INFRAÇÕES DISCIPLINARES: SINDICÂNCIAS E A OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO (Felipe Genovez)

A sindicância tem sido usada sob forma de um pequeno inquérito, para esclarecimento breve de um fato ou de sua autoria, ou, ainda, para a apuração e apenamento de faltas disciplinares não muito graves. Uma manobra, nestes casos, válida, para evitar o processo disciplinar, de procedimentos prescritos em Lei, livre contraditório, prazo mais amplo e, como tal reservado para casos mais graves" (in Ernomar Octaviano e Átila J. Gonzales. Sindicância e Processo Administrativo, 5ª. edição, Ed. Universitária de Direito, 1990, págs. 20/21).

Celso Ribeiro Bastos sobre assunto e comentando o art. 5o, LV, CF/88, assim se manifesta: “De outra forma, nada obstante o fato de o procedimento administrativo disciplinar não ser guiado nos seus atos da mesma forma que o é o processo penal, algumas fases, contudo são inafastáveis. Por exemplo, a ciência inicial da imputação ao acusado, a sua audiência  e a produção de provas e contraprovas, dentre outras. Uma palavra deve ser dita a propósito da sindicância. A administração, quando não tem condições de instaurar imediatamente  o procedimento cabível, dispõe do instrumento da sindicância, que tem por propósito a averiguação ou a apuração de um fato. A sindicância não implica, num primeiro momento ao menos, a existência de culpados. Daí porque dispensar o contraditório e a ampla defesa. A mera condição de sindicado não confere ao servidor as prerrogativas em pauta. Acontece, entretanto, que o Estatuto dos Servidores de alguns Estados prevê a possibilidade da aplicação de sanções, uma vez apurado o ilícito administrativo e a respectiva autoria. Há como que uma autêntica conversão da sindicância em processo administrativo. Em assim acontecendo, obviamente abrem-se ao acusado todas as possibilidades da defesa, ampla e contraditória (...)” (Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 2o vol. , 1989, pág. 268).

Em termos de se assegurar os princípios da ampla defesa e do contraditório, nosso entendimento é que o processo administrativo previsto no texto constitucional abrange também tanto as fases das sindicâncias (investigatório e acusatória). Nessas circunstâncias as sindicâncias se mostram capazes de recepcionar a aplicação de sanções disciplinares, especificamente, nos casos de infrações de menor gravidade, a exemplo do que ocorre com a legislação federal. É bom lembrar que o RJUSPC/União entrou em vigor no final do ano de 1990, portanto, bem posterior à Constituição Federal/88, entretanto. A sindicância se mostra instrumento célere e da maior utilidade no serviço público, onde as faltas disciplinares, muitas das vezes são uma constante, considerando-se a natureza das atividades, como as de segurança pública.

A Autoridade deverá usar de muita cautela ao determinar a abertura de uma sindicância. Dessa maneira, recomenda-se às autoridades policiais  evitar atitudes precipitadas, condição essa que poderá trazer problemas sérios à repartição, sem contar o desprestígio ao procedimento adotado injustamente, sem deixar de se levar em conta o clima de intranqüilidade que se estará propiciando perante todos os demais servidores. Vige o princípio de que o servidor público não poderá responder a dois procedimentos administrativos sobre o mesmo fato. A autoridade que primeiro tiver conhecimento de fato onde haja a possibilidade de existência de infração disciplinar, deverá imediatamente comunicar essa ocorrência ao superior hierárquico, salvo se se tratar de seu subordinado, quando estará autorizada a instaurar a sindicância.

Quanto ao prazo para comunicação de irregularidades disciplinares no âmbito interno do serviço público, a autoridade competente deverá imediatamente, contados da ciência do fato, adotar as providências necessárias (instauração de sindicância e/ou comunicar os fatos ao superior hierárquico). Não procedendo dessa maneira, poderá  em infração disciplinar prevista na legislação que rege o respectivo órgão. O pedido de prorrogação de prazo de sindicância deverá ser justificado através de despacho fundamentado nos autos pela própria autoridade sindicante. O prazo para a instauração e conclusão da sindicância é contado a partir da autuação da portaria inicial e não do fato ou da sua comunicação. Geralmente o prazo de conclusão é de 15 (quinze) dias e poderá ser prorrogado nos termos da lei, desde que fundamentado e com o conhecimento do órgão correicional.

"Sindicância é promovida como peça preliminar e informativa do processo disciplinar e sempre que este não for obrigatório, como adiante se verá. É absolutamente correto dizer-se que a sindicância está para o processo administrativo assim como o inquérito policial está para o processo criminal (...). Sindicância e inquérito, no entanto, não se erigem em peças essenciais à instauração processual. O processo pode apoiar-se nessa peça informativa, inicial, ou simplesmente ter vida e curso autônomo" (Egberto Maia Luz. Direito Administrativo Disciplinar, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª. edição, 1992, SP, pág. 128).

Algumas dúvidas têm sido suscitadas a respeito de funcionários que prestam serviços à Polícia Civil. Nesse caso, seguindo a regra contida no art. 4°., desta Lei, não tenho dúvida de que os mesmos devem se subordinar ao sistema disciplinar preconizado nesta Lei. Para tanto, impõe que os mesmos estejam prestando serviços oficialmente à Polícia Civil, isto é, que estejam efetivamente à disposição, com exercício em órgão ou unidade da corporação para exercerem atividade policial civil. Do caso contrário, se os serviços prestados forem temporários e/ou se não são inerentes à Polícia Civil, como é o caso de empréstimos de funcionários por Prefeitura Municipal para ter atuação na área de trânsito, entendemos que deva se subordinar ao sistema disciplinar a qual está vinculado estatutariamente o funcionário, nada obstando que as irregularidades sejam apuradas em sindicância policial civil, mormente se houver repercussão no âmbito da corporação. Registre-se que as irregularidades praticadas por militares, no exercício de função eminentemente policial civil, deverão ser apuradas de acordo com as disposições deste Estatuto. Justifico meu entendimento nos seguintes princípios: a) O servidor que presta serviços de natureza policial civil deve se subordinar ao regime disciplinar deste ordenamento jurídico, sob pena de haver quebra de princípios da maior relevância para a instituição, como a Hierarquia e Disciplina; b) Estímulo a prática de infração disciplinar; c) estímulo a indisciplina e insubordinação; d) evitar a impunidade; e) efetiva apuração dos fatos; e) efetiva resposta sobre infrações disciplinares com repercussão na sociedade; f) preservação dos serviços prestados pela Polícia Civil. Em se tratando de policial civil prestando serviços em órgão estranho à Polícia Civil, entendo que deva o mesmo se subordinar ao regime disciplinar a qual esteja vinculado, salvo se a infração praticada venha violar disposições previstas neste diploma, sendo alcançado pelo regime disciplinar policial civil.

Marco Túlio de Carvalho Rocha, em artigo intitulado " A Unicidade Orgânica da Representação Judicial e da Consultoria Jurídica do Estado de Minas Gerais", publicado no Juris Síntese nº 17 -Maio/Junho de 1999, estabelece com absoluta clareza que o "controle administrativo interno realiza-se ora pela aplicação do princípio da hierarquia, ora pela atuação de órgãos especializados. Pelo princípio da hierarquia, pode o órgão superior da Administração em relação aos que lhes são subordinados: rever os atos, delegar e avocar atribuições e aplicar as penas disciplinares previstas em lei. A inferioridade hierárquica confere  aos subordinados o dever de obediência".  Assim, muito embora nossa diploma não faça previsão expressa sobre o poder avocatório, entendo que, baseado no princípio da hierarquia (art. 6°), plenamente viável o poder avocatório do Corregedor-Geral ou de qualquer autoridade policial, em se tratando de exercer o poder avocatório de procedimentos administrativos policiais civis (ver ato administrativo – competência).

O mesmo deve ocorrer em se tratando de inquérito policial, considerando a linha de subordinação hierárquica entre os órgãos policiais civis, no entanto, entendo que o procedimento deverá prosseguir na comarca em que se deveu a ocorrência policial, isso pelo princípio de identidade da infração com o local onde deverá o fato ser processado e, finalmente, julgado. Este diploma - até por não se constituir uma Lei Orgânica (ver índice – ‘Estatuto’) -, deixou de contemplar a estrutura da Polícia Civil. Por via de conseqüência, não dispôs sobre a estrutura e organização da Corregedoria Geral (ver índice). Em que pese essa circunstância,  chamo a atenção acerca da importância de uma lei que trate especificamente de todos os órgãos que compõem a Polícia Civil, nos termos do art. 5°, desta Lei. Nesse sentido, vale a pena registrar a iniciativa do Desembargador João Martins – Presidente do Tribunal de Justiça/SC e que por meio do Provimento n. 03/98, instituiu o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça – CNCGJ (DJ 9.896, de 22.1.98, p. 3). Em seus considerandos, dá ênfase a necessidade de “otimizar a consulta dos diversos Provimentos, Circulares e atos administrativos editados pela CGJ; a dificuldade de localizar-se os dispositivos em vigor, em face da ausência de sistematização e quantidade de atos expedidos; a praticidade e operosidade da edição de volume único (parte judicial), na forma de código de normas. No art. 2°., do referido regulamento consta que “a Corregedoria Geral da Justiça, órgão de fiscalização disciplinar, controle e orientação dos serviços forenses, com jurisdição em todo o Estado, é exercido por um Desembargador, denominado Corregedor-Geral da Justiça, com a cooperação de juízes corregedores auxiliares”. Art. 3°. Os atos do Corregedor-Geral da Justiça serão expressos por: “I – Despacho: decisão prolatada no corpo de autos em tramitação na CGJ ou de competência desta; II – Ofício: ato de comunicação externa; III – Portaria: ato que objetiva aplicar, aos casos concretos, os dispositivos legais atinentes à atividade funcional dos magistrados, serventuários e servidores da Justiça, assim como, instaurar processos administrativos ou sindicâncias; IV – Circular: instrumento em que se divulga matéria normativa ou administrativa, para conhecimento geral; V – Ordem de Serviço:  Ato de providência interna e circunscrita ao plano administrativo da CGJ;  VI – Provimento: Ato editado com o escopo de instruir Juízes, auxiliares e servidores da Justiça, evitar ilegalidades, emendar erros e coibir abusos, com ou sem cominação. Parágrafo único. Os provimentos que contiverem instruções gerais serão publicados no Diário de Justiça. No art. 11, par. 3°., consta, ainda, disposição acerca da correição de juízes nas delegacias de polícia,  ‘verbis’: “A correição permanente pelos juízes consiste na inspeção assídua e severa dos cartórios, delegacias de polícia, estabelecimentos penais e demais repartições que tenham relação com os serviços judiciais e sobre a atividade dos auxiliares e servidores da Justiça que lhes sejam subordinados, cumprindo-lhe diligenciar para o fiel cumprimento das disposições legais mantendo, outrossim, a ordem do serviço forense”. Tem-se questionado se  Delegados de Polícia em exercício na Corregedoria-Geral da Polícia Civil, mesmo não estando investidos em cargo de provimento em comissão,  estão aptos a sindicar de ofício. Ademar Rezende – professor da Academia da Polícia Civil e advogado tem levando essa questão, pois, segundo seu entendimento, isso afronta princípios hierárquicos e pode acarretar outras conseqüências. Firmo meu posicionamento no sentido afirmativo, isto é, podem os Delegados de Polícia em exercício na Corregedoria-Geral sindicar de ofício, entretanto, desde que haja expressa designação para o exercício da função. De outra parte, não se pode admitir em quaisquer circunstâncias, ou seja, mesmo em se tratando de Corregedores,  que haja comprometimento do princípio hierárquico prescrito na LC 055/92 c/c art. 7o, EPC/SC. Muitos ainda teimam em aceitar o novo ordenamento hierárquico que exige compatibilização da comarca com a graduação da autoridade policial.  Há que se registrar que a quebra da hierarquia – a partir do advento da LC 055/92 - só se admite na mesma graduação, pois, em se tratando de dois Delegados de mesma entrância, aquele que detiver função de confiança ou cargo de provimento em comissão terá evidentemente ascendência sobre os mais antigos. Essa substancial alteração se deveu porque passou a se exigir que a lotação dos Delegados de Polícia deva ocorrer em comarcas compatíveis com a graduação (Anexo I, LC 055/91, c/c art. 40, par. 3o, LC 098/92, art. 33, do Dec. 4.196/94 e Resolução n. 041/95). A Lei Orgânica do Ministério Público (LC 197/2000) estabelece no seu art. 35 que “A Corregedoria-Geral do Ministério Público é órgão da Administração Superior do Ministério Público, encarregado da orientação e fiscalização das atividades funcionais e da conduta dos membros do Ministério Público. Par. 1o Compete também à Corregedoria-Geral do Ministério Público avaliar o resultado da atividades das Promotorias de Justiça e, qauando autorizada nos termos desta Lei Complementar, das Procuradorias  de Justiça. Par. 2o A Corregedoria-Geral do Ministério Público terá um Promotor de Justiça, dea mais elevada entrância, indicado pelo Corregedor-Geral do Ministério Público, como Secretário, designado pelo Procurador-Geral de Justiça, com atribuições disciplinadas no respectivo Regimento Interno.” A seguir, estabelece o art. 36, da mesma Lei Orgânica: “O Corregedor-Geral do Ministério Público será eleito, por voto obrigatório e secreto, pelo Colégio de Procuradores de Justiça, para mandato de dois anos, na segunda quinzena de março dos anos pares, permitida uma recondução observado o mesmo procedimento”. 

JURISPRUDÊNCIA:

SINDICÂNCIA – PROCESSO DISCIPLINAR – DISTINÇÀO:

STF, Tribunal Pleno, MS n. 22.791, MS: “(...) A estrita reverência aos princípios do contraditório e da ampla defesa só é exigida, como requisito essencial de validez, assim no processo administrativo disciplinar, como na sindicância especial que lhe faz às vezes como procedimento ordenado à aplicação daquelas duas penas mais brandas, que são a advertência e a suspensão por prazo não superior a trinta dias. Nunca, na sindicância que funcione apenas como investigação preliminar tendente a coligir, de maneira inquisitorial, elementos bastantes à imputação de falta ao servidor, em processo disciplinar subseqüente”. 

“Constitucional. Administrativo. Servidor público. Demissão. Cerceamento de defesa.  Lei 8.112/90. Sindicância: não instauração (...). Desnecessidade da instauração da sindicância, se já está confirmada a ocorrência de irregularidade no serviço público e o seu autor (Lei 8.112/90, artigos 143/144). III – Procedimento administrativo disciplinar julgado com excesso de prazo (Lei 8.112/90, art. 169, par. 1º). IV – Inocorrência do alegado cerceamento de defesa, dado que aos acusados, ao contrário do alegado, foi assegurada ampla defesa. V – Mandado de segurança indeferido” (MS 22.055/RS, Tribunal Pleno, Min. Carlos Velloso, DJU de 18.10.96).