Epitácio Rodrigues

Neste texto pretende-se abordar a questão da religião como uma das dimensões humana, explicitando a necessidade fundamental sentida pelo ser humano de compreender o fundamento do mistério que ele se percebe para si mesmo.

O ser humano é um ser de dimensões e a religião constitui uma delas. Porém, a reflexão a respeito dessa dimensão humana envolve uma teia de complexidade nem sempre colocada à vista nas discussões sobre a religiosidade humana. A primeira dificuldade consiste na multiplicidade de vivências religiosas, cada uma delas com uma compreensão de religião e de divindade diferente. Outro obstáculo é que nem sempre um sistema religioso trabalha com uma noção de divindade: há religiões como o budismo. Assim, dada à complexidade de sistemas e experiências faz-se necessário ampliar o conceito e abranger alguns elementos comuns a praticamente todas as experiências místicas, seja ela transcendente ou imanente. Por religião deve-se aqui entender uma experiência humana de intuição de um mistério (para uns, transcendente, para outros, imanente) a partir da qual se desenvolve uma experiência mística, uma teologia ou teoria dos fundamentos ou princípios básicos dessa experiência, e um conjunto de regras de conduta ou uma ética e de rituais de celebração. Noutras palavras, uma mística ou espiritualidade, uma doutrina e uma ética e um conjunto de ritos celebrativos.

Dos três elementos conceituais apresentados acima, o mistério constitui o fundamento por excelência da religião. A clareza a respeito disso, é essencial, na medida em que os saberes sistematizados divergem muitos sobre o assunto. Basta mencionar, por exemplo, que para algumas escolas sociológicas, a religião é uma instituição social, para algumas correntes antropológicas, ela é mais uma manifestação da cultura; alguns psicanalistas compreendem-na como uma projeção humana de seus medos e neuroses; os filósofos materialistas entendem-na como uma criação humana. Todavia, apesar da divergência, todos a aceitam como um fenômeno: existe uma realidade, um fenômeno ao qual se deva chamar de religião. As críticas, por mais veementes que tenham sido não foram suficiente para erradica-la da sociedade humana. É um fato que sua influência hoje como instituição está bastante minorada, mas no âmbito privado as pessoas ainda continuam a erigir seus altares, cultuar suas divindades e a procurar por uma “energia” imanente ou transcendente. Há ainda uma busca pelo algo mais do que isso que nós experienciamos de modo mais imediato. Por quê? A resposta já foi acenada acima. A religião, em última instância, tem a haver com uma capacidade humana de intuir o mistério. Este é o seu cerne: a experiência humana de consciência, clara ou obscura, do mistério. É claro que o se chama de mistério foi por muito tempo distorcido. Mistério, do grego myô, não é aquilo que não se conhece, mas aquilo no qual quanto mais se adentra, mais grandioso ele se apresenta. Não é que não se possa conhecer o mistério, mas antes que não se pode esgotá-lo, pois ele sempre se mostra muito além do conseguimos alcançar intelectivamente, ainda que possamos mergulhar nele. Essa relação humana do finito no infinito o faz ser um mistério para ele mesmo. Como a explicação desse fenômeno não pode ser esgotada pela reflexão filosófica e nem mensurado pela ciência experimental, tem-se a tendência a desprezá-lo como algo irrelevante. A religião é o resultado da nossa intuição de um mistério para nós mesmos ou se preferirmos, em nós mesmos.