Sem importância
Por Marco Antonio Guimarães Sarmento | 09/11/2021 | ContosSem importância
No escritório, os velhos companheiros de trabalho estão, como sempre, cumprindo com sua rotina diária. Um deles resolve se levantar de sua mesa, aproxima-se do outro, encosta-se levemente ao seu lado e, discretamente, fala ao colega:
― Ô, Alfredo.
― Que foi? Responde Alfredo, sem deixar de escrever ao notebook.
― Sabe o que é? Eu estava pensando na minha mesa: “Por que não vou falar com o Alfredo e tiro uma dúvida?”
― Qual?
― É que você já está aqui com a gente há um bom tempo. Três anos e meio, pra ser mais exato. E até agora você não deixou de colocar essa caixa de sapato forrada com papel em sua mesa ao seu lado. E toda vez que alguém do escritório lhe pergunta o que tem dentro, você sempre responde que não é nada de importante...
― Sabia que você iria chegar nesse assunto...
― Ah, Alfredo... o homem é um bicho curioso, né?
― Mas essa curiosidade não lhe ajudará em nada. Não há nada de importante a saber.
― Então fala pra mim o que é, Alfredo...
― Não, não. É melhor voltar pra sua mesa ao invés de se preocupar com coisas sem importância.
― Mas Alfredo... o problema é que você diz que não tem importância, mas age como se tivesse...
― Besteira. Ajo normalmente. E pronto.
― Não é bem assim, Alfredo. Às vezes, você parece se preocupar muito com essa caixa. Por que não diz logo o que tem aí dentro e acaba com esse mistério?
― Que mistério nada. Não existe mistério nenhum. Eu não preciso dizer nada.
― Mas, se não há mistério, se não há nada importante, diz logo o que é, oras.
― Bobagem. Não ligue pra isso. São coisas banais. Supérfluos. Nada de mais.
― Mas Alfredo... se não tem nada de mais, por que você um dia bateu na mão do Gaspar quando ele tocou na caixa no momento em que dizia que iria abrir?
― Bati porque depois ele me daria o trabalho de fechá-la e eu estava muito ocupado para cuidar disso. Além disso, ele precisava continuar seu relatório, pois o chefe havia pedido urgência naquele trabalho.
― Eu sei, Alfredo, mas você também gritou um palavrão ao Ricardo porque lhe disse que havia abrido a caixa e visto dentro no momento em que você tinha ido ao banheiro. Quase não deu tempo de dizer que era mentira, pois ele já estava roxeando com aquele seu mata-leão.
― Ora, naquele dia, eu havia brigado com a esposa e acabei descontando minha raiva nele. Não aguentei saber que ela tinha jogado fora minha coleção de bolas de gude. Foi presente do vovô...
― Mas Alfredo... e aquele dia em que esconderam a caixa e você ameaçou chamar a polícia se não devolvessem? Era apenas uma brincadeira...
― Mas aquela brincadeira estava tirando o foco dos funcionários. Toda a empresa havia parado de trabalhar quando souberam do sumiço dessa caixa. Atrapalhou o rendimento do pessoal e o chefe ficou uma arara...
― Acontece que você teve pressão alta, desmaiou quando deu pelo sumiço da caixa e, quando acordou, acionou o alarme de incêndio da empresa. Parecia desesperado demais por causa de uma caixa tão sem importância.
― É que aquilo iria pegar mal para o chefe. Ele iria pensar que não há pessoas sérias na empresa, que não somos unidos. Eu precisei fazer aquilo para parar logo a brincadeira e nos voltarmos logo às metas da empresa.
― E por que a caixa está sempre perto de você, à mesa? Por que não guarda no armário, por exemplo?
― Ora, porque acho que, assim, posso limpá-la mais vezes. Não quero uma caixa acumulando poeira no escritório.
― Ou será que sua intenção é ficar de olho mais atentamente? Acho que, assim, você fica logo sabendo se alguém mexeu nela. Parece demarcar o local exato.
― Besteira. Nem reparei nisso.
― Olha, Alfredo, eu vou ser sincero contigo: eu estou aqui porque fui sorteado para te perguntar o que tem dentro dessa caixa. A empresa toda quer saber e até está rolando um bolão pra premiar quem adivinhar o que tem dentro. É muita grana que está em jogo!
― Quê? Como disse? Isso é um absurdo! Como podem apostar sobre algo meu sem minha autorização? O que pretendem com isso? Abrir minha caixa à força? Pois vou denunciá-los por constrangimento e pedir demissão dessa droga de empresa cheia de xeretas!
― A gente acordou que, quem ganhasse o bolão, daria 50% do prêmio a você ― algo em torno de dez mil reais ― e cada funcionário que apostou pagaria dois dias de férias a você independentemente do resultado, o que significa que você terá quase três meses de férias remuneradas, se aceitar.
Depois de alguns segundos de silêncio, ele responde:
― Bem, nesse caso, já que isso deu tanto trabalho pra vocês, eu mostro. Mas, ainda assim, é coisa sem importância que tem aí dentro...