SER PROFESSORA- MULHER, O QUE ISSO PODE INTERFERIR NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM? – NA VISÃO DA PSICOPEDAGOGIA Nosso gênero, ser homem ou mulher ainda tem algum valor distinto na sociedade atual? Homens e mulheres dividem cargos de liderança no local onde trabalhamos ou moramos? Os valores dos salários equivalem ou diferem conforme o gênero? O gênero dos indivíduos ainda é uma característica própria nas escolhas profissionais? Talvez as respostas sejam logo dadas, mostrando o quanto as mulheres vêm sendo vistas, inseridas no mercado de trabalho, exercendo cargos, cada vez mais importantes nos dias de hoje, e na maioria das sociedades do mundo, muitas vezes estão sendo as responsáveis pelo sustento familiar. Mas também vamos nos dar conta, que as mulheres ainda são a maioria em muitas profissões, dominando alguns mercados de trabalho, como no caso, da Educação. Por esse motivo, mas principalmente por entrar em contato com muitas queixas de mulheres-professoras, a Psicopedagoga Patrícia Pinto Wolffenbüttel escreveu o texto “O aprender-ensinar da mulher-professora”, publicado no livro Psicopedagogia: teoria e prática em discussão, publicado pela Universidade FEEVALE, em 2005, no qual foi a organizadora dos textos. Wolffenbüttel escreve “meu olhar e minha escuta focalizam o dito, mas meu interesse está essencialmente no não-dito, nas entrelinhas, nas mensagens sutilmente enviadas, revelando certas necessidades inconscientes e subjetivas das mulheres-professoras.” E as queixas mais frequentes estão relacionadas às suas próprias necessidades individuais e teórico-práticas, a repressões que sofrem dentro das instituições que trabalham e a agressividade(de pais, alunos e colegas de trabalho). Se pensarmos como Freire(1994), conforme sua clássica reflexão sobre a relação entre opressores e oprimidos, “dar-se conta das opressões e injustiças, não é a solução para o problema, mas sim um primeiro passo para superá-las.” Para Fernández (1994), queixar-se pode ser “apenas uma denúncia em relação à dificuldade de encontrar alternativas para modificar as situações mais opressoras em que vivem as mulheres-professoras, que dessa forma acaba por imobilizar.” A autora do texto usa uma expressão de Fernández, que comenta que O senhor diretor é solteiro; apesar disso não o chamam de “senhorito”. Claro, os homens são senhores sempre. Nós, mulheres, ao contrário, para sermos senhoras, temos que ser senhoras de algum senhor. Se não nos casamos, somos pequenas senhoras: “senhoritas”. Só ao casarmos nos fazemos grandes e podemos ser chamadas de “senhoras”. Ela também busca em Rousseau (1712-1778), contribuições para que nós, educadores, entendamos os primeiros passos da pedagogia voltada para a educação de crianças, onde podemos compreender as diferenças pontuadas em relação à educação de homem e mulher O homem e a mulher, quanto à espécie são iguais; quanto ao sexo são diferentes(...) Ele deve ser ativo e forte; ela, passiva e fraca. Ele querer e poder; ela, resisitir, provocando e pondo em ação a força dele. Ela é feita para agradar ao homem e ser subjugada(...) Segue-se que não devem receber a mesma educação. (Rousseau, 1992, p.424) Mesmo passados mais de duzentos anos, Wolffenbüttel questiona sobre até que ponto nos livramos das raízes mais profundas dessas ideias? Tanto nas famílias ou nas escolas, como pensamos e agimos em relação a essa diferença? E como a mulher-professora entende a educação de homens e mulheres? Segundo Louro(1995), “o sexo é a definição biológica de uma pessoa e o gênero refere-se à construção social de feminino e masculino.” Desta forma, podemos dizer que não nascemos homens ou mulheres, mas nos tornamos sujeitos distintos historicamente através das influências que sofremos em contato com o meio. Wolffenbüttel então complementa este pensamento, refletindo que essas interferências iniciais vem da interação com a família, mas mesmo assim, acredita que “cada indivíduo pode aceitar ou não certas determinações culturalmente perpassadas através das atitudes, da linguagem, de ordens, de expressões, etc.” As ideias de Freud (1905) também foram relevantes dentro das questões levantadas pela autora, pois através das fundamentações da Psicanálise, compreende-se muito sobre aprender-ensinar, desejar-aprender. E, conforme ele, a sexualidade tem um papel decisivo neste processo. Wolffenbüttel cita que para o autor, há uma descoberta decisiva na vida de todo ser humano, é a percepção de que existe entre os seres uma diferença sexual anatômica. Porém, não é a diferença em si, mas sim a interpretação disso, que interfere na questão que tratamos... a constatação das meninas de que lhes falta algo, pode despertar determinada angústia. “Essa angústia pela perda, Freud chamou de angústia da castração. Ao descobrir diferenças que a angustia, a criança deseja saber mais, torna-se então um ser desejante do conhecimento.”(KUPFER, 1995) Ou não, podendo tornar-se um ser inerte, apático, acomodado conforme seus estímulos do meio, as influências que recebe dos que o rodeiam. Através de uma leitura psicopedagógica da autora, em relação as queixas das professoras-mulheres citadas inicialmente, ela novamente reflete sobre: Estaria a mulher que não deseja conhecer, oculta na professora, que igualmente não estimula suas alunas a questionar? Como pode ser esta ensinante ser também aprendente? E como pode ser ensinante sem ser aprendente? Afinal de contas, para a autora, “a transmissão cultural faz parte da dinâmica da vida e cumpre sua função social sem que os envolvidos percebam, sem que possam pensar sobre isso. Dessa forma os valores, as crenças, os mitos passam a fazer parte da realidade psíquica de cada sujeito.” PAIN (1985, p.18) também é usada para registrar que ...a aprendizagem garante a continuidade do processo histórico e a conservação da sociedade (...), os revolucionários necessitam educar, com mais razão ainda, a fim de conscientizar e motivar a militância... A transmissão da cultura é sempre ideológica, na medida em que é seletiva e é própria da conservação de modos peculiares de operar, e, portanto serve à manutenção de estruturas definidas de poder.” Sendo assim, neste processo de ensino/aprendizagem, para a autora, a modalidade de aprendizagem das professoras é determinante para suas modalidades de ensinagem. Vale salientar que “modalidade de aprendizagem é a maneira pessoal que o sujeito tem para se aproximar-se do conhecimento e constituir o saber.” Para ela, a relação entre aprender e ensinar é muito estreita, sendo impossível analisarmos um sujeito apenas como ensinante ou como aprendente. Outro ponto muito peculiar das reflexões de Wolffenbüttel é a observação de que, com a experiência de mais de quinze anos de psicopedagoga clínica, o número de meninos sempre excedeu à quantidade de meninas que eram encaminhadas com problemas de aprendizagem. Fazendo desta forma que ela reflita sobre as causas desses indicadores, pois para ela, é possível relacionar com a expectativa da escola em relação à aprendizagem de meninos e a dificuldade de professoras em lidar com as diferenças entre as atitudes de meninos e meninas. E, para concluir as observações da Professora, Psicopedagoga e autora do texto, feitas através de sua experiência profissional em consultórios e como docente de Cursos de Pedagogia, Normal Superior e Psicopedagogia, segue mais um relato que destaco por demais, “...Destaco um aspecto que venho percebendo e que me chama a atenção em momentos solenes como em cerimônias de colação de grau de cursos de formação de professores, sejam em Pedagogia, Normal Superior, etc. Quando as formandas podem realizar seus pronunciamentos, discorrem breves discursos agradecendo a compreensão dos familiares e desculpando-se pelas ausências, pelo tempo roubado do seu papel de cuidadora da família.” Aqui fica evidente o quanto ainda é forte a tendência feminina de reprimir sua própria agressividade para parecer ser dócil e passiva, reprimir seus próprios desejos e assumir o prazer que sente em aprender, em ir em frente. Ou reprimir a reflexão sobre se realmente sente este prazer em sua vivência profissional? Será que é isto que busca e deseja? Após esta série de questionamentos, a autora coloca que dar-se conta, olhar para dentro e entender porque aquele fator externo provoca incômodo, é um primeiro passo para romper com a situação de “desprazer na vida e na prática profissional”, buscando o “rompimento da aceitação da condição de mulher oculta”. Desta forma, a mulher-professora fará uso dos sentimentos despertados, valorizando o que sente, a fim de mobilizar mudanças a partir deste conhecimento do seu próprio mundo interno. Através deste trabalho, a autora espera contribuir com um movimento necessário na educação e na sociedade em que vivemos. Ela acredita que mesmo que a literatura já tenha superado a visão “machista”, que algumas famílias já ensaiem pensar diferente, ainda é muito profundo o que está nas entrelinhas das relações interpessoais. “As mensagens não ditas têm uma representação muito mais intensa do que os ditos.” Ela desafia as mulheres-professoras olharem cada vez mais para dentro de si mesmas e perceberem que “podem liberar a agressividade e a criatividade, sem se culpabilizar. Devem autorizar-se a pensar, a perguntar para saber e a independentizar-se.” E para encerrar, ela parafraseou Sartre, registrando: “O importante não é o que fizeram da mulher, mas o que ela faz com o que fizeram dela...” REFERÊNCIAS: FERNÁNDEZ, Alícia. A mulher escondida na professora – uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporeidade e da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. 1994. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança – um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra. 1994. FREUD, Sigmund.(1905). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, v.VII, 1972. LOURO, Guacira Lopes. Educação e gênero: a escola e a produção do feminino e do masculino. In: SILVA& AZEVEDO(Orgs), Reestruturação curricular – teoria e prática no cotidiano da escola. Petrópolis, RJ: Vozes. 1995. PAÍN, Sara. Subjetividade- Objetividade: Relações entre desejo e conhecimento. São Paulo: CEVEC. 1995. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da Educação. São Paulo: Bertrand Brasil. 1992. WOLFFENBÜTTEL, Patrícia Pinto(organizadora). Psicopedagogia: Teoria e prática em discussão; Novo Hamburgo: FEEVALE, 2005.