281 - Só me faltava essa! – Capítulo 5

 

 

Bem, chegou enfim o grande momento: Daniel numa cabeceira, Jorge na outra, Teresa e Felícia nas laterais. 

Todos sem jeito, cada um esperando o outro começar,  se abrir.

 

Foi Teresa que iniciou, como não poderia deixar de ser.

Genuína, impulsiva, rápida e decidida. 

Serviu uma fatia de pizza ao marido e depois ao Jorge.

Quando estava para servir a Felícia, levantou o copo, para um brinde, dizendo:

- À  convivência, à nossa amizade, ao nosso futuro, qualquer que ele seja!  

  Devo informar que nós, as mulheres, decidimos mudar de vida.

  Estamos cansadas de sua indiferença, queremos da vida a fatia que nos cabe! 

 

Olhares interrogativos. Expressões estúpidas nos rostos dos dois. Emudeceram.

O garfo do Daniel ficou parado no ar, com um pedaço de pizza espetado, em equilíbrio instável; o queixo do Jorge estava caído, no limite do percurso

 

Finalmente, a pergunta muda transformou-se em voz:

- O que isto quer dizer?

- Quer dizer – respondeu calmamente  Teresa – que  vocês dois vão mudar de casa.  O Jorge vai morar aqui comigo e com as crianças, e Você, Daniel, vai tomar conta da Felícia e do Gregório.

- Mudar? – os dois falavam junto,  sem conseguir descobrir  se era uma brincadeira ou o que tinha de sério.

 

- É simples: Confesse, Daniel – continuou Teresa -  Você sempre olhou para a Felícia com uma vontade imensa. Não negue, não minta, porque estamos nós duas, aqui, para confirmar. Eu vi e ela também viu. Só o Jorge é que não. 

- Mas o Jorge olhava da mesma forma para a Teresa – continuou Felícia -  e nos duas vimos isto também. 

- O interesse pela sopa do vizinho tornou-se tão forte – concluiu Teresa -  que resolvemos trocar de prato. Vamos ver se a coisa melhora; vamos ver se vocês tratam as suas novas esposas de uma maneira mais carinhosa.    

- Se não melhorarem, continuarão casados com as esposas erradas; se não, volta tudo como estava antes.

 

Houve um minuto de silêncio profundo. Finalmente o Daniel, retomado o fôlego,

bradou, indignado:

- Quer dizer que enquanto trabalhamos honestamente, nossas esposas nos fazem de palhaços,  inventam modas, criam uma situação difícil e  absurda?

 

- Não é absurda – retrucou animadamente Teresa - É só o desenvolvimento do que vocês começaram . Imagine o que você faria, se eu jogasse por cima do Jorge esses olhares de peixe morto que você faz para a Felícia!.

- Eu não ligava! – soltou rápido demais o Daniel, já arrependido do que acabava de falar.

- Ninguém acreditaria nisso, Daniel  retrucaram os três, junto, como se tivessem ensaiado a resposta. 

Daniel começou a rir, mais de nervoso do que de outra coisa.

Mas a situação já estava contornada, o primeiro  passo dado, agora seguiria pelos pormenores.

- E quando começaria esta loucura? – perguntou Jorge, já se acomodando com a situação

- Hoje mesmo; é fácil. Você vai ficar aqui e Daniel vai dormir na tua cama. Entendido?

Ainda assim, era uma enormidade, um absurdo, uma enorme pedra no sapato.

Ambos estavam ainda inconformados.

As mulheres acabaram  de comer a pizza, com toda a calma, sorvendo um copo de vinho e passaram à sobremesa. .

Teresa apressou-se em oferecer uma tigelinha ao Jorge, dizendo:   

- Coma, meu amor; é gostoso, é de maracujá; acalma, tranqüiliza; afinal, não é todo dia que um homem enfrenta uma mudança assim na vida!...

Soou como uma caçoada, mas sacudiu os dois.

- Muito bem! -  falou bem alto o Daniel, num tom  alterado, estridente - Eu topo!

- Eu também topo! – gritou do outro lado da mesa o Jorge.

- Perdão, senhores! – interveio Felícia -  Há um equívoco! Ninguém perguntou sua opinião, ninguém precisa de sua aprovação. Queremos deixar claro o  que decidimos e basta.

- Se não concordarem, vão ter que dormir nalgum hotel. E vai ser um vexame. Toda a cidade vai falar de vocês.

O que estamos oferecendo – acrescentou Teresa – é uma alternativa discreta, reservada, de ambos resolverem suas dúvidas – se ainda tiverem alguma – e dentro de quatro ou seis meses, eu e a Felícia veremos o que fazer – em conjunto.  

-  Quatro meses?!! – Seis meses?!!

- Vocês estão loucas! Não há como. Não aceitamos!

- Bem foram vocês que quiseram – e afastada a cadeira Felícia alcançou duas malas, exatamente iguais, e as ofereceu aos dois maridos embasbacados.

- Aqui estão suas roupas de dormir e uma muda de roupa para o trabalho.

- Se quiserem mais – acrescentou Teresa - terão que ficar morando onde mandamos!

 

No meio destas conversas, elas continuavam impassíveis, soberanas,  tão atraentes e elegantes, como se estivessem vestindo roupas longas de baile, saboreando caviar e brindando com champanha francesa; estavam à vontade,  dominando completamente a cena.

Por fim Felícia espreguiçou-se, abafou um bocejo e encaminhou-se para a porta.

- Eu vou. Boa noite, Teresa – e com uma pitada de  ironia, apenas levemente esboçada -   durma bem! – Depois, dirigindo-se ao Daniel – Você vem, amor?   Não se esqueça de trazer a sua mala, viu? – E saiu pela porta afora, seguida por uma fileira de pesados pontos de interrogação, que pareciam fazer um ruído estranho, como de ferragens, a se arrastarem pela calçada...