Thiago B. Soares[1]

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[1] Doutorando (PPGL-UFSCar). E-mail: [email protected]

 

            O presente texto visa tratar de uma abordagem, que no máximo, poder-se-á dizer panorâmica a respeito da teoria do conhecimento, para tanto alguns pressupostos epistemológicos bem como alguns autores serão convocados a prestar suas devidas contribuições. Dessa maneira, não se trata de esmiuçar a disciplina em seus mínimos detalhes, mas, antes, algumas reflexões filosóficas marcantes.

            Como se sabe é com o findar da idade média que os dogmas da igreja são severamente criticados, pondo em xeque os valores formadores da sociedade medieval de tal forma que há o surgimento do estudo específico do conhecimento humano desvinculado da hermenêutica bíblica, dito de outro modo, a compreensão do homem se reformula para si e para o mundo, o saber advindo das escrituras e suas interpretações eclesiásticas não fazem mais sentido; um modo de compreender declina em prol do surgimento de outro pautado no reconhecimento do homem e seus construtos produzidos até então. Não se trata de dizer que tudo que foi produzido no milenar reinado da compreensão profundamente religiosa deixou completamente de existir, mas trata-se, sim, de afirmar que da passagem do século XVI para o XVII houve cruciais modificações para o desenvolvimento do senso crítico que reinstaura a filosofia como forma de ampliação do saber humano para, que assim, a formalização da Teoria do conhecimento fosse possível.

            Com efeito, ao arrolar-se sobre conhecimento é incontornável passar por Platão (427 – 347 a.C.), ainda que ligeiramente, porquanto ele é um dos grandes pensadores da antiguidade a se deter na problemática da origem do conhecimento. O filósofo grego acreditava que as coisas que temos acesso nesse plano de existência material não são senão “sombras” de formas imutáveis, perfeitas e eternas. Portanto, postula uma essência para cada coisa, entretanto, a essência reside no plano das formas ou mundo das ideias das quais temos algum acesso quando deixamos nossa forma material, mas que ao retornarmos a ele necessariamente passamos pelo rio do esquecimento (rio Letes). Havia, sim, uma forma de obter o real conhecimento, a alethéia, em outras palavras, o real conhecimento era a visada dos, então, filósofos.

 

Para Platão, então, o problema básico da filosofia passa do plano metafísico para o plano epistemológico. Para ele, é apenas porque conhecemos a forma de uma coisa – isto é a essência eterna, universal e transcendental dessa coisa – que podemos reconhecer o que aquela determinada coisa realmente é (TURNBULL, 2001, p. 67).

 

            Nesse sentido, Platão impõe uma questão fundamental para a filosofia de todas as épocas, mormente, para o nascimento da teoria do conhecimento. Essa questão vai da idade antiga, passando pela idade média, até a idade moderna cujo fôlego tem renovado para novas e calorosas discussões. Muitos são os pensadores que nesse tocante querem apontar para uma metafísica e uma epistemologia solucionadoras para os inquéritos, em filigrana, o que é isso e como se pode conhecê-lo. Por certo, correntes filosóficas surgem com pretensão de explicar as dúvidas do conhecimento humano, entre essas têm-se o empirismo de um lado e o racionalismo de outro.

            É, sem embargo, que o racionalismo, desde Platão, apresenta os seguintes pressupostos: o inatismo das ideias, a fundamentação da verdade em abstrações e a inteligibilidade do real. Por seu turno, o empirismo se cerca da experiência como fonte de nossas ideias, isto é, o primado da experimentação é efetivamente a fundação dessa corrente filosófica. Portanto, por um lado há uma abstração do corpo e uma invocação de instâncias nebulosas que seriam imanentes a todos os seres humanos, por outro, a realização do conhecer é aspecto fundamentalmente advindo dos sentidos; numa palavra, uma oposição bastante forte se alastra com vigor por demasiado tempo.

            Entre representantes do racionalismo tem-se René Descartes (1596 – 1650) cuja fundação do cogito é atribuída, pois considera que ainda que duvidemos de tudo não poderíamos duvidar de que duvidamos, então, uma certeza pode-se ter, é necessário haver existência para que haja qualquer dúvida, por extensão, a existência só pode ser obra de Deus. Assim, necessariamente a ideia de Deus deveria ser tida como imanente ao homem.

            Um inglês, Thomas Hobbes (1588 – 1679), vai pensar um tanto diferente e elabora uma metafísica pautada no reconhecimento dos sentidos como sendo o saber, na medida em que não se pode dar conhecimento de substâncias infinitas pelas finitas. Outro defensor dessa ideia é David Hume (1711 – 1776), contudo, radicaliza-a ao ponto de chamar a ideia de substância de “nome geral”. Hume faz uma investigação exaustiva sobre o entendimento humano, chegando a asseverar que:

 

No entanto, embora nosso pensamento pareça possuir essa liberdade imensa, verificaremos, por meio de um exame mais meticuloso, que ele está verdadeiramente preso a limites muito reduzidos e que todo poder criador da mente não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência (HUME, s/d, p. 30-31).

 

            É impossível não notar a ferrenha determinação em provar que o conhecimento que temos não é senão adquirido pelos sentidos, por conseguinte, pelas experiências que se tem, noutras palavras, não se tem conhecimento a priori de algo ou do mundo. Nesse sentido, Hume está relativamente próximo de John Locke (1632 – 1704), que por sua vez, cria que a pessoa ao nascer era uma tabula rasa em que se imprimiam conteúdos conforme as experiências.

            Todavia, Immanuel Kant (1724 – 1804) levara uma forte peleja no viés entre racionalismo idealista e empirismo radical, então, construindo as críticas ao entendimento humano, mais especificamente, aos limites do saber. Grosso modo, Kant postulara que conhecer se dava pela experiência, no entanto, também pela razão cuja faculdade humana que nos distingue de todos os outros animais é inata. Portanto, Kant concebe um conhecimento a priori e um a posteriori que, em suma, seriam as vias de conhecimento possíveis. Para articular sobre esse aspecto de Kant, Fearn (2004, p. 109) afirma: “(...) o conhecimento puro é meramente o puro conhecimento humano, e o estudo de nossas faculdades é uma investigação da natureza das coisas no mínimo tão valida quanto um estudo direto do próprio mundo”.

            Visto isso, conhecer a realidade é nitidamente inevitável, não sem razão, na medida em que todos os seres humanos são, cada qual a sua maneira, agentes do conhecer e pacientes conhecíveis. Sem embargo, não é difícil acreditar nas palavras de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”; haja vista que cada ser humano invariavelmente possui certo conhecimento de si e do mundo.

REFERÊNCIAS

HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. Trad. André Campos Mesquita. São Paulo: Editora Escala, s/d.

FEARN, Nicholas. Aprendendo a filosofar: do poço de Tales à desconstrução de Derrida. Trad. Maria Luiza Borge. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

TURNBULL, Neil. Fique por dentro da filosofia. Trad. Felipe Lindoso. 2º ed. – São Paulo: Cosac & Naify, 2001.