Situação
Grupos, como famílias, são iguais a princípio e ainda assim completamente diferentes. Possuem a estrutura e dinâmica essenciais de um conjunto de pessoas relacionadas entre si, modificadas pelas condições gerais da época e do lugar, e pelos temperamentos individuais que formam o grupo. A Kabbalah, ou na verdade qualquer ensinamento que se ocupe do espírito, possui a dimensão suplementar dos mundos superiores, existindo assim não só as simpatias e antipatias naturais entre seus membros, como também as interações dos diversos níveis. Por exemplo, embora a pessoa que conduza o grupo possa ser um superior, ele nem sempre será a conexão com a Tradição. Esta situação pode ocorrer no começo da vida de um grupo, quando este não está ainda estabelecido ou no seu fim, quando se tornou uma casca vazia do que foi, em certa ocasião, um organismo vivo. Além disso, como em todas as famílias existem os de geração e de estágios de desenvolvimento interior diferentes, de modo a ser possível um membro mais jovem instruir uma pessoa mais velha em alguma prática com a qual esteja mais familiarizado. Estas condições, acrescidas de muitos outros fatores, dão ao grupo o seu caráter particular.
A influência mais poderosa na estrutura de um grupo são suas circunstâncias físicas e históricas que irão agir na natureza do trabalho a ser desenvolvido. Evidentemente, um país primitivo apresentará uma cultura simples, que não tem um sistema metafísico elaborado, embora possa desenvolver uma série complexa de rituais e símbolos, como os que são encontrados entre os xamãs dos índios americanos. As culturas pré-históricas exibem um alto grau deste tipo de conhecimento alegórico e prático, que diz respeito à natureza do Universo e às forças que operam nos mundos visível e invisível. O sistema dos templos e dos mitos mais antigos pode não se relacionar à nossa época, mas, para quem sabe discernir, descreve a estrutura e os processos da Criação nos símbolos por eles utilizados. A diferenciação entre Manitu, o deus que tudo permeava, e os espíritos dos elementos, plantas e animais da natureza, é um exemplo do discernimento espiritual de um povo um dia encarado pelos brancos como totalmente selvagem.
A fusão de interesses tribais em comunidades onde a vida era mais organizada, como na antiga Mesopotâmia e no Egito, permitia emergir um nível mais elevado de cultura, na criação das ocupações especializadas de uma sociedade urbana. Tal situação produziu um clero profissional, que poderia passar mais tempo em especulação e revelação, pré-requisitos do desenvolvimento consciente. Disto surgiram os complexos dos grandes templos da Suméria e de Mênfis, com suas escolas de sacerdotes que contemplavam as formas do Universo e serviam à comunidade e AA seus deuses. Ur, dos caldeus, foi um lugar assim, e dentro desta cidade mais urbaana, com suas avenidas e jardins, universidade e biblioteca, nasceu Abraão, o pai da Kabbalah. Contudo, ao atingir a maturidade, Abraão não estava satisfeito com a visão riana de muitos deuses governando o Universo. Percebeu uma unidade geral que supervisionava a totalidade da Existência. Realizando isto, foi instruído por Deus para “Sair deste país, de seu povo e da casa de seu pai, até uma região que Eu indicarei”. Isto é, deixe os confins do mundo natural e comece a jornada de retorno à Terra Sagrada. A maioria das pessoas pensa ser Canaã, mas também significa o Mundo do Espírito, onde Abraão foi iniciado por Melchizedek, o mestre rei que, diz a lenda, dirigia uma escola esotérica na cidade de Salem, mais tarde chamada de Jerusalém.
Um bom professor é fundamental para um grupo, e até Moisés, que foi educado no Egito, teve de ser instruído. Seu instrutor foi Jethro, seu sogro, um grande sacerdote na época, e que também acreditava na reaalidade de um Deus supremo. O folclore nos diz que Moisés trabalhou no contexto familiar depois de ser, a princípio, testado severamente por Jethro, a fim de verificar se ele era capaz de se juntar ao grupo. Após muitos anos de treinamento, sendo pastor no deserto, este homem altamente civilizado (lembre-se que ele foi educado como um aristocrata) deveria “descer” até o Egito para salvar um povo desmoralizado que tinha feito de tudo, exceto esquecer seu Deus ancestral. O treinamento de Moisés havia sido através de rebanhos de carneiros, o que lhe proporcionou um bom preparo para esta tarefa. As circunstâncias de sua formação eram exatamente o necessário para assumir a liderança espiritual das doze tribos. Estes Seres superiores que preparam essas pessoas do destino sabem precisamente para quais escolas e grupos elas devem ser enviadas, embora Moisés pensasse nessa época, quando fugiu do conforto do Egito para a desolação do deserto, que sua vida estava sem rumo.
Os essênios do período do Segundo Templo eram bem organizados como escola. Além dos diversos grupos espalhados na Judéia, construíram o complexo monástico em Qumran, no Mar Morto, onde possuíam dormitórios, câmaras de ablução, uma sala de jantar, auditório para assembléia e scriptorium. Auto-suficientes, produzindo sua própria comida, fazendo a própria cerâmica, se autodoutorando, e até mesmo enterrando seus próprios mortos, formavam uma família altamente desenvolvida, onde todos conheciam o seu lugar. O ingresso em semelhante comunidade era controlado com rigor, e seus estudos e práticas eram da forma mais simples, como uma reação contra os métodos superelaborados de ritual e aprendizado dos sacerdotes e fariseus. Evidências indicam um método de trabalho austero, determinado a produzir um tipo especial de pureza física, psicológica e espiritual. Não era a maneira tradicional pela qual o Ensinamento vinha sendo transmitido até então, pois os essênios se retiraram da vida comum e dos processos históricos dos quais o judaísmo sempre se viu como parte. Mas isto deve ter ido de encontro a uma necessidade específica da Judéia daquela época, pois nunca mais foi restabelecido, após os romanos terem destruído o que foi, de fato, um monastério kabbalístico.
Os grupos que operavam dentro das escolas rabínicas da Babilônia eram muito diferentes. Eram conduzidos sob absoluto segredo. Entre o primeiro e o décimo século, por trás da vida acadêmica de Sura e de Pumbedita, pessoas cuidadosamente escolhidas estudavam técnicas de desenvolvimento interior para compreender os mundos superiores. Essas práticas foram efetuadas na Judéia, mas, com a destruição do Templo, muitos místicos vieram até a Babilônia para ensinar nas condições relativamente seguras e civilizadas dos judeus que viviam sob as leis persa e árabe. Muitas novas formulações esotéricas foram aqui efetuadas à luz das idéias gregas, árabes e persas. Às vezes se encontram alguma referência a tais assuntos nos comentários talmúdicos, mas, em geral, qualquer especulação externa se limitava a pequenas e resumidas obras, como o bastante obscuro Livro da formação. Na verdade, os estudos esotéricos eram desencorajados pelos rabinos, sem dúvida porque temiam que o Ensinamento fosse distorcido rapidamente e proliferasse na universidade, onde mentes brilhantes, porém jovens ficariam sobrecarregadas com coisas que mesmo kabbalistas experientes tratam com grande cuidado e respeito.
As condições na medieval Toledo não eram diferentes, mas aqui havia a situação de uma multicultura ainda mais próxima entre o Ocidente e o Oriente. Nessa cidade cosmopolita, judeus, árabes, celtas, visogodos, franceses, alemães e italianos se misturavam com relativa facilidade. Nos níveis intelectuais, as pessoas conversavam ou liam em árabe ou castelhano, hebraico, latim ou grego. Escolas de tradução haviam sido instituídas na universidade, e chegavam eruditos de todo o mundo, então conhecido, para estudar assuntos relacionados à metafísica e à magia, pelas quais Toledo era famosaaa. Muitos místicos muçulmanos, cristãos e judeus eram, sem dúvida, mais que conhecidos uns dos outros. O livro Deveres do coração, escrito por um juiz judeu, se tornou um trabalho padrão entre a Diáspora, embora contivesse muitos conceitos neoplatônicos e sufis. Esse foi o clima em que o seu autor, Bahya ibn Pakudah, viveu. Sem dúvida, aqueles que se conheceram no equivalente a bares de estudante, discutiam o significado da vida, como os estudantes sempre fizeram; e muito possivelmente alguém sentado em uma mesa, rabiscando eloqüentes versos hebraicos em estilo árabe, procurava prováveis candidatos ao grupo kabbalístico que se reunia perto do palácio de Samuel Halevi. Nem todos que estudam Kabbalah são ortodoxoss ou rabinos. É provável que o nível de educação daaquela época, na Espanha, tenha sido o mais elevado da Europa, e por certo ali era sua capital espiritual.
Situação completamente diferente era a dos grupos que se reuniam no século dezesseis na cidade galiléia de Safed. Aqui havia uma reunião dos exilados da Espanha no cenário de um país árabe, porém governado pelos turcos. Nesta época, havia pouca cultura ativa em uma terra que se tornara decadente e devastada em todos os níveis; e ainda assim, kabbalistas de todo o mundo vieram para esta cidade, porque por duas ou três gerações existiram ali escolas espirituais. Diversos grupos se reuniam nas pequenas sinagogas e casas de estudo afastadas das ruas tortuosas de uma cidade onde o ar era excepcionalmente límpido. A vida era uma contínua prática e estudo de princípios kabbalísticos, só interrompidos por um eventual terremoto ou uma revolução árabe. Um grupo, por exemplo, formou uma sociedade espiritual que vivia em estado constante de confissão e oração enquanto outro escolheu se retirar em um cômodo silencioso depois de um pesado dia de legítima reflexão, para escutar seu mestre entrar em semi-transe e falar sobre tópicos kabbalísticos, os quais anotava em seu diário. Em Safed, muitas orações novas e rituais fundamentados em noções kabbalísticas foram criados, e ainda hoje são utilizados na liturgia judaica. Eles são agora vistos como muito tradicionais.
As condições da época atual foram geradas em parte pelo holocausto de 1939-45, que fez tudo, menos destruir a Linha hassídica da Kabbalah. Escolas inteiras foram eliminadas, e a linha de comunidade foi quase perdida. Por sorte, os métodos utilizados estão sendo preservados pelo renascimento do hassidismo em Israel e na América, mas esta forma pode ser estudada apenas por aqueles que estão preparados para serem judeus ortodoxos. A Kabbalah, contudo, é maior que qualquer seita, e a tradição está se manifestando através de diversos grupos e escolas alternativas. Alguns destes estão fundamentados em métodos de transmissão já existentes, e alguns são formulações novas, que satisfazem a ânsia espiritual de pessoas desejosas de trabalhar no Caminho da Kabbalah. Agora, nas primeiras décadas do século vinte um há um grande e contagiante interesse de âmbito internacional por assuntos esotéricos, sendo escritos muitos livros sobre Kabbalah. A Kabbalah, contudo, só pode ser transmitida oralmente, e assim, onde quer que a necessidade se concentre, pessoas interessadas se reúnem e atraem um instrutor para ensinar o sistema. Nessas condições, escolas kabbalísticas, algumas abertas, outras fechadas, estão principiando a educar e a servir grupos em diferentes partes do mundo. Cada grupo gerado terá suas próprias características, de acordo com sua localização e com as pessoas envolvidas. Alguns se relacionarão com métodos mais tradicionais, e outros serão de todo oroginais em sua abordagem. A escola da qual sigo, mistura termos antigos e modernos. Se a conexão interna existir, o resultado será o mesmo. É claro que isto dependerá do líder do grupo, e de sua relação com o Ensinamento