a Antiguidade, um dos mais fascinantes e envolventes de toda a civilização.