Sem Medo de Ousar
Por Angely Costa Cruz | 07/11/2008 | CrônicasPara aqueles que esperavam uma trama semelhante às outras e
com todos os clichês de uma telenovela, não para
de surpreender-se com “A Favorita”, atual novela
das vinte horas. A história vem desafiando o
público e o próprio folhetim, ao adotar,
inicialmente, a dubiedade de caráter como fio condutor para
as protagonistas e fazer a grande revelação (quem
é a vilã, afinal?), ainda no início da
novela, num capítulo que mais pareceu filme de longa
metragem.
Ao fazer esta opção, o autor na
verdade apresenta uma mudança de roteiro que busca
revitalizar o gênero; se terá seguidores ou
não, não se sabe o certo mesmo é que a
novela tomou de assalto o telespectador. Mas seu autor João
Emanuel Carneiro, um experiente roteirista de cinema, não
teve medo de ousar e desafiar a audiência.
A
estratégia é uma
experimentação na TV, mas não
é nova, mudanças de roteiro em telenovelas
costumam acontecer e em alguns casos, passam a ditar um novo estilo na
teledramaturgia. Um bom exemplo é “O
Rebu” (1974 - 75), de Bráulio Pedroso, onde toda a
trama de cento e doze capítulos se passava em dois dias; a
história girava em torno de um crime ocorrido numa festa e a
ambigüidade residia no fato de que ao mesmo tempo em que
não se sabia quem matou, também não se
sabia quem morreu, ou seja, uma dose de ousadia ainda maior.
O mesmo
autor também fora responsável no final da
década de sessenta por uma inovação de
texto que revolucionou a televisão no Brasil.
“Beto Rockfeller” (1968), que levou para a TV a
linguagem e o cenário do cotidiano, além de
apresentar um anti-herói como protagonista. Um choque de
realidade que provocou a ruptura com o gênero
dramalhão, capa e espada, fazendo surgir um novo estilo para
a teledramaturgia brasileira.
A partir daí, a
ficção televisiva se torna verdadeiramente
nacional e mudanças não param de acontecer; em
“Pecado Capital”, de 1976, Janete Clair matou o
protagonista; em 1989 os vilões de Gilberto Braga se deram
muito bem ao final de “Vale Tudo” e mais
recentemente nas tramas de Manoel Carlos, é
possível observar a ausência do grande
vilão e a clara preferência em valorizar os tipos
comuns, para ficar somente nestes exemplos.
Desse modo,
mudanças no roteiro podem até assustar, pois elas
implicam na construção de personagens sem
maniqueísmos e na quebra de expectativas, mas
também são responsáveis por manter
vigor e o sucesso de um gênero há tanto tempo no
ar. A surpreendente troca de papéis, entre
Patrícia Pilar (conhecida atriz por suas personagens do bem)
e Cláudia Raia (somente lembrada como uma atriz para humor e
a comédia), enriquece a ficção no
horário nobre e revela que há muito a ser
explorado no gênero televisivo.