SERÁ QUE TUDO QUE ACONTECE DE RUIM É PARA MELHORAR? 

 

Gustavo Medeiros Oliveira[1]

Edmilson Vicente Pereira[2]

 

 

Resumo

 

Esse trabalho tem por objetivo abordar a noção de bem e mal com base na filosofia proposta pelo livro Cândido de Voltaire. Como reforço para análise utilizaremos também outras obras que foram produzidas pela inspiração do livro que são o filme Candinho e a novela Êta Mundo Bom. O curioso é percebermos que os personagens embora em ambientes distintos são os mesmos no que diz respeito as suas principais características subjetivas, esses personagens são: Cândido, Cunegundes e o professor Pangloss. Cada um será colocado em evidência não sendo o melhor e nem o pior, mas simplesmente exposto para interpretação dos leitores. Uma das razões é realmente manifestar a divergência dos seres e buscar romper com estereótipos e preconceitos que elevam e destroem. Acredito ser importante evidenciarmos essa obra que buscará expor algo que seja favorável para o ponto de vista neutro para que desse modo cada leitor busque a sua própria conclusão.

 

Palavras-chave: Analogias. Personagens. Bem. Mal. Ceticismo.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Acredito que não há como medirmos o sofrimento[3] e a felicidade[4] de cada um. Impossível também será sabermos quem é mais feliz ou mais triste. O importante é acreditarmos que devemos viver sem esperar resultados. Como diria Voltaire “il faut cultiver notre jardin[5]” e só isso. Utilizando a novela Êta Mundo Bom, o filme Candinho e o livro Cândido, pretendo demonstrar esse humano tradicional e ao mesmo tempo surpreendente, tão antigo e ao mesmo tempo tão novo, que está sempre enfrentando novas experiências.

 

Vemos por exemplo, no livro Cândido de Voltaire que ele ultrapassa o tempo devido as circunstâncias que esse mesmo propõe. É importante ressaltar também os desafios que muitas vezes parecem impossíveis de serem enfrentados, gerando emoções fortes como: angústia, desconforto, desespero, ...

 

Diante da obra proposta posso dizer que esse estudo se originou graças a necessidade de se resgatar e ao mesmo tempo propor a seguinte reflexão: Será que tudo que acontece de ruim é para melhorar? Pretendo assim analisar essa pergunta e expor algumas ideias acerca dessa questão.

 

Para reforço desse estudo buscarei relacionar as três obras (livro, filme e novela) explicitando as experiências vividas pelo personagem Cândido. Além disso, temos outras figuras como o professor e a amada de Cândido que inicialmente é perfeita. Pretendo assim propor uma reflexão sobre essas noções, visando facilitar o modo de vida e a até mesmo descomplicar algumas categorias propostas e impostas pela sociedade.  

 

 

 2 OS PERSONAGENS 

2.1 Cândido (Candinho)

 

Cândido assume as mesmas características nos três ambientes. Começa a sua jornada desconhecendo o mundo com um horizonte bastante fechado. Enquanto no livro ele não ultrapassa os muros na pequena Vestfália, na novela e no filme ele se situa em um ambiente interiorano envolto por porcos e galinhas. Seu modo de vida é mais intuitivo do que racional apegado a noções de que Deus castiga e que esse mundo é realmente o mundo proposto pela igreja medieval aonde a obediência permanece sendo o melhor remédio. Cândido permanece caracterizado como um indivíduo apegado em crendices “(...) ele era um jovem metafísico, muito ignorante das coisas deste mundo (...).” (VOLTAIRE, p.32). A sua origem é incerta, “(...) possível filho bastardo da irmã do barão, esse jovem ingênuo nunca deixou o castelo, e todo o seu conhecimento vem de seu mestre Pangloss (...)”. (MULLER, 2010, p.13).

 

Após ser expulso do castelo em que toda sua vida viveu, Cândido passa a expandir os seus horizontes indo para Bulgária, Holanda e chegando em Portugal ele pratica os seus primeiros assassinatos. É esse o momento em que começam as suas mudanças pois,

 

viaja pelo mundo conhecido de então (e também, de certa forma, pelo desconhecido, já que visita o Eldorado), passa por guerras, terremotos, catástrofes, é preso pela Inquisição, é enganado várias vezes por golpistas de toda espécie e vai descobrindo, aos poucos, que não vivemos no melhor dos mundos e que a filosofia de Pangloss não é tão perfeita. (Idem, p.14).

 

 

Sem querer Cândido chega a uma região totalmente desconhecida chamada de Eldorado, nesse lugar o ouro existe em enorme quantidade e por isso é desvalorizado e tido pelos nativos como sendo lama. Depois de algumas viagens e poder conviver com diferentes pessoas de diferentes países Cândido não mais pensa do mesmo modo “eis aqui um país superior à Vestfália observou Cândido.” (VOLTAIRE, p.71).  A riqueza não existe e o pensamento crítico de Cândido começa a aflorar, “é provavelmente o país em que tudo corre bem, porque é necessário que haja um lugar como este. E apesar do que dizia mestre Pangloss, algumas vezes me apercebi de que tudo corria mal na Vestfália.” (Idem, p.73).

 

Ao saírem de Eldorado conseguem levar um pouco da riqueza desse lugar, vale destacar que esse pequeno tesouro equivale mais que a fortuna dos países europeus mais ricos. O problema que ao decorrer da viagem aos poucos essa riqueza vai sendo perdida ou roubada e Cândido demonstra que a sua maior preocupação não é a fortuna conquistada. “ – Meu amigo, vede como são transitórias as riquezas deste mundo. Só é sólida a virtude e a felicidade de voltar a ver a menina Cunegundes.” (Ibidem, p.79).

 

Para completar a situação ao saírem de Eldorado eles presenciam um enorme contraste pois acabam chegando em Suriname que parece ser o completo inverso. Um país miserável, cheio de pessoas ardilosas e desgraçadas. “Assim, torna-se questionável a filosofia de Pangloss, o otimismo.” (VIANA, p.6). Devido a extrema bipolarização de ambientes Cândido acaba entrando em estado de choque quando vê um escravo de engenho totalmente degradado “faltava a esse desgraçado a mão direita e a perna esquerda.” (VOLTAIRE, p.79). E talvez esse seja o momento em que Cândido mais se encoleriza com a realidade humana. O questionamento passa a ser uma chave importante para o florescimento de uma nova visão de mundo. “A maldade dos homens apresentava-se-lhe em toda a sua fealdade, e o espírito alimentava-se-lhe unicamente de idéias tristes.” (Idem, p.82). Seu modo de pensar acaba por constantemente entrar em conflito com a filosofia otimista de seu mestre. “- O bom Pangloss teria sérias dificuldades em demonstrar o seu sistema! Quem me dera que ele aqui estivesse! Sem dúvida alguma, se tudo vai bem, é no Eldorado, e não no resto do mundo.” (Ibidem, p.83).

 

            Passado algum tempo Cândido finalmente consegue notícias de sua amada. “- E então, que faz Cunegundes? Continua sempre um prodígio de beleza? Ainda me ama? Como vai ela de saúde?” (Ibidem, p.113). E para sua admiração Cunegundes acabou sendo afetada pelas circunstâncias da vida.

 

Cunegundes lava pratos; nas margens do Propôntide, em casa de um príncipe que tem muito poucos pratos. É escrava de um antigo soberano, chamado Ragotski, a quem o grão-turco manda a casa três escudos por dia. Mas o que é mais triste ainda é que ela perdeu a beleza e se tornou horrivelmente feia. (Ibidem, p.114).

 

Se esse soberano possuía poucos pratos tudo indica que era um soberano com uma corte pequena e consequentemente um mal soberano[6] e, portanto, Cunegundes não se encontrava em um ambiente bom. Já Cândido não pensa em outra coisa em senão desposá-la “ – Bela ou feia – disse Cândido -, sou um homem honrado e o meu dever é continuar a amá-la.” (VOLTAIRE, p.114). E para admiração “o terno amante Cândido, ao ver a sua bela Cunegundes de pele escura, olhos raiados de sangue, peito chato, faces enrugadas, braços vermelhos e escamosos, recuou dois passos, tomado de horror, e avançou levado apenas pelo seu bom coração.” (Idem, p.120). O interessante do enredo da história é que “Cunegundes não sabia que estava feia; ninguém lhe havia dito isso.” (Ibidem). E no final das contas .... Para que saber?

 

 

2.2 Cunegundes (Filomena)

 

Cunegundes no filme e na novela passa a ser Filomena que é uma jovem caipira que parte para a cidade grande. Podemos dizer que na novela é aonde ela menos sofre e tão pouco se descaracteriza. Filomena ao perder Cândido é forçada por sua mãe a casar com um homem rico[7] para fugir dessa infelicidade ela se encontra com um cidadão da cidade grande chamado Ernesto que acaba colocando-a em um dancing como taxigirl e consequentemente Filomena com aquilo que ganha passa a sustentá-lo.

 

O interessante desse personagem é analisarmos a proposta do autor de evidenciar as pequenas transições dos ideais de perfeição, desfigurando o imaginário e nos transportando novamente para a realidade. A estética nesse caso aqui ocupa um espaço importante, pois evidencia aquilo que a maior parte da sociedade vê como sendo bom e belo, ou seja, uma jovem linda que encanta com a sua aparência, porém temos somente o aspecto exterior do personagem que por esse motivo aparenta ser virtuoso. A característica de algo saudável e agradável realmente está relacionado a beleza e por essa razão tão instintiva e tradicional que naturalmente nos aficionamos em condições ilusórias que nos aliviam.

 

O autor por ser inteiramente ácido, crítico e seco acerca da realidade coloca nessa personagem algo tão comum no nosso dia-a-dia que é a aparência. Mas como diziam os filósofos da antiguidade: nem tudo que aparenta ser na realidade é. E esse é o caso de Cunegundes nós temos inicialmente no livro somente a sua sombra, aos poucos é que a sua essência vai sendo revelada em relação as circunstâncias em que a mesma terá de passar. Aqui talvez para um início de enredo já começa um grande choque de realidade. Um búlgaro “(...) apressou-se e violentou-me.” (Ibidem). E posteriormente a bela moça adquire algumas marcas da vida. “O bruto deu-me uma navalhada na nádega esquerda, de que tenho ainda a marca.” (Ibidem). Nesse momento a bela moça já é atingida pelas surpresas da vida que são necessárias para qualquer pessoa. E no decorrer da história mais fatos surpreendentes vão se sucedendo até que Cunegundes já não seja aquela tida como a mais bela das baronesinhas.

 

O tempo passou e as vivências experienciadas pelo tempo acabaram lhe dando resultados “a mulher, cada dia, mais feia, tornou-se rabugenta e insuportável, (...).” (Ibidem, p.122). A solução foi realmente desprender-se daquela vida de rainha e assumir o trabalho como meio de virtude e ocupação. O trabalho coletivo passou a dar bons resultados. “A pequena propriedade rendeu cada vez mais. Cunegundes estava realmente muito feia, mas tornou-se uma excelente doceira.” (Ibidem, p.125). Assim como Cândido, Cunegundes acha uma maneira de passar o seu tempo e cultivar o seu jardim.

 

2.3 Professor Pangloss (Professor Pancrácio)

 

No filme e na novela o professor ao invés de Pangloss se chama Pancrácio, mas o modo de vida é semelhante. Ele também acredita em uma filosofia otimista aonde “(...) as coisas não poderiam ser de outra maneira e tudo foi feito para um determinado fim.” (VIANA, p.5). Como nesse trecho retirado do livro

 

(...) as coisas não podem ser de outra maneira porque, tendo tudo sido feito para um fim, necessariamente foi para o melhor dos fins. Reparai que os narizes foram feitos para trazer os óculos; por isso nós os usamos. Os pés foram visivelmente feitos para andar calçados; por isso, nós usamos sapatos. As pedras foram formadas para ser talhadas e para delas se fazerem castelos. (VOLTAIRE, p.29).

 

 

Enquanto Pangloss torna-se mendigo, Pancrácio se caracteriza de mendigo para assim através da arte sensibilizar as pessoas com os seus diversos personagens, dentre eles temos: uma vedete, um cego, uma ex-miss, um ex-soldado, ... Ao que parece o ponto central é demonstrar a necessidade do indivíduo de sofrer dependendo do ponto de vista.

 

Tanto no livro como nas outras obras o professor não sofre ao viver na austeridade mas sim esse sofrimento é uma necessidade para se chegar ao verdadeiro fim que é bom. A situação “ruim” é simplesmente uma condição de espanto apropriada para por qualquer um em reflexão. A presente situação se dá quando Cândido, “(...) passeando pelas ruas, encontrou um pedinte coberto de pústulas, de olhar amortecido, a ponta do nariz roída, a boca torcida, os dentes negros, falando pela garganta e atacado de uma tosse tão violenta que escarrava um dente cada vez que tossia.” (Idem, p.34). Pelas vicissitudes do acaso esse pobre desgraçado é o grande professor da Vestfália que passa a mendigar nas ruas da Holanda, após ter fugido do castelo devido a um ataque búlgaro. Por sorte Cândido consegue auxiliá-lo, estando ainda com sífilis acaba sendo curado e por sorte acaba perdendo “(...) somente um olho e uma das orelhas.” (Ibidem, p.37).

 

            No decorrer da história já em Portugal o professor acaba sendo enforcado pela Inquisição e para desgraça de Cândido morre. Tempos depois em uma galera chegando perto da Turquia, Cândido vê algo familiar em um remador o qual não remava nada e constantemente era açoitado, por ironia do destino era o professor que não havia morrido, que explica o que aconteceu. O responsável pela morte “(...) sabia queimar pessoas como ninguém, mas não estava acostumado a enforcar. A corda estava molhada e correu mal, pois tinha uns nós; enfim eu respirava ainda.” (Ibidem, p.118). Pangloss assim demonstra que até estando a beira da morte existe sorte. “ – Meu caro Pangloss – disse-lhe Cândido -, quando vos enforcaram, dissecaram, açoitaram e forçaram a remar numa galera, sempre vos pareceu que este era o melhor dos mundos possíveis?” (Ibidem). Cândido mesmo sendo pessimista acaba sendo contrariado pelo seu mestre.

 

  – Sim, mantenho a minha opinião – respondeu Pangloss -, porque, enfim, sou filósofo, e não seria decente desdizer-me; além disso, Leibniz não podia deixar de ter razão quando afirmou que a harmonia preestabelecida era a coisa mais bela do mundo, assim como a plenitude e a matéria sutil. (Ibidem, p.119)

 

O otimismo de um ser não permanece no outro algo que é certo vermos na nossa sociedade diversos tipos de sujeitos em que alguns aparentam ser pessimistas, outros otimistas, e outros nenhum e nem outro. O que podemos averiguar é a distinção de sujeitos que simplesmente existem, mas que assumem caminhos totalmente contrários e divergentes como é o caso da relação de um mestre com um discípulo[8]. A vida ensinou Pangloss a manter-se firme no seu modo de pensar, mesmo que a vivência muitas vezes lhe provasse o contrário.

Pangloss dizia algumas vezes a Cândido:

 - Todos os acontecimentos se encadearam no melhor dos mundos possíveis, pois, em suma, se não tivésseis sido expulso a pontapés de um belo castelo por amor da menina Cunegundes, se não tivésseis, sido aprisionado pela Inquisição, se não tivésseis corrido a América a pé e dado uma espadeirada no barão, se não tivésseis perdido todos os carneiros do Eldorado, não estaríeis agora aqui comendo amendoins e cidras doces.

- Tudo isso é muito bonito – respondeu Cândido -, mas o que é preciso é cultivar o nosso jardim. (Ibidem, p.126)

 

Em resumo, embora o pensamento do professor seja de grande conforto, para Voltaire seria uma espécie de anestesia que no fundo não traz melhora nenhuma em relação ao viver, porém em determinada circunstância é de grande utilidade para gerar uma ilusão para uma pessoa desesperançada.

 

 

3 FILME

 

 

No filme o mais interessante foi trazer uma história francesa para a realidade do interior brasileiro. O Cândido da Idade Moderna se adapta aos tempos do início do século XX brasileiro e passa a viver as suas aventuras somente no ambiente de transição do campo para a cidade.  Nesse enredo “o menino recebe o nome de Candinho e cresce trabalhando arduamente, mas é tratado com rudeza pelo proprietário. O coronel e sua família, e inclusive Candinho, são muito influenciados pela filosofia positiva do Professor Pancrácio[9].” A situação se desenvolve a partir de um enredo de fácil compreensão:

 

Um caipira, apaixonado pela irmã de criação, abandona a fazenda do pai adotivo e tenta sobreviver em São Paulo onde termina por encontrar a amada numa boate e decide retornar ao local de origem em busca de um tesouro que lhe fora deixado por sua verdadeira mãe[10].

 

 

O contexto na fazenda não é tão diferente do castelo. “Candinho mora em um casebre de pau-a-pique, é meio desastrado mas bem pouco preguiçoso e muito caipira: Professor Pancrácio recomenda-lhe otimismo (...)[11].” Nota-se que o papel do filósofo otimista consegue muito bem se inserir no meio rural.

 

            Filomena é uma moça ingênua criada na fazenda ela é encantada por Candinho e mesmo não tendo o apoio de sua família, sempre que possível o defende e tenta auxiliá-lo. A sua personagem busca retratar o estereótipo da maioria das moças interioranas da época. Os seus conflitos aqui são: a pobreza da família, o orgulho herdado dos tempos bons do império e a insistência de fazê-la um objeto de venda. Para melhor esclarecer ela vive em uma fazenda falida em que seus familiares não trabalham e buscam mesmo assim viverem como nobres, como solução para todos os problemas o negócio é arranjar casamento com ricos da região, não importando a opinião dos envolvidos no negócio, como é o caso de Filomena. A mesma é uma moça diferente de sua família, pois acredita que o amor verdadeiro vale mais que o dinheiro e o mais importante é ser feliz mesmo vivendo na pobreza.

 

            O modo de pensar de Filomena aos poucos vai mudando. Um dos motivos dessa mudança começa quando Candinho acaba sendo castigado injustamente, Filomena desagradada com a falsa acusação “(...) desobedece o pai e procura Candinho preso em seu casebre. Quando trocam inocentes beijinhos, o casal é flagrado pelo Coronel Quinzinho que termina por bater na filha[12].” Candinho ao ser pego no flagra é expulso da fazenda e decide ir para São Paulo encontrar a sua verdadeira mãe.

 

Certo dia Candinho e seu amigo “(...) encontram Pancrácio, esmolando, que os leva até sua casa onde se revela falso mendigo. Candinho, pelo menos, recebe notícias de Filoca que fugira da casa e se encontra em São Paulo, tentando virar bailarina[13].” Candinho nesse momento tem duas surpresas: ver o grande e sábio professor vestido de maneira deplorável mendigando e sua amada em São Paulo buscando ganhar a vida como bailarina.

 

Candinho se esforça para procurar Filomena e após procurar em vários ballets

 

(...) Candinho, finalmente, encontra Filoca: na cidade boêmia, servindo a um ‘caften’ de boate. Mesmo envergonhada, Filoca concorda em visitar o Professor Pancrácio, sabendo que os olhos simples e ingênuos de Candinho não percebem sua condição atual[14].

 

Filomena nesse momento já fora afetada pelas diversidades da vida e consequentemente perde aquela essência de moça do interior.

 

Pancrácio tenta avisá-lo da situação “desonesta” de Filoca mas Candinho, indignado, prefere continuar, dia após dia, sendo enganado pelos “ensaios” de Filoca fora da boate. Uma noite, ao invés de ficar com o seu “caften”, Filoca resolve voltar para casa com Candinho. No dia seguinte, Filoca prepara uma lauta refeição na qual, surpreso, Candinho descobre um mapa de tesouro no interior do medalhão. Todos arrumam as malas dispostos a retornarem a Piracema. O fato serve como ameaça ao coronel que, sabedor do caso, concorda de imediato com o casamento de Candinho com Filoca e de Pancrácio com sua irmã Eponina, (...) [15].

 

A situação é oportuna para ressaltar as características naturais da vida que é retratada na figura de um ser que inicialmente era Cândido. “No meio da jornada, o herói enfrenta obstáculos, conhece curiosos personagens, entre aliados e adversários, e finalmente triunfa[16].” No filme a ideia do otimismo é que prevalece contrariando a proposta de Voltaire.

 

 

4 NOVELA

 

A novela por ser mais extensa e necessitar de um maior enredo tem mais personagens, porém a essência dos principais personagens da novela permanece a mesma. O que mais faz com que a novela se separe do livro é o final “otimista”, em que no final da história tudo corre bem. A situação humilde é ressaltada aonde o ambiente é contrastado entre campo e cidade. O contexto permite analisarmos esses dois modos de vida e percebermos as partes boas e ruins de ambos. O que o autor da novela pretende propor é a parte boa da vida aonde a simplicidade é que o salva a todos. Desse modo ele colocará como representação

 

(...) Candinho, um rapaz simples e bastante inteligente que contará sempre com o apoio de Pancrácio (Marco Nanini), professor de Filosofia que visita a sua família adotiva com frequência. Candinho não sabe, mas ele é neto de uma poderosa baronesa que o abandonou quando era recém-nascido e assim ele foi criado pelo esperto e maldoso casal Cunegundes e Quinzinho[17].

 

 O pobre jovem foi rechaçado a partir do momento em que nasceram os filhos do casal. Candinho aos poucos foi perdendo espaço até se tornar um mero serviçal. Filomena é uma das filhas do casal que ocupou o espaço de Candinho. “Filomena nasceu e cresceu na fazenda, filha mais velha de Cunegundes e Quinzinho. Levava sua vida sem muitos apuros, apaixonada pelo Candinho, um amor que vem desde a infância, (...)[18].” Quando Candinho vai embora[19] a personagem aos poucos vai perdendo a sua inocência e vai adquirindo um sentimento de descrença em relação a verdadeira felicidade. Assim como no filme ela se torna uma taxi-girl[20] mas não chega ao ponto de se tornar uma prostituta. Durante o enredo da novela essa personagem sempre teve idas e vindas com Candinho. É interessante ressaltar que ela sempre manifestou durante os episódios um modo de vida muito fácil. No final ela permanece jovial e feliz casando-se com Candinho que por sinal agora está rico.

 

 

5 CONCLUSÃO

 

            A problemática do humano é sempre contemporânea e se faz necessária para preencher e marcar a nossa história. Embora existam e sempre existirão vertentes de pensamento penso ser importante percebermos que independentemente de qual seguimento for, todas são importantes para quantificar, qualificar, ... e exprimir o humano seja de qual maneira for. Para essa prática me dediquei ao exercício das analogias e exemplificação para desse modo expor a vida de personagens que por si sós marcam espaço na obra e para o nosso próprio experienciar contribuem para a reflexão do leitor.  No livro por exemplo temos como figura central o personagem Cândido que de mero serviçal de um pequeno castelo germânico acabou pelas circunstâncias da vida sendo soldado búlgaro, mendigo, funcionário de uma tapeçaria na Holanda, Capitão na Espanha para ir batalhar contra os jesuítas no Paraguai, rico graças ao Eldorado, e por fim dono de uma granja na Turquia[21]. Penso que essa variação de vida de um personagem é demonstrar realmente as várias possibilidades que são possíveis viver desde que se esteja vivo.

 

Não há também como negar que em várias partes da história o indivíduo por necessidade acaba tendo que renunciar ou até mesmo praticar coisas que até então não estavam de acordo com a sua personalidade. Acredito que a surpresa tanto da obra como da própria vida é a essência que faz com que nos mantenhamos na existência. Como a morte é longa e a vida é curta é importante que saibamos aproveita-la para que a mesma deixe marcas históricas para os que virão. Penso que Voltaire não buscou outra coisa senão expor o humano livre de preconceitos, afastado de pietismos, maniqueísmos, otimismos, .... Nem também diferente de outros humanos de outras regiões, o livro busca realmente expor realidades distintas do mundo, com povos com peculiares costumes, mas que no fundo se relacionam devido a alguma semelhança existente com os “diferentes”. 

 

Para afirmar a minha pesquisa busquei evidenciar o cotidiano de uma história que tem como ponto de partida um ambiente simples, mas que aos poucos vai se complexificando. A alteração de vida promove em cada personagem conflitos existenciais que acabaram alterando os seus valores. Penso que a mensagem principal que o autor busca demonstrar é que nunca somos os mesmos e que podemos sim mudarmos em circunstâncias da necessidade. Posso exemplificar a situação em que Cândido acaba matando homens sendo que ele não se sentia como um assassino, ou então Pangloss que de grande filósofo da Vestfália acaba tornando-se mendigo ou Cunegundes que sendo a mais bela das baronesinhas acaba tornando-se uma serviçal feia e rabugenta.  

 

A situação conclusiva me leva a crer é que a via proposta por Voltaire é realmente demonstrar que não é preciso muito para viver e que a preocupação com coisas passageiras acabam atrapalhando a construção da nossa história. Como bem se destaca na obra o fato principal e até mesmo a solução para tudo é a dedicação ao cultivo do nosso jardim, é essa a vida que nos leva ao um mundo mais feliz e agradável. Não há como negar que um jardim bem cuidado é com certeza bem melhor do que se eu não cuidar o meu jardim e ainda ir destruir o jardim do outro. Essa seria a pior de todas as situações, se a minha preocupação está voltada para o meu bom resultado não há como negar que a minha própria maneira de pensar já está influenciada para a busca de um resultado bom. A prática seria o segundo exercício para um bom resultado do jardim. Penso que o cuidado é o que faz com que possamos trabalhar de maneira mais leve e empenhada a um resultado satisfatório mesmo em um ambiente averso aos meus costumes. Sendo assim, esse seria o “otimismo” ou não proposto por Voltaire.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenado e revista por Alfredo Bosi. Martins Fontes. São Paulo, 2007

 

MULLER, Andrea Correa Paraiso. A utopia parodiada em Voltaire. REEL – Revista Eletrônica de Estudos Literários, Vitória, s. 2, a. 6, n. 7, 2010.

 

VIANA, Nildo. CÂNDIDO, DE VOLTAIRE: A AUTO-IMAGEM DO ILUMINISMO

 

VOLTAIRE. Cândido ou o Otimismo. Editora Martin Claret.Trad. Pietro Nassetti. São Paulo.

 

Na Internet

 

http://en.peperonity.com/blogs/odilsantosblog/28550738/58242120(p2)?doctype=XHTML_PHONE

 

http://ocafe.com.br/cinema/candinho-quando-mazzaropi-encontrou-voltaire/

 

http://universoretro.com.br/como-mazzaropi-inspirou-a-novela-eta-mundo-bom-da-tv-globo/

 

http://www.bcc.org.br/filme/detalhe/002132

 

http://www.museumazzaropi.org.br/filmes/candinho/

 

http://www.ofuxico.com.br/noticias-sobre-famosos/hoje-em-eta-mundo-bom-candinho-se-encrenca-com-a-policia/2016/01/19-256116.html

 

http://www.portalwcbnews.com.br/2015/04/de-volta-para-os-bons-tempos-mazzaropi.html

 

http://www.purepeople.com.br/noticia/novela-eta-mundo-bom-candinho-e-filo-se-reencontram-em-sao-paulo_a96321/1#m1272506

 

www.ifolha.com.br/pdf.php?id_j=16859

 

[1] Graduado em Sociologia pela UNIJUÍ e em Filosofia pela UNIFRA. Email: [email protected]

[2] Orientador, Especialista em Psicologia Organizacional; Especialista em Gestão de Operações Logística e Especialista em Administração Estratégica. Licenciado em Formação Especial do Currículo do 2º Grau, em administração; Licenciado em Matemática. Bacharel em Ciências Econômicas e Bacharel em Administração. [email protected]

[3] Uma das tonalidades fundamentais da vida emotiva, mais precisamente a negativa, que costuma ser assumida como sinal ou indicação do caráter hostil ou desfavorável da situação em que se encontra o ser vivo. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenado e revista por Alfredo Bosi. Martins Fontes. São Paulo, 2007

[4] Em geral, estado de satisfação devido a situação do mundo. Idem.

[5] “vamos cultivar nosso jardim”

[6] Segundo a história sabemos que os bons soberanos eram reconhecidos pelo tamanho da sua corte. Quanto mais cortesãos possuísse, melhor seria para o seu prestígio.

[7] Nota-se que na novela o nome da mãe de Filomena é Cunegundes.

[8] Como foi o caso de Platão e Aristóteles por exemplo.

[9] Arquivo acessado em 17/05/2017, as 18:24. Disponível em: http://www.bcc.org.br/filme/detalhe/002132

[10] Arquivo acessado em 17/05/2017, as 16:40. Disponível em: http://www.museumazzaropi.org.br/filmes/candinho/

[11] Arquivo acessado em 17/05/2017, as 16:43. Idem

[12] Arquivo acessado em 17/05/2017, as 16:44. Ibidem

[13] Arquivo acessado em 17/05/2017, as 16:45. Ibidem

[14] Arquivo acessado em 22/05/2017, as 10:56. Ibidem

[15] Arquivo acessado em 22/05/2017, as 10:57. Ibidem

[16] Arquivo acessado dia 17/05/2017, as 18:42. Disponível em: http://universoretro.com.br/como-mazzaropi-inspirou-a-novela-eta-mundo-bom-da-tv-globo/

[17] Arquivo acessado dia 16/05/2017, as 14:12. Disponível em: www.ifolha.com.br/pdf.php?id_j=16859

[18] Arquivo acessado dia 23/05/2017, as 11:45. Disponível em: http://en.peperonity.com/blogs/odilsantosblog/28550738/58242120(p2)?doctype=XHTML_PHONE

[19] Candinho acaba sendo expulso da fazenda onde morava, após trocar beijos com Filó. Arquivo acessado dia 02/08/2017, as 17:38. Disponível em: http://www.ofuxico.com.br/noticias-sobre-famosos/hoje-em-eta-mundo-bom-candinho-se-encrenca-com-a-policia/2016/01/19-256116.html

[20] A moça tem um dom para a dança de salão e resolve aproveitar a oportunidade de escapar do jugo da mãe, Cunegundes (Elizabeth Savala), que quer de todo jeito casá-la com Josias (Flavio Migliaccio), um veterinário já idoso. Arquivo acessado dia 02/08/2017, as 17:48. Disponível em: http://www.purepeople.com.br/noticia/novela-eta-mundo-bom-candinho-e-filo-se-reencontram-em-sao-paulo_a96321/1#m1272506

[21] Vale destacar que o seu final feliz se encerra no Oriente Médio, o que me leva a entender que o autor de modo involuntário acaba afirmando que o “jardim” do Oriente é mais belo que do Ocidental. Não sei aqui dizer se o autor fez intencionalmente ou sem refletir sobre isso. Mas penso ser interessante destacar que o final da história tenha se encerrado em um ambiente de cultura distinta e que atualmente ainda é debatido e contestado devido as suas diversidades culturais bem contrastantes com as ocidentais.