Ser velho

 

 

Ser velho é pensar e não viver o tempo que passa, não perceber as nuances que o dia apresenta, ignorar o canto dos pássaros, os gritos da criança... É não se deixar encantar por um sorriso, não se comover quando alguém se vai e só pensar no quando e como será sua partida... É alienar-se do mundo no mundo, afastar-se da vida em vida... Sentir-se abandonado, só... No meio da multidão. É querer conversar e não saber o quê e com quem... É não ter com quem compartilhar seus queixumes, não ter para quem contar suas dores/temores... É o nada ser e nada querer ser...Apenas aquele que está em contagem regressiva...Ser velho é não ter coragem para sorrir, sem se sentir desajeitado, não encontrar graça em uma piada sem graça... É tentar ser e não conseguir saber o quê... É aquele que não luta para que sua rabugice não apareça. É a desilusão, a falta de coragem,a falta de amar,a falta de sentir o aconchego de um abraço,a ternura de um beijo sonhado,a saudade de um namorado, é o querer dançar e não mais querer...Ser velho é ser nada... É pertencer à “Feliz Idade”, “Melhor idade.” Pra que? Isso o fará deixar de sentir-se velho? Aquele que se julga, é e nunca poderá deixar de ser...Um velho...Com gosto de coisa usada e deixada de lado...Como a não servir para mais nada. É aquele que olha os que vivem e não mais se satisfaz. É o que reclama tanto, que deixa ao seu redor um enorme vazio... Ninguém fica ou ficará...Têm medo do contagio...Do contagio dessa velhice terrível, que ele mostra a quem quiser ver... Por que não se deixar exteriorizar, mostrando-se capaz de tantas coisas... Ser aquele ser que ri, que chora, que tem medo, que ousa viver em um mundo jovem e dele participar, sem temer olhar para os lados para não ver o que não quer.Por quê não ser presente na vida, por quê não vivê-la em plenitude, aceitando que suas dores aí estão para que perceba que ainda vive.Que é um ser capaz de sonhar com o impossível, como sonhar com um amor que ainda poderá ser seu...Como se possível fosse.Por quê não embarcar na fantasia de “quem sabe um dia...” Por quê não se deixar embalar por um sonho gostoso de sonhar, mesmo que não mais o consiga vivenciar. Por que não dançar agarradinho, sentindo um corpo colado ao seu, tendo a ilusão de que quem sabe eu... Quem sabe nós dois... Depois...  Por quê não jogar conversa fora, se tanta coisa já jogou em sua trajetória e não percebeu...Por quê não se olhar no espelho e ver-se o menino que foi um dia e que ainda está ali, naquele coração palpitante de vontades, de desejos, de...De tanta coisa...Por quê não mudar a cor daquele cabelo teimoso, que a todo custo quer aparecer para mostrar que já não é o que foi um dia...Por quê não uma roupa nova, gostosa, bonita de usar e mostrar? Aquele que não se desleixa e não se deixa tratar com desleixo... Por quê não brincar, sorrir, cantar...Aparecer sem temer nada nem ninguém. Ser mais um a se destacar por mostrar o quão é bom viver...Por quê não ser aquele que conta sua trajetória de vida, que mostra que tudo foi, é e será muito bom em seu devido tempo e hora...Aquele que mostra que o tempo não destrói o que a vida constrói...Aquele que não se importa quando um jovem se mostra superior, mais esperto, mais tudo...Tudo que ele já foi um dia...Aquele que é sábio o bastante para deixar que o jovem mostre sua sapiência e que ele não mais precisa ressaltar a sua.Aquele que não se compara com ninguém que hoje é, porque já foi ou não, mas que aprendeu a trabalhar as emoções inerentes ao ser humano que é e será... Por mais um tempo...Deixando que ora sua alma fique sozinha e que ora queira companhia, em detrimento de seu próprio bem estar. E assim, feliz com “as perdas necessárias”, dando valor ao que é e ao que está por vir... Sem temer.Não sendo um velho, mas sim aquele que viveu e vive intensamente, nas devidas proporções de ter vivido mais tempo, ter presenciado mais coisas, ter tido mais oportunidades de ser feliz/infeliz, realizado ou não, mas ter vivido, ter vivido uma vida plena de emoções, sensações, que por vezes se apresentavam como que para machucar, quando em realidade ali estavam para ensinar, que nada melhor que um dia após o outro...

Velho? Não...Vivido sim.

 

 

Heloisa Pereira de Paula dos Reis

2007