"Será destino ?"
Todos os dias ela saía de casa de manhã cedo. Tomava um café magro, vestia sua roupa domingueira e rezando o santo Rosário caminhava pela estrada pedregosa para chegar ao hospital. Pessoa honesta, pura, dedicada, com setenta anos mal vividos, porém, querida pelas pessoas do bairro e do município. Virara rotina essa andança diária. Assim que chegava ao hospital, a primeira ação era a de cumprimentar o médico, seu amigo de muitos anos. Após essa rotina, botava a mão na obra. Todos os enfermos eram agraciados com sua visita e, além disso, um banho em cada um,é claro que um banho de bacia e pano molhado, pois há 70 anos atrás no interior,mesmo num hospital, tudo era precário. Assim que o paciente estava refrescado do chibó e sofrimento da noite, ela o convidava a rezar e, juntos, mistério a mistério,pediam ao Criador muita saúde para aquele paciente,assim como para a família dele.Essa ação se repetia em todos os quartos onde alguém estava se recuperando ou aguardando o tempo para que Deus o levasse. Assim, passava o dia no hospital. Ganhava migalhas de algum parente dos internados, ficava feliz, pois não era esse o seu objetivo. Sua atitude diária era como um compromisso com aquele médico que um dia, após ter uma queda, ele salvou-lhe a vida e ela jamais se cansa de agradecer. À tardinha retorna ao seu ranchinho muito feliz pela caridade, solidariedade e oração feita pelos doentes. Passa pelo bar do senhor Constantino, pega um vidrinho de pinga e de vez em quando dá um gole para minimizar o sofrimento pela longa caminhada. Com a queda ela ficou com uma perna mais curta, o que dificultava a ela, andar a pé, também, pela idade e pela vida sofrida. Algumas pessoas davam um pedaço de pão, um toco de salame, uma bolsinha de farinha, enfim, ajudavam-na a sobreviver. Mas, nem sempre isso acontecia. Antigamente, nos lugares aonde havia colônia italiana, cada um tinha que sobreviver com seus próprios meios. Assim que chegava em seu casebre muitas vezes fazia o fogo,colocava a chaleira no tripé e assim que a água fervesse, ela fazia um café de maneira diferente dos dias atuais:colocava o pó numa caneca, pegava um tição de fogo em brasa e o colocava dentro da caneca.Não é que o café fervia e o pó ficava no fundo da caneca! Assim que as brasas estivessem bem vivas, ela fazia uma massa de farinha de trigo com água e um pouco de açúcar mascavo,retirava as brasas para um lado, espalhava a massa e, em seguida, a cobria com a cinza e pedaços de brasa. No dia seguinte pela manhã aquele pão enturriscado era seu desjejum, partindo logo para a mesma tarefa, ir ao hospital ajudar os internados.Um dia, em uma dessas idas ela foi atacada por bandidos.Tudo o que possas imaginar fizeram com ela. Como se não bastasse todas as atrocidades, ainda encheram a boca com cascalhos existentes de maneira exuberante na região.Assim que os demônios ficaram satisfeitos a deixaram na beira da estrada com os cascalhos na boca, desmaiada, ensanguentada.Como Deus é maravilhoso! Aquela estrada era também a estrada por aonde o Doutor amigo dela passava para ir ao hospital todos os dias. Quando viu aquela cena e reconhecendo a sua velha amiga, parou para socorrê-la. Colocou-a no carro e rumou às pressas ao hospital. Fez o que pode estancando o sangue que escorria das entranhas, retirando os cascalhos da boca, os quais haviam quebrado alguns dentes e colocou-a de repouso num quarto cuidando com esmero a amiga de tantos anos. Infelizmente, há mais de um século já existia homem demônio aí por este Mundo. Nada foi apurado. Os bandidos ficaram impunes. Aquela mulher caridosa durou muito pouco após a tragédia e os infelizes, talvez, continuaram a fazer das suas já que a Lei dos homens desde os primórdios da Humanidade foi e continua sendo falha.