Marcio Garrit[1]

Resumo

O artigo se insere numa pesquisa acerca da importância de analisar as relações de sexo e gênero na sociedade contemporânea.  Discutiremos questões como as que se elaboram na caracterização do ser homem ou mulher, a necessidade do saber absoluto do sexo e com isso o desenvolvimento de significações opressivas de controle do desejo social.  Tentar identificar o papel da cultura enquanto fator preponderante da estruturação dos significantes masculinos e femininos e o quanto isso pode ser pernicioso para manifestações diversificadas do desejo que não se enquadram em tais significantes.  Com a contemporaneidade, novas formas de desejar se presentificaram com mais visibilidade e um dos nossos desafios é tentar explicá-las em suas definições básicas.

Palavras-chave: Cisgênero; preconceito; queer; sexualidade; transgênero.

Discute-se bastante, na contemporaneidade, quais seriam os papéis a serem desempenhados pelas figuras masculinas e femininas.  O que e como os mesmos devem se posicionar perante o outro, inclusive, em suas vidas privadas.  Acreditamos que o excesso de significações que foram sendo instituídos ao longo da história nas sociedades acabaram por obliterar a real essência do que é vir a ser homem ou mulher, inclusive se são inatas ou não tais caracterizações. 

A sociedade, referendada pela sua cultura vigente, tem grande participação na constituição psíquica, social e moral dos papéis de seus membros.  Fazendo questionar se o inatismo, do ser homem ou mulher,  não passa de um discurso não sustentado pela lógica devido à excessiva gama de influências que um ser humano se submete ao longo do seu processo de desenvolvimento.  Dessa forma, pretendemos com esse artigo, discutir mais analiticamente o quanto a constituição dos parâmetros culturais influenciam no desejo.

Acreditamos ser necessário, não só, pontuar a importância dos processos culturais na formação do indivíduo como também discutir sobre o papel do desejo e algumas classificações já definidas do mesmo.  Com isso, não intentamos esgotar, mais sim iniciar e provocar  estudos posteriores e mais aprofundados sobre o assunto.  Acreditamos que o mais importante para que o desejo se mostre e seja aceito, é a disseminação do esclarecimento que o mesmo exige perante a sociedade.

1 SER HOMEM E SER MULHER?

Não é nova a necessidade de entender o indivíduo e toda a sua forma de ser no mundo.  O próprio movimento feminista, com Simone de Beauvoir, marca de forma considerável essa necessidade de entendimento do eu em relação ao outro. O tornar-se algo, mostra-se cada vez mais complexo, derrubando assim toda e qualquer possibilidade de entendê-lo por apenas um viés, seja religioso, biológico ou antropológico.  Tornar-se um ser, perpassa conclusões simplistas e objetivas demais.

Toma-se como base a genitália do indivíduo para a posteriori definir os seus papéis perante a sociedade.  Acreditamos que essa função vai além da base biológica, não pretendemos ignorá-la, porém, é necessário evidenciar o papel das relações  com o outro para que enfim se entenda a atribuição do ser homem ou mulher.

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. (BEAUVOIR, 1967,p.9)

O sujeito, desde o seu nascimento, é exposto a uma quantidade significante de estímulos e cenas diversas durante toda a sua vida,  a forma como esse sujeito vai conseguir lidar e elaborar tudo isso é que irá moldar e continuará moldando o que ele é e será.  Dessa forma, acredita-se que o indivíduo é o resultado e um resultante de uma série de fatores externos, culturais, em constante transformação, pois o externo nunca se estabiliza, ao contrário, sempre se transforma obrigando o humano a se posicionar em relação aquele a todo instante.

Sim, decididamente, fazer de alguém um homem requer, de igual modo, investimentos continuados. Nada há de puramente “natural”  e  “dado” em tudo isso: ser homem e ser mulher constituem-se em processos que acontecem no âmbito da cultura. Ainda que teóricas e intelectuais disputem quanto aos modos de compreender e atribuir sentido a esses processos, elas e eles costumam concordar que não é o momento do nascimento e da nomeação de um corpo como macho ou como fêmea que faz deste um sujeito masculino ou feminino. A construção do gênero e da sexualidade dá-se ao longo de toda a vida, continuamente, infindavelmente. (LOURO, 2008,p.18)

            Uma das formas mais significantes de se expressar em sociedade é através da boa convivência com seu próprio desejo em relação ao outro, ou seja, é a aceitação e o entendimento da sua sexualidade no meio em que vive.  Entende-se que a sexualidade é uma energia impulsionadora de vida do indivíduo no qual o mesmo se utiliza para estabelecimento de formas significantes em relação com outro.

            Percebe-se, que devido a importância do fator sexualidade para o sujeito, uma das formas mais eficazes de controle social é criando maneiras de como este deve ou não querer, desejar e se expressar sexualmente.  Dessa maneira, cria-se instâncias de poder consideráveis na sociedade, tanto por parte de quem cria o que se deve ou não fazer, como por parte de quem vigia e é vigiado.  Tal sistema se marca de forma quase que indestrutível na cultura corroborando com segmentações e conseqüentemente a "guetificação" desses indivíduos "desobedientes" destas normas.