SISTEMA PROCESSUAL ELETRÔNICO, UM AVANÇO NO PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES E PRÁTICA DE ATOS PROCESSUAIS PORÉM UM POSSÍVEL RETROCESSO AO ACESSO Á JUSTIÇA PELO CIDADÃO COMUM.
Publicado em 10 de setembro de 2017 por Maria Angélica Peti Marques
Após dezesseis anos das primeiras tratativas, a época aparentemente utópicas sobre a infomatização dos procedimentos judiciais dentro de um processo totalmente eltrônico temos enfim a concretização deste feito.
O acolhimento de todas as formas de avanço tecnológico é uma máxima nos dias atuais e certamente o Poder Judiciário não poderia ficar a margem deste movimento.
A morosidade do procedimento é a maior causa de insatisfação em se tratando de acesso a justiça, e foi essencialmente visando combater essa lentidão que a informatização do processo foi e vem sendo justificada.
Embora a celeridade buscada ainda não tenha atingido os níveis desejados, nem pelos seus defensores e nem tão pouco para quem busca a tutela jurisdicional, os avanços são inegáveis, entre eles se destacam a economia para a máquina pública e desburocratização do procedimento em si.
Diante tantas facilidades e comodidade no manejo do processo, pouco se têm falado sobre a informatização frente ao jurisdicionado, em nenhuma das muitas regulametações feitas desde o ano de 2011 se levou em conta o preparo do homem comum para acompanhar essa tecnologia.
As regulamentações visam obviamente tratar de um arcabolço de possíveis problemáticas que a informatização trouxe e a inda há de trazer, mas o fator humano não foi em nenhum momento tratado.
Esse esquecimento do trato com a pessoa certamente deixou a márgem do processo a parte mais interessada de toda e qualquer melhoria que se deseja alcançar, o jurisdicionado.
As regulamentações essencialmente tratam a parte como se tivesse o mesmo conhecimento técnico e capacidade de acesso que os advogados, peritos e demais auxiliares da justiça.
A infomatização deve ser analisada de forma a verificar se não gera uma barreira entre o cidadão e seu processo, barreira que foi quebrada a pouquíssimo tempo.
A impossibilidade de ter acesso ao procedimento e aos atos processuais pela incapacidade técnica ou social não estaria infringindo dois princípios básicos norteadores do serviço público?
A informatização é uma realidade e seus benefícios são incontáveis, mas uma análise sobre a forma que esse procedimento vai tratar a inclusão do homem comum a esse movimento deve ser tratada com mais atenção, sob risco de ferir princípios constitucionais.
A questão das modificações do procedimento e as implicações na forma de acesso deve ser enfrentada pautando-se sempre no fato de que o Judiciário é um Poder do Estado, devendo enquadrar-se nos parâmetros democráticos, interagindo em conjunto com a sociedade identificando os reais interesses e a autêntica vontade do povo.
Nota-se que a informatização do processo judicial claramente é um desafio de gestão e aplicabilidade enfrentado pelo poder público.
O caminho da informatização iniciou-se no ano de 2001 quando um projeto apresentado pela AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil) dava força ao movimento de tornar mais celere o processo judicial, o projeto de Lei número 5.828/2001 foi assinado por membros dos três poderes e inaugurou o movimento que somente tomaria corpo mais de 15 anos depois.
Em 2006, a lei 11.419 de 19 de dezembro traçou as linhas gerais para a implementação da mudança e posteriormente cada segmento do Poder Judiciário delineou suas diretrizes.
A Justiça do Trabalho iniciou a implantação no ano de 2012, seguida pela Justiça Federal no mesmo ano e em 2013 a Justiça Eleitoral também estava adaptada aos moldes digitais.
O CNJ através da resolução Nº 185 de 18/12/2013 emoldurou alterações de natureza organizacional que por fim estabeleceram o cenário aparentemente ideal para a implementação definitiva do procedimento digital na Justiça Estadual.
A questão é que nenhum destes diplomas trata do acesso do cidadão comum ao processo.
Tratado como se tivesse a mesma capacidade técnica de advogados e peritos, as partes do processo estão submetidas a cadastros e geração de senhas que nem sempre tem autonomia para realizar, ficando a mercê dos profissionais que as representam.
Essa barreira gerada pela informatização dos atos processuais certamente tem a boa intensão de tornar o procedimento mais celere, por outro lado esbarra ferindo o princípio da publicidade dos atos, e consequentemente ao acesso á justiça pelas partes.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no ano de 2007 apresentou firme oposição em relação a alguns tópicos da informatização, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar (ADI nº 3880), alegando a inconstitucionalidade dos artigos 1º, III, "b", 2º, 4º, 5º e 18 da Lei, por violarem diversos princípios e garantias constitucionais, entre eles proporcionalidade, publicidade dos atos processuais e isonomia, além dos artigos que disciplinam a Ordem dos Advogados do Brasil (artigos 93, I; 103, VII; 103-B, XII, § 6º; 129, § 3º; e 130-A, V, § 4º da CF).
O pedido de liminar tinha como objeto a suspensão da vigência dos dispositivos questionados na ADI.
Com o decorrer dos anos muitas das preocupações da OAB foram superadas pela adequação dos procedimentos, porém não houve levante em relação ao cidadão comum frente a informatização.
A poucos anos o brasileiro passou a supervisionar seus direitos com mais proximidade, acompanhando os atos processuais e a evolução do trâmite do seu processo. Porém a informatização, mesmo visando a celeridade, que beneficia o cidadão de forma direta, por outro ângulo o afasta novamente do processo.
Quem é o cidadão comum? Esta figura, esquecida em diversops aspectos sociais, tratado pelo Direito como homem médio, que a meu ver é a pessoa que transita em diversos níveis de conhecimento, sem profundidade, porém esta ausência não lhe compromete o entendimento de assuntos cotidianos, este é o homem médio.
Estas pessoas, na qualidade de jurisdicionado, o que busca seu direito junto ao Judiciário, teve seu acesso dificultado, e muito, pela informatização do processo, hoje, diferente de quando os autos eram físicos, para que a parte possa ter acesso aos atos praticados em seu processo deve ter acesso a um equipamento, ou meios de acessar, e um conhecimento mínimo de navegação para isso.
Além desta capacidade, a parte ainda deve se dirigir ao Forúm para que uma senha seja gerada em seu nome para liberar este acesso.
E baseando-se nesta informação outra pergunta surge, quem são as pessoas que aguardam hoje seus direitos serem reconhecidos pelo Poder Judiciário? Quais as condições que estas pessoas apresentam frente a estes obstáculos?
É comum para um advogado se deparar com clientes que não apresentam a documentação necessária, constitutiva do seu direito, pelo simples fato de não saber onde busca-la, pelo simples fato de não ter meios para produzir um documento, uma fotografia, enviar uma reclamação via correio electrónico para um serviço de atendimento, e assim por diante.
Lamentavelmente esta barreira digital não foi criada somente no Judiciário, mas em muitos setores, com potencial e expectativa de aumentar ainda mais.
Com isso, a responsabilidade com o outro se faz ainda mais importante, em auxiliar, ensinar, abrir portas para quem não as alcança.
Mas, por mais bem-intencionadas que as pessoas possam ser, a responsabilidade de cuidar do povo, de dar as pessoas o que lhe é de direito foi conferida ao Poder Público e é exatamente essa a questão, se a Justiça é para o povo, qual o motivo de manter às pessoas longe dela.
O acesso a Justiça deve ser visto da forma mais ampla possível, deve atingir a todos, da forma mais igualitária possível.
Ter acesso é ter passagem livre, é participar, não somente de maneira formal, e sim da forma mais conciênte possível. É necessário algum movimento para que as partes não sejam afastadas de seus próprios interesses, figurando apenas como números dentro de procedimentos que evoluirão aferando-lhes a própria vida.
A inclusão tão buscada nos dias de hoje não pode ser menor que a necessidade de avançar tecnologicamente, é necessário caminhar entre essas duas necessidades, não deixando ninguém a márgem.
REFERÊNCIAS
Neste projeto somente foram utilizados conceitos gerais existentes na Legislação oficial, disponível em http://www2.planalto.gov.br/
Também foram consultadas informações disponível em sítios eletrônicos de notícias e revistas do ramo, disponíveis em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=69509
https://pt.scribd.com/document/272557092/Revista-oab-95-Capa-Artigo-Pierpaolo-Revista-OAB