Tirei carteira de motorista logo que completei dezoito anos. De lá para os dias atuais, passei por algumas situações de trânsito tensas, outras curiosas e até hilárias.

Em 1971, já cursando agronomia e de posse de um fusquinha 1962 que me foi presenteado pelo meu saudoso pai, fui deixar um colega de faculdade, no Porto do Açaí, Belém, Pará. Ele viajaria para Macapá e pediu-me essa carona. Deixei-o lá e após nos despedirmos retornei pra casa. Era em torno do meio dia. Visando cortar caminho e avaliando o pouco movimento do trânsito no horário, decidi fazer uma conversão para esquerda, que era proibida. Avancei. Ao chegar na esquina da av. Portugal, poucos metros adiante, ouvi o apito estridente de um guarda de trânsito. Imediatamente encostei o carro. Ele aproximou-se, falou que eu tinha feito uma manobra proibida e que seria multado. Falou pra eu lhes acompanhar até o clipper – eram terminais urbanos de ônibus que durante décadas se espalharam pela cidade. O número 01 existia na esquina da av. Portugal com a rua João Alfredo, Ver-o-peso – e recentemente fora transformado em delegacia de trânsito do Departamento Estadual de Trânsito, DET. Desci e o acompanhei-o até o clipper. Ele se dirigiu a um outro guarda que estava sentado a frente de uma mesa, talvez, seu chefe, relatou o fato e imediatamente este preencheu um papel de multa com meus dados obtidos pela carteira de habilitação que eu apresentara, mandou eu assinar e me entregou. Tentei insistentemente argumentar que não causei nenhum acidente, que o movimento do trânsito estava tranquilo, etc. etc. etc. Não teve jeito. Eu, ao receber o papel da multa, me dirigi até a porta e em um gesto impulsivo e rápido, amassei o papel e o joguei janela afora. Antes de eu alcançar a porta de saída, um “guarda-roupa”, isto é, um outro guarda – é bom lembrar que naquela época o trânsito do estado era administrado pela Polícia Militar – fechou a saída e eu recebi a ordem: – O senhor está preso! Desacato à autoridade! Um outro guarda saiu e recuperou o papel da multa amassado por mim, era a prova do crime! Por alguns instantes fiquei pálido e paralisado. Que fazer? Fui até o guarda que estava sentado e sentado ficou, pedi pra usar o telefone para ligar para o meu saudoso pai. Ele autorizou, pegou o telefone e me deu. Liguei, contei nervosamente o ocorrido e meu pai sem pestanejar, respondeu-me que iria até mim. Alguns minutos depois, lá estava ele no clipper. Se apresentou – meu pai era oficial major/R1 dentista do Exército Brasileiro – e o guarda narrou detalhadamente o ocorrido enfatizando o meu inadequado comportamento. Argumentos pra cá, argumentos pra lá, finalmente o guarda me liberou, sem antes de me dar um esculacho – o que meu pai estrategicamente concordou – entregou o papel da multa e minha carteira para o meu pai e saímos. Seria esta a minha primeira multa de trânsito acompanhada de prisão!

Ainda estudante de agronomia, agora já estagiando, me deparei com uma situação de trânsito inusitada. Ia eu pela av. Conselheiro Furtado, Belém, Pará, altura da Travessa Serzedelo Corrêa. Retornava pra casa. Um pouco antes desta esquina havia uma blitz do DET. Ao me aproximar, em um gesto certamente premeditado, peguei a carteirinha de meu estágio – em plástico, com minha foto 3x4 e na qual se destacava uma tarja diagonal verde-amarela, e a expus acintosamente no para-brisas. Este movimento perdurou por alguns minutos até eu chegar ao guarda que comandava a blitz. Este, ao ver a carteirinha, gesticulou repetidamente, como mensagem para eu passar livremente. Passei, acelerei o carro e me mandei…

1987. Estava eu e toda a minha família seguindo para Niterói, Rio de Janeiro. Visitaríamos o meu saudoso tio Tonecas. Em um certo trecho da ponte Rio – Niterói fui abordado por uma blitz da Polícia Rodoviária Federal, PRF. O guarda indicou o local apropriado para eu estacionar, aproximou-se e pediu os documentos do carro e a minha carteira de habilitação. Sai de dentro do carro – um Corcel 1973, placas de Belém, Pará – e o acompanhei na vistoria. – O senhor será multado! – disse ele, apontando para a placa traseira. – Está sem o lacre obrigatório. – complementou secamente. Tentei argumentar que estávamos em trânsito; que a Belém – Brasília não tava asfaltada, portanto, muitos buracos haviam, etc e tal. Aí veio aquela argumentação quase infalível: – Poxa, seu guarda, quebre esse galho! – Falei de uma forma não muito convencida, mas falei. – Tá bom. Deixa aí o da merenda que liberarei o senhor. Tirei da carteira uma certa grana – não muita – agradeci e fiz o gesto de entregá-la na mão do dito. Pra minha surpresa o guarda falou em tom mais baixo, quase inaudível: – Não, não me dê na mão. Coloque ali na alça do assento de minha moto – falou ele. Fiz o que mandou, recebi de volta os documentos e segui viagem…

Já em Belém, alguns anos adiante, por volta de 1988, agora na atividade complementar de sitiante, fazia todas as sextas-feiras à tarde, viagens para o meu sítio localizado na estrada de São Caetano de Odivelas (PA – 140). Ia levar rações e materiais. Alguns quilômetros depois da cidade de Santo Antônio do Tauá, antes de alcançar a bifurcação da rodovia – braço esquerdo vai para Vigia e o direito, São Caetano de Odivelas, havia um posto de fiscalização da Secretaria da Fazenda Estadual do Pará, SEFA-PA onde a Polícia Rodoviária Estadual do Pará, PRE-PA também acantonava aproveitando a infraestrutura existente – um prédio, energia e água – e fazia aí suas blitzes. Em uma das minhas primeiras passagens por ela, fui abordado. Aproximaram-se um guarda da PRE-PA e um funcionário da SEFA-PA. Pediram-me os documentos do veículo, do motorista e a nota fiscal da carga, o que atendi prontamente. O funcionário da SEFA-PA olhou as notas, dirigiu-se até a carroceria, vistoriou o que estava embarcado, retornou e falou que estavam faltando as notas do farelo de palmiste. Apresentei-lhes um pequeno recibo manuscrito que costumeiramente recebia na hora da compra deste produto. Ele retrucou que não servia. Enquanto isso, o guarda da PRE-PA, devolveu-me os documentos e disse: – Deixe o da nossa merenda que liberaremos o seu veículo e a carga. Não vi saída e fiz o que pediu. Estas viagens eram rotineiras. Todas as sextas-feiras, à tarde, lá ia eu pro meu sítio em São Caetano de Odivelas. E tornou-se rotineira a minha parada compulsória no tal do posto de fiscalização na PA – 140 para dar a “merenda” pro pessoal. Até que decidi cumprir ao pé da letra o pedido do guarda da PRE-PA. Parei em Santo Antônio do Tauá, me dirigi até uma mercearia, pedi um pão cacete, cortado longitudinalmente e com farta manteiga. Falei que era pra viagem. Paguei e levei o embrulho. Ao chegar no dito posto, antes mesmo de ser abordado, estacionei o veículo e na aproximação do guarda, dei-lhe carinhosamente o embrulho dizendo-lhes: – Taqui a “merenda” de vocês. Risonho ele recebeu o pacote, entendeu a mensagem, agradeceu e eu me mandei.

A última marcante multa de trânsito que recebi aconteceu alguns anos atrás, 2018, em Belém, Pará. Seguia pela av. Dr. Freitas em direção à Universidade Federal Rural da Amazônia, UFRA. Ao cruzar a av. Almirante Barroso, fui parado logo adiante, por um guarda da Secretaria de Mobilidade de Belém, SEMOB, que administra o trânsito no município de Belém e fazia blitz por ali. Parei o carro e em gesto já automático peguei a minha carteira de habilitação e os documentos do carro, esperei o guarda chegar e entreguei-lhes, mesmo antes dele os pedir. Fez aquele já conhecido movimento ao redor do veículo, retornou à janela do motorista e disse? – Seu carro está com o documento vencido! Será multado e rebocado! E me mostrou a data vencida. Tentei argumentar, mas em vão. – A multa custa tantos reais! – Falou ele, em tom agora arrogante e intimidador. – Mas seu guarda! Eu estou sem grana pra pagar esta multa! – Falei um tanto nervoso mostrando um cartão de crédito que portava rotineiramente. Insisti no argumento de que quem dirigia frequentemente o veículo era outra pessoa, e que eu quase não pegava no carro, blá, blá, blá. Ai ele virou pra mim, viu o cartão em minha mão e orientou: – Ali, na esquina da av. Almirante Barroso com a av. Júlio César tem um caixa eletrônico. Vá lá, retire o dinheiro, volte e pague que liberarei seu veículo. – Entregou de volta a minha carteira de motorista mas reteve o documento do veículo, ainda orientou a minha partida e eu fui até o endereço indicado. No caminho, me veio um pensamento e uma armação que tentei formar durante esta inesperada situação. Ops! Não tinha visto nenhum papel de multa gerado na mão do guarda. Esse guarda tá pedindo é propina! – Concluí e já pensando de, em vez de ir ao caixa eletrônico deveria ir em duas emissoras de comunicação que tem seus prédios lá por perto e denunciar a situação. Porém, ao mesmo tempo, lembrei-me de uma reportagem que assisti nas TVs locais dias antes, sobre exatamente agentes corruptores e pensei naquele ditado que diz “a corda arrebenta pro lado do mais fraco”. Fui até o caixa eletrônico, fiz a retirada, paguei a “multa”, recebi os meus documentos e segui adiante. Hoje, minha Carteira Nacional de Habilitação, CNH, está vencida e eu não tenho a menor vontade de atualizá-la! Eita vida estranha essa de motorista!