SILÊNCIO, FRAGMENTAÇÃO, (IN) VISIBILIDADE: A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NA OBRA MACHADIANA

RESUMO 

O presente artigo propõe-se à análise dos contos O caso da vara e Pai contra Mãe, pela ótica da representação do negro na obra machadiana. Para tanto, anteriormente é elucidado um estudo sobre a representação, em que se intenta sublinhar a importância do conceito de representação social na atualidade.

Palavras-chave: Representação, Negro, Obra machadiana.

 INTRODUÇÃO

 A obra de Machado de Assis é solidamente entendida para críticos como Antonia Candido, Roberto Schwarz, entre outros, como a mais importante para a consolidação do sistema literário nacional.  Em Leituras em Competição, Roberto Schwarz, ao falar das evoluções das leituras da obra machadiana na crítica brasileira, diz que:

 Passo a passo, o romancista foi transformado de fenômeno solitário e inexplicável em continuador crítico e coroamento da tradição literária local; em anotador e anatomista exímio de feições singulares de seu mundo, ao qual se dizia que não prestava atenção; e em idealizador de formas sob medida, capazes de dar figura inteligente aos descompassos históricos da sociedade brasileira. (SCHWARZ, 2011, p. 64).

 A sua obra não se fixa em um ambiente temporal determinado. Ela avança tanto na forma quanto na exposição temas complexos, considerados a frente do seu tempo, “obrigando a crítica atual, para explicá-lo, a evocar autores que vieram depois, como Pirandello, Proust, Kafka, sem falar de seu contemporâneo Dostoiévski” (CANDIDO, 2010, p. 67).

Fora comum durante certo tempo, entretanto, o discurso de que a obra machadiana ignorara a “questões sociais” (SCHWARZ, 2011, p.). Tal discurso fora construído, pensa-se, tendo em vista um autor mulato, oriundo de uma classe humilde, que pouco escreveu sobre o negro e os menos favorecidos, bem como a sua situação na sociedade. É notório que Machado, quando se propôs a escrever, não aderiu ao engajamento dos românticos, propensos a um nacionalismo e reivindicação social; transparece-lhe, antes de tudo, a preocupação com o desenvolvimento da literatura nacional, como se percebe no ensaio Notícia da atual literatura brasileira. Instinto de Nacionalidade (CANDIDO, 2010).

No entanto, em sua obra encontram-se ecos de uma classe silenciada. Em contos como Pai contra mãe e O caso da vara, entre outros, tem-se, de certo modo, a representação da condição do negro na sociedade da época (e não só deste, mas também de uma classe pobre). Pensando nisso, indaga-se: embora a obra machadiana não tenha privilegiado contingencialmente a representação do negro e de uma classe desfavorecida, por quais perspectivas, ideológicas ou não, tal processo representativo é engendrado; não esquecendo, para tanto, de observar os movimentos do projeto literário em curso na época, assim como as tensões ideológicas (mesmo em um discurso que silencia ou que pareça imparcial).

Nessa perspectiva, propõe-se para a questão apresentada o entendimento de que a representação do negro na obra machadiana: a) existe, embora se complete muitas vezes nas lacunas, onde o texto silencia; b) expressa um movimento da obra do autor, o qual escapa dos domínios do realismo; c) é o resultado de uma consciência estética e da conjuntura social peculiares. A representação do negro, nessa perspectiva, não é positiva, se comparada à representação do índio nos romances indianistas, nos quais lhe é atribuída uma imagem heróica; na tentativa, pensa-se, de construir um precedente histórico. Diferentemente disso, o que Machado mostra é uma imagem cheia de vazios, construída a partir de fragmentos e silêncios.

Para pensar essa questão as possibilidades das representações sociais[1], enquanto aporte teórico, mostram-se pertinentes, não só pela diversidade de textos produzidos, os quais apresentam-se como ponto de intertextualidade com diversas áreas das ciências humanas –  densidade propícia para pesquisas em áreas afins, como a psicanálise,  sociologia, a antropologia, etc. –,  mas principalmente pela possibilidade de estudar as questões literárias articuladas às questões da representação do homem na literatura e por extensão na sociedade.

Este artigo primeiramente, em Sobre a Representação, esboça um estudo sobre a representação, direcionando o foco para a representação social do negro. Posteriormente, em O lugar da obra machadiana e em O negro e a invisibilidade tece considerações acerca de algumas leituras da obra machadiana. Posteriormente, em Fragmentação, silêncio, (in) visibilidade analisa e em O realismo subvertido analisa os contos O caso da vara e pai contra mãe, sob a ótica da representação do negro na mencionada obra. Conclui fazendo um panorama das análises empreendidas.