Eu estava recepcionando minhas visitas naquela noite. Amigos em comum num jantar bem alegre com muitos assuntos interessantes.

Um dos convivas diz ter ouvido uma buzina no lado de fora da casa. Fui olhar. Quem sabe, viesse mais alguém?

Realmente tinha um carro estacionado na frente da casa ao lado, com os faróis acesos e buzinava freneticamente, sem parar.

Era uma noite fria que deixava cair uma chuvinha fina parecendo até uma pequena nevasca.

Na casa ao lado não morava ninguém.

O vizinho de trás havia comprado as duas casas, a dos fundos que dava de frente para outra rua e a da frente que dava para a minha rua e que ficava ao lado da minha.

Sempre a deixou vazia. Tirou do meu lado uns vizinhos maravilhosos, que além de tudo tinham dois cachorros, um rottweiler-fêmea chamada Sabrina e uma cadela Fila, a Sílvia. Minha vizinha adorava dar nomes de pessoas para seus cachorros. Seus três filhos tinham outros nomes, mais inspirados, se chamando cada um deles, Totó, Laika e Lulu.

A Sílvia valia por duas empresas de segurança, pois bastava chegar alguém estranho que ela latia tanto e com tanta vontade que corria suspeitos da casa dela, da minha e do outro vizinho. A Sílvia não era mole.

Era uma grande amiga minha.

Quando essa vizinha viajava, só eu podia entrar no pátio e alimentá-la, pois fora ela e os filhos, nem mesmo qualquer outro amigo ou parente tinham a coragem de chegar perto dela.

Minha mulher nunca entendeu direito, mas eu sempre dizia que era amarrado na cadela da minha vizinha.

Esse vizinho, investidor imobiliário nefasto, com uma oferta irresistível, pagando à vista, comprou a retirada dos meus vizinhos e de suas cadelas amigas e até hoje a mantém vazia.

Nunca entendi o porquê.

Abri a porta de entrada e perguntei ao sujeito que buzinava, quem ele estava procurando.

Num primeiro momento, como sempre, fico pensando se não é nenhum golpe ou tentativa de assalto, mas fiquei mais descansado quando o sujeito saiu do carro.

Era um senhor de idade com um carro tipo "partido de esquerda", ou seja, modelo popular e antigo.

Ele me disse que queria falar com a dona do imóvel sobre o aluguel de uma casa.

Eu lhe falei que não havia mulher nenhuma ali, só dois irmãos que moravam juntos.

Ele então perguntou se ali não era o número 220 e eu lhe disse que era o 226.

"Mas, como?" – Ele continuou.

"Essa não é a rua José de Medeiros?"

- Não - eu respondi, já meio indignado.

- Ah, bom – disse ele.

E foi embora, cantando pneu.

Eu fiquei pensando: O cara chega buzinando forte na rua errada, no número errado, procurando a pessoa errada e ainda sai brabo de forma enlouquecida.

Fiquei com saudades da Sílvia naquela noite. Ela, com certeza, não deixaria o cara dar nem uma buzinada sequer.

Sérgio Lisboa.