"Com efeito, o amoroso apaixonado já não vive em si, mas no que ama..."(ROTTERDAM,1973:143)

Pois aquele que ama apaixonadamente, conforme descrição de Rotterdam, anula a si em nome do que intitula "sentir pelo outro", criando assim, uma relação, por mais paradoxal que seja, unilateral, onde dois compõem e se dispõem a um, A-Si e Para-Si.
Um apagar-se em nome da exaltação daquilo que o outro lhe representa, ou seja, aquilo que é seu, tendo em vista a percepção de outrem ocorrer sob a sua própria perspectiva, externando a mais viva descaracterização daquilo que objeta. Pelo fato, de que assim como apreende uma parte de si, sob uma perspectiva distinta da sua, o outro também apreende quando lhe capta, o que significa que, reproduzindo o outro captado, você também o exclui da possibilidade de enxergar-se em um outro prisma, negando-lhe uma parte de si, vinculando-se apenas a sua ilusória percspectiva, tendo em vista que por não captá-lo como todo, apenas enquanto fração, também simula este ato fracionário, reproduzindo um simulacro e expondo-o ao seu "interlocutor".
Ao fazê-lo, você enquanto simulador, além de prender-se a esta "má-fé" cíclica, ainda procura levar o outro ao mesmo estado, o que levaria a dois pontos: primeiramente o esfacelamento do que deseja, pois cada vez mais reproduzirá a simulação e assim estará afastando-se do que tanto deseja, a cada intante estará mais sendo você, absorvendo-se em uma imitação "vulgar", do que aquele que seria seu objetivo em tese; em um segundo momento, poderá ocorrer daquele que você ama, perceber a simulação, tendo em vista ser perceptível determinados fatores mínimos, que ajudaram a construir esta falsária impressão e identificáveis a sua pessoa, destruindo assim a sua busca por aquilo de si, que outro teria a lhe oferecer e estando diante daquele dissimulador decadente, cortaria o laço não mais "produtivo".
Sendo assim, aos apaixonados, deveria ocorrer certa parcimônia na lida com a forte impressão captada, pois o "amor", começa Em-Si, assim como outos fatores chamados "sentimentos", e que tendo em vista a realidade ser percebida e concebida de acordo com cada indivíduo, mesmo no ciclo ilusório criado pelas "paixões" citadas por Rotterdam, ainda assim, não deve-se perder a lógica platônica de que, quanto mais elevarmos o que almejamos, mais distante estará de nós se não nos movermos, pois nós criamos as cavernas que nos aprisionam.

Referência Bibliográfica:

ROTTERDAM, Erasmo. Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas: Maria Isabel Gonçalves Tomás. São Paulo: Publicações Europa-América, 1973.