Sete Maravilhosos Clássicos Contemporâneos à Era Cristã
Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 11/12/2024 | HistóriaA compreensão do presente depende, em essencial, do conhecimento da História. E, para conhecermos a História, necessário se faz o acurado exame das obras personalísticas que a moldaram, pois a ciência literária foi, e é, o meio, junto à oralidade, empregado para a transmissão do conhecimento por centenas de gerações. E disso não escapam os clássicos, publicados entre o final da Idade Média e a Idade Contemporânea, a que abaixo me refiro.
O primeiro a merecer destaque é “A Utopia”, de Thomas Moore. Clássico absoluto, descreve aquela que, na visão do autor, seria a sociedade ideal, num misto de verdadeira democracia política e judiciária, além de prosperidade material. Na narrativa, por exemplo, os conflitos de interesses não seriam resolutos por meio de procuradores, mas por cada um dos contendentes, pessoalmente, oferecendo seus argumentos, próprios e sinceros, ao órgão decisório. “Utopia” não é um título qualquer, mas o próprio nome da sociedade a que se refere, e por isso passou a ser sinônimo de perfeição. Não é o primeiro documento a imaginar, no seu idealismo, uma sociedade em que predomina a felicidade, sendo precedido, no seu tecnicismo funcional social e em cerca de dois mil anos, por “A República”, de Platão, e certamente inspirado, concidentemente ou não, nos valores expressos em “Os Analectos”, de Confúcio, e-ou em“O Livro do Caminho e da Virtude”, de Lao-Tsé.
Também temos o mais realista de todos os tratados políticos: em “O Príncipe”, Nicolau Maquiavel delata toda a felonia da natureza humana, nas suas mais pérfidas nuances. Ali, o autor informa ser necessária toda a possível gama deste cinismo para a manutenção do Poder político, decorrente do controle, militar e psíquico, de populações inteiras, eis que a direção dele dependeria (bem diferentemente dos pensamentos de Confúcio, para quem a obediência aos governantes deveria se dar pelo exemplo maior destes, e não por meio da recorribilidade ao uso da força). Maquiavel foi o difusor, ou, quem sabe, o “descobridor” de estratégias lógicas empregadas por longas ditaduras, cravando frases como “algumas pessoas odeiam a tirania porque não podem estabelecer a sua própria”, “a Justiça possui o entendimento que melhor lhe convém: aos amigos, tudo, aos inimigos a Lei” e “dividir para dominar”. dentre outras. No livro, tudo pode ser muito bem sintetizado, como de fato o é, mas a própria obra pode se resumir à muito posterior afirmação, do Chanceler Alemão Otto von Bismarck, de que “a política, ainda, é a arte do possível”.
Se a política é, mas sempre foi, a arte do possível, nada melhor que “Contrato Social”, de Jean-Jacques Rousseau para informar, implicitamente, que concorda com Maquiavel. Afinal, no seu entender, o ser humano seria um ser naturalmente feliz no seu estágio natural, o que denota desprezo pela então sociedade que os “contratos sociais’ impunham, de limitação às liberdades individuais em prol de um suposto bem maior. Lembremo-nos de que ele cunhou o pensamento de que “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe” (um conceito, obviamente, não compartilhado pelo antecedente Maquiavel, mas certamente aplicável a Confúcio e Lao-Tsé).
Um relato esmiuçando estratégias de batalha, mescladas a uma ética que sempre deveria ser exercida em combate, é certamente o livro “Da Guerra”, do brilhante general romano-germânico Carl von Clausewitz. Mais revolucionário que as estratégias capitaneadas, apenas, algumas décadas antes de sua morte por Napoleão Bonaparte, Clausewitz nos proporciona princípios concernentes à predominância da guerra mais defensiva, que, em virtude de seu enraizado conceito de necessária retaliação (e dominantemente não agressão), ocasionaria dois consequentes de seus objetivos: o de ser a guerra “a continuação da política por outros meios”, em que, ao fim e ao cabo, deve predominar a negociação sobre a força bruta, e de que, por conseguinte, não se deveria matar o inimigo quando possível o seu simples desarme. O seguimento, ou não, das mensagens de Clausewitz resultou, para o bem, nas Convenções de Genebra e outras convenções de combate de caráter obrigatório aos Estados signatários. E, para o mal, nos seus próprios desdobramentos na inicial invencibilidade da Alemanha Nazista quanto às retaliações dos Estados “per si” agredidos no alvorecer da Segunda Guerra Mundial, especialmente quando considerado os serviços do General Walter Model na Defesa do Terceiro Reich.
Uma obra que, se possível, todos deveriam ser é “O Manifesto Comunista”, de Karl Marx e Friederich Engels. Nele, os autores expressam, a exemplo de Platão e Moore, mas não utilizando os mesmos métodos (que vão desde a violenta tomada dos meios de produção, pelos revolucionários), seus escopos na idealização da sociedade perfeita. Ali, são descritas as etapas de um processo que, passando pelo Socialismo consistente na ditadura do proletariado (ou, num modo fático, de Partidos, como as que verificaram no Leste Europeu), desaguaria, fatalmente, nas sociedades comunistas (sem Estado e sem incorreções).
Só não expresso que a maior parte de seus seguidores foi maquiavélica porque, embora alguns digam, Maquiavel nunca mencionou a famosa afirmação de que “os fins justificam os meios”. Eles foram muito além da barbárie teorizada por Maquiavel (o que, não posso negar, não tira a qualidade literária de “O Manifesto”). Não é necessário dizer que “O Manifesto Comunista” (além de “O Capital”, do próprio Marx) moldou profundamente a História dos séculos XIX e XX. Inclusive em dois livros, alternativos e respectivamente, na manutenção e adaptação ideológicas.
O primeiro é “O Livro Vermelho”, do ditador chinês Mao-Tsé Tung. Nos escritos, Mao nos dá os seus meios de salvaguarda da revolução Chinesa de 1949, que teria como principais sustentáculos o Exército de Libertação Popular (ELP), O Partido e o Povo. E o outro é “O Livro Verde”, do líder líbio Muammar Kadhafi, teorizador de um Socialismo cujo viés é independente, e, por isso mesmo, adaptado ao Movimento Não Alinhado, pregador, sob a inspiração do iugoslavo Tito, da máxima autodeterminação dos povos do Terceiro Mundo.
A literatura é algo, realmente, que nos faz sonhar e ter pesadelos. E é disso que é feita a História: sonhos, muitas vezes inalcançáveis, e pesadelos reais. Sejam políticos, ideológicos ou religiosos, os acontecimentos relevantes seguem, relevantemente documentados, no seu rastro, limpo ou sujo, de utopias e distopias.